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Crise deixou maior feira angolana ao abandono

Pavilhões vandalizados, portas e janelas partidas, lixo pelo recinto e viaturas avariadas no interior ilustram o atual abandono da Feira Internacional de Luanda, que ainda em 2014, em plena pujança de economia angolana, juntava mil empresas de 39 países.

A crise angolana esmoreceu o interesse dos empresários em 2015 e a feira multissectorial que se realiza naquele recinto – a maior de Angola – foi mesmo cancelada por duas vezes no ano seguinte, com a promessa de a 33ª edição da Feira Internacional de Luanda (FILDA) se realizar entre 18 e 23 de julho de 2017.

A um mês e meio da data, fontes ligadas à organização relataram à Lusa que é já impossível retomar a feira nesse período ou até mesmo este ano, o que será o segundo ano de adiamento e um símbolo do rombo que a economia angolana enfrenta desde finais de 2014, devido à quebra prolongada nas receitas com a exportação de petróleo.

A atual situação do recinto da Feira Internacional de Luanda – que além da FILDA recebia outras feiras temáticas, da Pesca, do Ambiente ou da Construção, entre outras, praticamente todas canceladas em 2016 – foi constatada pela agência Lusa numa visita guiada por alguns funcionários que ainda ali se encontram, embora não saibam muito bem para quê. 

Dizem lamentar a falta de salários, em atraso há 14 meses, e de respostas do conselho de administração da empresa que gere o espaço, considerado pelas autoridades, até ao início da crise, como “a maior bolsa de negócios de Angola”.

“A direção abandonou o espaço, que não tem segurança para proteger os bens e o património do Estado. Então, a população começou a vandalizar. É uma lástima total”, contou à Lusa um dos trabalhadores, José Guimarães.

A Feira Internacional de Luanda é uma empresa privada com capitais públicos angolanos que organiza as várias feiras em Luanda, incluindo a FILDA. Esta feira, multissectorial, nunca se deixou de realizar em 32 anos, até 2015, mesmo durante o período da guerra civil no país. O ano de 2016 foi a exceção, com a feira adiada para este ano, mas o recinto ao abandono indicia que ainda não será desta a retoma, até porque a economia do país também não dá mostras de recuperar.

José Guimarães é responsável pela secção de canalização do recinto há 33 anos e além do desespero com o estado a que a feira chegou, nomeadamente os 28 mil metros quadrados de área de exposição, já não sabe como ultrapassar as dificuldades em casa, com mais de um ano de salários em atraso.

“Estamos sem salários desde abril do ano passado, sem subsídios de férias e outros bónus a que temos direito. Em 2015 a empresa começou já a pagar salários com soluços até que se arrastou para esses meses, não sabemos quais os motivos, mas alegam falta de dinheiro, que não corresponde à verdade”, desabafou o funcionário, de 53 anos.

O atual estado de abandono em se encontra o recinto, com apenas alguns funcionários da comissão sindical e agentes da polícia para proteger o pouco que restou nos seis pavilhões de exposição e demais compartimentos, também foi descrito à Lusa por Américo Miguel, que trabalha na instituição desde 1985.

“Estamos há precisamente 14 meses sem receber. A situação é triste, lamentável e de um abandono tremendo. Um espaço que recebia anualmente visitas de altas entidades internacionais e nacionais, com vários momentos de festa, hoje está ao abandono. Os marginais vêm aqui, saqueiam tudo, desde os cabos elétricos, a portas e janelas. Os chefes não dizem nada”, lamentou.

Angola é o maior produtor de petróleo em África, atualmente com pouco mais de 1,6 milhões de barris de crude diários, mas a quebra para metade nas receitas com a exportação petrolífera, em 2015 e 2016, teve repercussões em toda a economia do país.

A falta de divisas que se seguiu também condicionou o interesse dos empresários, nomeadamente estrangeiros, que ficaram sem acesso a matéria-prima ou viram transferências de dividendos para o exterior praticamente impossibilitadas.

Alheio à realidade económica, a voz de Adriano Mixinge, de 59 anos e uma vida passada na Feira Internacional de Luanda, é levada pela emoção face ao que vê hoje: “Isto para mim é muito triste, para quem conheceu antes este espaço. Esperamos que com a retoma da Expo Angola possamos esperar alguma celeridade para mudar o estado das coisas”, sustentou.

Os trabalhadores garantem que o Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPTSS) está a par da situação da feira, mas até agora sem resultados.

A edição de 2016 da FILDA, prevista para julho e adiada para novembro devido à crise, não foi realizada face à reduzida inscrição de expositores, conforme anunciou na altura a empresa organizadora.

De acordo com um comunicado assinado na altura pelo presidente do conselho de administração da Feira Internacional de Luanda, José de Matos Cardoso, enviado aos expositores e ao qual a Lusa teve acesso, a 33ª edição da feira foi oficialmente adiada, ficando agora prevista para 18 a 23 de julho de 2017.

“Havendo necessidade de se manter os níveis de organização e a qualidade da FILDA 2016, por razões técnicas que se consubstanciam na dificuldade de importação de materiais e equipamentos para a montagem da feira e outros dos interesse dos expositores, adia-se a realização da 33ª edição da FILDA”, lia-se no comunicado.

A FILDA de 2014 envolveu entre 22 e 27 de julho cerca de mil empresas, em representação de 39 países, mas foi a comitiva portuguesa, que ocupou por completo um dos sete pavilhões da feira, a ter a maior presença. 

Portugal e a China tiveram mesmo, cada, um dia inteiramente dedicado aos respetivos países, tal era na altura o interesse do exterior e a expectativa de ser visitada por cerca de 50 mil pessoas, grande parte dos quais empresários angolanos à procura de novas oportunidades de negócio com parceiros estrangeiros. 

Paulo Julião e Domingos SilvaExclusivo Lusa/Plataforma

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