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Países lusófonos juntam-se à festa em Fátima

A visita do papa Francisco a Fátima está a suscitar entusiasmo não apenas em Portugal. No espaço de língua portuguesa, as aparições marianas da Cova da Iria, que celebram 100 anos, são veneradas, com dezenas de templos de homenagem a Nossa Senhora de Fátima, e são esperados milhares de peregrinos que falam português vindos de África, América do Sul, Oceânia e Macau. 

De Angola são esperados perto de mil peregrinos e vários religiosos, entre os quais três bispos, mas o ponto alto da celebração no país será em Muxima, o maior centro mariano da África subsariana, com a projeção das celebrações em direto. De acordo com o reitor do santuário da Muxima, para as celebrações no santuário mariano português será instalado em Muxima, a 130 quilómetros de Luanda, um sistema de projeção para os fiéis angolanos assistirem em direto, através da transmissão televisiva, a tudo o que se vai passar em Fátima, entre 12 e 13 de maio. “A devoção à nossa senhora de Fátima está no coração do povo cristão e particularmente no coração do povo de Angola”, explicou à Lusa o padre Albino Reyes, 47 anos, proveniente de uma congregação de missionários mexicana, reitor do santuário da Muxima desde 2010.

“Não há diocese em Angola que não tenha uma, duas ou três paróquias, ou capelas, dedicadas a nossa senhora de Fátima. E não é assim com o caso da senhora da Muxima”, reconhece Albino Reyes. “Acho que é importante para o povo angolano acompanhar a organização, a vivência, que não é só nossa. É de toda a Igreja, a devoção a Maria”, diz Albino Reyes.

O Brasil é o maior país católico do mundo e a devoção mariana é muito forte — a padroeira brasileira é Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Fátima tem um lugar particular no coração dos fiéis, com várias paróquias dedicadas um santuário evocativo e uma réplica da Capelinha das Aparições, como acontece em Recife e no Rio de Janeiro. 

No Receio dos Bandeirantes, bairro na zona oeste do Rio de Janeiro, os eventos de 1917 serão especialmente lembrados na única réplica idêntica do Santuário de Fátima que existe no mundo.  O bispo e reitor deste santuário brasileiro, Antônio Augusto Dias, disse à Lusa que a inauguração do espaço, em 2011, foi um passo importante para o brasil. “A Igreja [brasileira] está em um momento da sua história em que, além do trabalho já realizado, está abrindo novos caminhos. Esta réplica [do Santuário de Fátima] representa um destes caminhos que a Igreja está a percorrer”, disse. Nos dias 12 e 13, o cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, Orani Tempesta, vai celebrar uma eucaristia e será feita uma transmissão em direto de parte da visita do papa Francisco a Fátima. A construção da réplica do Santuário de Fátima no Rio de Janeiro foi idealizada por um casal de católicos, Berthaldo e Kenya Soares. Em entrevista à Lusa, Berthaldo Soares contou que teve a inspiração de erguer o templo em 2007, quando ele e outros membros de uma organização católica chamada Tarde com Maria fizeram uma peregrinação à Fátima.

Na Guiné-Bissau, o entusiasmo é tal que o país organiza a primeira peregrinação desde a independência. Num país dividido entre cristãos e muçulmanos, Fátima é um elemento de aproximação. “Desde a independência que a igreja católica da Guiné-Bissau, nunca conseguiu organizar peregrinações a cidades santas, principalmente a Fátima mas, graças à vontade que apareceu, católicos da Guiné-Bissau vão participar e marcar presença neste centenário não só como católicos, mas como cidadãos da Guiné-Bissau”, afirmou Lucinda Barbosa, da comissão organizadora.

De Cabo Verde, segue o bispo do Mindelo, Ildo Fortes, em representação dos católicos cabo-verdianos. E são esperados 200 peregrinos vindos das várias ilhas do país. 

Do outro lado do mundo, em Timor-Leste, muitos peregrinos vão a Fátima saudar Francisco mas, entre estes, há uma peregrina especial. Maria da Costa Valadares regressa a Fátima desde 1994, quando foi acusada de ser conivente com a ocupação indonésia. Muitos anos antes da independência, Maria da Costa Valadares viajou numa delegação que incluía alguns lideres integracionistas que apoiavam a ocupação indonésia de Timor-Leste, entre os quais o então embaixador itinerante da Indonésia para assuntos timorenses, Francisco Lopes da Cruz. O grupo foi acusado por muitos timorenses na diáspora de estar a fazer o jogo indonésio. Então, “houve alguma confusão, pela política. Mas os portugueses receberam-nos muito bem”, contou à Lusa Maria Valadares em Díli, dias antes de, 23 anos depois, regressar a Fátima para poder “rezar com mais calma” e “agradecer a independência de Timor-Leste”.

Perto de 100 são-tomenses são também esperados em Fátima para participar nas celebrações. E o bispo de São Tomé e Príncipe também se associa à celebração, integrando a comitiva. “Fátima, não há dúvida, é um fenómeno que merece ser estudado em várias vertentes e que está aí com uma evidência que nós não podemos negar. Uma evidência tal que o próprio papa, no centenário das aparições, vai se deslocar a Fátima e vai canonizar os dois pastorinhos Francisco e Jacinta que acabam por ser as crianças não mártires mais jovens canonizadas na igreja”, salienta Manuel António. 

A Fátima do futuro?

Se as aparições marianas de Fátima são reconhecidas pela Cova da Iria, à imagem de outros fenómenos semelhantes como La Sallete ou Lourdes, o próximo capítulo destas visões de crianças deve ser na zona católica na Bósnia, em Medjugorje. A pequena cidade recebe já um milhão de peregrinos por ano, muitos dos quais portugueses que acreditam na continuação da mensagem de Fátima. Isto num momento em que o Vaticano continua cético em relação à verosimilhança daquelas visões particulares, que duram desde 1981.

Maria Helena Fernandes, 72 anos, já foi três vezes a Medjugorje, depois de, “há cerca de 15 anos”, o marido ter encontrado, num alfarrabista, um livro sobre a localidade. “Vemos muita fé aqui. Muita. Somos portugueses, temos a nossa Fátima, que é nossa, mas a nossa Fátima aconteceu há 100 anos. Aqui nós temos a presença de Maria junto de nós. Já tivemos a felicidade de estar em duas aparições ali junto dela”, afirmou a portuguesa de Viseu.

Para o padre Carlos Macedo, que vai a Medjugorje desde 2002 e que tem acompanhado vários peregrinos, “o especial deste lugar é realmente a presença de Maria que se sente” e “é um lugar de fé, de muita fé”, explicando que o Vaticano não pode reconhecer Medjugorje como santuário enquanto houver “aparições” regulares. “Depois de uma aprovação [do Vaticano], claro que vão aumentar as peregrinações. No entanto, esta vinda aqui dos peregrinos, mesmo sem a aprovação, continuará”, afirmou o padre, junto à cruz branca do monte Kricevac, “o monte da cruz”, após ter acompanhado, às 5h30 da madrugada, um grupo de 50 portugueses pela via-sacra de uma colina íngreme e rochosa que culmina a 500 metros de altitude.

Para o padre franciscano Dragan Rucic, Medjugorje é também um meio de continuar a mensagem de Fátima. “Há parecenças entre todos estes lugares de aparições. São lugares de onde vem esta mensagem de penitência, de conversão, de uma maneira de viver mais intensamente o nosso caminho para Jesus Cristo”, afirmou o sacerdote.

Também o padre Carlos Macedo acredita na ligação entre Fátima e a localidade bósnia. “Na mensagem de 25 de agosto de 1991, ela [a Virgem] diz: ‘Vou terminar aquilo que comecei em Fátima’. É a única terra do mundo que ela fala”, afirmou o padre português, explicando que em Portugal a Virgem prometera que “o seu imaculado coração ia triunfar”.

Davor Ljubic, proprietário de uma agência de viagens há 28 anos em Medjugorje, visitou Fátima “mais de 15 vezes” em trabalho e explicou que, a 13 de maio, vai haver uma missa na Bósnia dedicada a Nossa Senhora de Fátima. “A diferença fundamental com Fátima é que Medjugorje está viva porque os videntes estão vivos e nunca se viu fé como aqui”, comentou o agente turístico. Em 1981, Nossa Senhora ter-se-á apresentado como “rainha da paz” e, desde então, terá aparecido sucessivas vezes aos seis videntes, um fenómeno que se repete, pelo menos, todos os meses.

A hierarquia católica tem reagido com ceticismo ao fenómeno e chegou mesmo a afastar um dos principais sacerdotes associados ao caso. Nos últimos anos, Roma tem enviado missões para avaliar a legalidade canónica daquelas “aparições” mas, até agora, os resultados não têm sido conclusivos.

Macau junta-se às celebrações 

O antigo superior da Companhia de Jesus em Macau Luís Sequeira sustenta que a canonização de Jacinta e Francisco, e a ida do papa Francisco a Fátima são “um grande presente” para os portugueses. “Este ano temos o grande presente que é o papa ir a Fátima e a canonização dos dois cachopos”, diz o padre. O jesuíta admite “um gosto enorme” que o Vaticano tenha reconhecido a “virtude” das crianças portuguesas. “A escolha… a gente não entende bem porquê, mas Deus tem os seus caminhos”, comenta.

Para o franciscano, a procissão de Nossa Senhora de Fátima em Macau é a que atrai mais pessoas e constitui a maior manifestação pública católica no território.  “Sem dúvida nenhuma que a expressão religiosa [católica] de maior envergadura é a de Nossa Senhora de Fátima. A procissão é a que tem maior número de gente, não só da terra como de Hong Kong, do próprio continente (China), de alguns países aqui à volta, como a Malásia e a Indonésia, há grupos que vêm, até das Filipinas”, diz, salientando que há também macaenses que vivem fora e que, “por esta altura, até dão cá um salto”.

Macau tem quase 645 mil pessoas, das quais 30 mil deverão ser católicas. A primeira procissão de Nossa Senhora de Fátima aconteceu em 1929. O centenário das aparições será assinalado este ano com “alguma solenidade”, “mais do que é habitual” em Macau, diz o jesuíta, que é também assistente eclesiástico da congregação de Nossa Senhora de Fátima. A principal novidade é a missa e a novena serem rezadas na Sé Catedral de Macau, e não na Igreja de São Domingos, como habitual – a procissão depois segue até à Ermida da Penha. É na Sé que está uma das mais imponentes imagens de Nossa Senhora de Fátima em Macau, com a inscrição “Rainha do Mundo, Mãe de Portugal, Amparai Macau”.

Na residência dos jesuítas, junto à Igreja de Santo Agostinho, o sacerdote elogia Francisco e os seus esforços de diálogo mas não espera que, quanto à China, exista alguma alteração de fundo na relação entre a Igreja Católica e Pequim. “Assim imediatamente não vejo. O povo chinês vai sempre devagar, têm de estar muito seguros. Não esquecer que esta é uma problemática muito séria na China Continental, que ainda tem a ideologia marxista por trás e sobretudo o regime do Partido [Comunista]”, remata.

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