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Petróleo caro obriga a gastar menos

A cotação do petróleo acima do orçamentado pelo Governo vai permitir aos funcionários públicos angolanos recuperar parte do rendimento salarial perdido com o agravamento do custo de vida, apenas em 2017, pelo que “gastar menos” tornou-se obrigação.

“Os aumentos da função pública estão previstos no Orçamento Geral do Estado [OGE] para 2017 e vão acontecer”, confirmou no final de abril o ministro das Finanças, Archer Mangueira, depois de o Governo ter aprovado, em reunião do Conselho de Ministros, um “aumento gradual” destes vencimentos.

No limite, esses aumentos serão de até 15 por cento, para os salários mais baixos, por se tratar da inflação prevista pelo executivo para este ano. Em 2016, devido à crise que o país atravessa, a inflação em Angola ultrapassou os 40 por cento, um poder de compra que os funcionários públicos perderam e que já não recuperam.

No OGE de 2017 foi inscrita pelo Governo uma verba de 1,613 biliões de kwanzas (9,6 mil milhões de dólares) para pagar os vencimentos da função pública , correspondendo a um aumento de 3 por cento face a 2016.

Em ano de eleições gerais, agendadas para 23 de agosto, só a cotação do barril de crude acima dos 46 dólares — a previsão oficial do Governo para este ano – permitirá cumprir esta medida. Em janeiro, cada barril de petróleo angolano foi exportado, em média, a 51,1 dólares, valor que subiu em fevereiro para 52,8 dólares, recuando em março para 51,7 dólares.

Angola iniciou 2017 na liderança da produção de petróleo em África, com mais de 1,6 milhões de barris de crude por dia, ligeiramente abaixo do registo do ano anterior, devido ao acordo entre os países produtores de petróleo, para reduzir a oferta.

Solana dos Santos é funcionária do Estado no setor da aviação civil e diz que o anunciado aumento do salário vai dar apenas para “minimizar” as dificuldades. É que com um rendimento mensal de 102 mil kwanzas (555 dólares), em tempo de crise passou a gastar menos, deixando de lado gastos exorbitantes de outrora.

“Deixei de fazer muita coisa com esta crise. Passei a racionalizar mais, algumas despesas que eram feitas de forma exorbitante foram diminuindo e passei apenas a priorizar o necessário”, acrescentou.

Angola vive desde o fim de 2014 uma profunda crise económica, cambial e financeira resultante da queda das receitas petrolíferas — o suporte da economia angolana — com reflexos na condição socioeconómica da população e no poder de compra.

Esta realidade é retratada na primeira pessoa por Januário Alberto Panzo, funcionário público no setor da saúde que diz auferir mensalmente pouco mais de 68 mil kwanzas (411 dólares). O problema é que com a crise, só em 2016, os preços aumentaram 40 por cento e, este ano, segundo a previsão do Governo, deverão subir mais 15 por cento, enquanto o salário de Januário permanece inalterado há anos e raramente chega a horas. “Estes aumentos vão trazer o quê de novo para mim? Os nossos salários primeiro atrasam e quando vêm não pagam com os subsídios completos. Agora, aqui em Luanda, tudo custa dinheiro, não espero grande coisa”, desabafou.

Januário tem um filho fora do sistema de ensino, devido à falta de dinheiro para pagar as propinas, e teve de reduzir as despesas mensais de casa “para metade”, em consequência da crise.

“Antes ainda conseguíamos nos ajeitar. Comprávamos a comida numa quantidade que poderíamos gerir durante o mês. Agora compramos aos bocadinhos e estamos é mesmo a sobreviver”, conta.

Também Ângela Tavares diz não ter grande expectativa com estes aumentos salariais, que só vão permitir repor parte do poder de compra perdido em 2017. “Para mim é indiferente, não creio em grandes aumentos para o meu salário. Continuo a ajustar-me à realidade e agora passei a gastar menos”, sublinhou.

A funcionária da administração pública, como milhares de colegas, só espera que não se repita o cenário de 2016, com a escalada dos preços de produtos básicos, devido a dificuldades de importação.

Na eminência da aprovação destes aumentos salariais, o secretário-geral da União Nacional dos Trabalhadores Angolanos (UNTA) Confederação Sindical, Manuel Viaje, lamenta que o reajuste fique “abaixo da taxa de inflação”, tendo em conta que só os salários mais baixos terão o aumento maior.

“Significa a entrega de mais meios de pagamento às pessoas, isto significa dizer que as pessoas poderão ter um bocadinho mais de consumo, mas ele peca pelo facto de este ajustamento estar abaixo da taxa de inflação esperada, mas é um exercício que nós temos de reconhecer. A taxa de inflação esperada é de 15 por cento e qualquer ajustamento que se faça seria nessa dimensão”, disse.

Aumentos que deverão chegar igualmente ao salário mínimo nacional, definido pelo Estado e que em Angola está divido por setores.

Na agricultura está fixado desde 2014 em 15.003 kwanzas (90 dólares), enquanto no setor dos transportes, serviços e indústria transformadora corresponde a 18.754 kwanzas (113 dólares) e no comércio e indústria extrativa equivale a 22.504,50 kwanzas (136 dólares).

“É uma matéria que está a ser discutida pelos nossos deputados, no parlamento, e estou aqui enquanto ministro para executar o que os deputados disserem. O salário mínimo é sempre resultado de uma concertação nacional, não da opinião do ministro ou de um simples cidadão”, assegurou, por seu turno, o ministro das Finanças, Archer Mangueira.

A função pública angolana empregava em 2016 um total de 360.380 trabalhadores, uma quebra superior a 3 por cento face ao ano anterior, segundo dados divulgados pelo ministro da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social, António Pitra Neto.

De acordo com o governante, em 2015, Angola contava com 372.873 funcionários e agentes públicos, número que desceu para 12.493 no espaço de um ano.

Angola vive uma profunda crise financeira e económica desde o final de 2014 devido à quebra nas receitas com a exportação de petróleo, tendo o Governo aprovado várias medidas de austeridade, bem como um programa de recadastramento dos funcionários públicos, para eliminar os chamados “trabalhadores fantasma”.

Dos trabalhadores da função pública angolana, quase 49 por cento são funcionários do Ministério da Educação, nomeadamente professores, enquanto a Saúde representa 14 por cento. 

Paulo Julião e Domingos António Silva-Exclusivo Lusa/Plataforma

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