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“Estamos a correr contra o tempo”

Simon Chan, presidente da Autoridade de Aviação Civil, diz que os trabalhos de expansão do aeroporto de Macau poderão arrancar ainda neste ano, ou no próximo, após autorização de Pequim para a construção de novos aterros. A companhia do aeroporto, diz, está em condições financeiras de suportar parte dos encargos. Os aterros serão pagos pelos cofres públicos.

– Em que passo estão os trabalhos de preparação da primeira fase de expansão do aeroporto de Macau?

Simon Chan – Elaborámos o plano diretor em linha com o desenvolvimento futuro de Macau como centro de turismo e lazer, bem como plataforma para os países de língua portuguesa. O plano quinquenal do Governo da RAEM inclui também o projeto de expansão do aeroporto. Despendemos bastantes esforços a criar este plano diretor em conjunto com a indústria e os operadores. O plano está feito. Neste momento, para termos mais operações no aeroporto, aquilo de que precisamos em primeiro lugar é espaço. O aeroporto está em plena utilização. Não temos espaço suficiente, sobretudo na placa de estacionamento. Para construirmos aterros, precisamos da aprovação do Governo central. Não estamos a falar em fazer aterros no rio, mas no espaço do aeroporto entre a pista e a placa de acesso. Temos de aterrar aquele espaço triangular. Por razões de segurança, para ir ao encontro dos requisitos da organização internacional de aviação civil, precisamos também de ter mais área reservada em ambos os extremos da pista.

– Qual é o calendário?

S.C. – Pretende-se que a primeira fase arranque durante este ano ou no próximo. Estamos um pouco a correr contra o tempo, porque no ano passado o volume total de passageiros atingiu já 6,6 milhões. A primeira fase de trabalhos destina-se a suprir uma capacidade de sete milhões. Na segunda fase, o objetivo são 11 milhões, e a fase final prevê 15 milhões de passageiros. Não estamos a basear-nos nos anos de calendário, mas na evolução da capacidade de utilização. Ao atingir-se 80 por cento da capacidade prevista, a expansão deve começar. Como 80 por cento de sete milhões são 5,6 milhões, a primeira fase devia ter já começado no ano passado. Devido ao projeto e aos procedimentos envolvidos, estamos um pouco atrasados. Mas, no que toca às operações áreas, ainda temos estacionamento, faixas horárias e área de terminal suficientes – sem problemas. Contudo, precisamos de bastante terreno para estacionamento se queremos ter mais voos, sobretudo porque em Macau temos muita aviação executiva. Estes aviões são como os táxis, não têm uma rota específica. Quando há clientes, apanham-nos e levam-nos ao destino. Quando chegam a Macau podem ficar dois a três dias estacionados à espera dos clientes. No momento, falta-nos espaço na placa de estacionamento para responder a este tipo de procura. Claro que não vamos gastar tanto dinheiro em aterros só por causa do estacionamento destas aeronaves, mas precisamos de um pouco mais de espaço para estas operações.

Essa é aliás um queixa antiga.

S.C. – Sim. E, no futuro, o aeroporto vai desenvolver-se em duas direções. Uma são os serviços de luxo, devido a todos os equipamentos de lazer que temos em Macau e ao fato de o grosso dos nossos rendimentos depender dos casinos. Temos clientes de um nível muito elevado e temos de dar resposta na aviação executiva, da manutenção às operações fixas. Como somos também uma cidade turística, teremos também que lidar com um grande número de ligações ponto-a-ponto de elevada frequência em produtos adequados a estes turistas. Teremos de acomodar bastantes aviões de pequeno porte de companhias low-cost que servem Macau. Este é o mercado que existe para Macau no futuro.

– Podemos dizer que os trabalhos de expansão deverão começar este ano se houver a aprovação do Governo Central?

S.C. – Se o Governo central aprovar, vamos tentar iniciar o projeto o mais cedo possível.

– O pedido de aterro já foi feito?

S.C. – Foi feito por altura do Ano Novo Chinês. Agora, há um processo. Temos de trabalhar com alguns ministérios e com o Governo central. Não tenho um calendário exato, mas faremos os nosso melhor.

– Os planos de expansão são antigos, sem que tenha havido desenvolvimentos até este plano diretor. Mas o mercado de aviação está sempre a mudar e é difícil prever o futuro – especialmente, atendendo ao crescimento das operações de jogo nas regiões vizinhas. Este projeto é flexível de forma a acomodar mudanças na procura?

S.C.– Na elaboração do plano diretor fizemos vários estudos, envolvendo não apenas Macau. Ao olharmos para Macau apenas, vemos que tem pouco mais que meio milhão de pessoas. É um mercado que talvez não justifique a existência de um aeroporto e de linhas áreas a servi-lo. Somos uma cidade turística, não um centro financeiro internacional. Porém, olhando para a região, há um grande desenvolvimento, incluindo os planos da Grande Baía anunciados na Assembleia Popular Nacional em Março. É algo que se alinha perfeitamente com o que está planeado para o aeroporto. A ponte entre Hong Kong e Macau, o metro ligeiro, as operações de fronteira 24 horas são todos bons fatores para o desenvolvimento da aviação. Após todas estas infraestruturas terem sido concluídas, projetamos que haverá muito boas condições para haver mais passageiros e companhias aéreas. Construímos o aeroporto, temos boas políticas e formas flexíveis para aprovação de voos. Contudo, as companhias baseiam-se num interesse essencialmente comercial ao decidirem se devem iniciar uma rota para Macau. Durante o Natal e o Ano Novo Chinês há mercado sem dúvida para alguns voos. E depois disso? Ao termos todas estas ligações de infraestruturas, as companhias terão mais confiança na decisão de utilizar o aeroporto de Macau no serviço à região. Foi esta uma das razões para que em Setembro do ano passado acordássemos com Hong Kong a revisão do acordo de serviço aéreo para adicionar o conceito de transporte multimodal. A ideia é conjugar o transporte aéreo com o terrestre e por mar. Em termos práticos, a partir de agora se as companhias aéreas o desejarem podem incluir Macau nas suas rotas: por exemplo, podem vender um bilhete de Frankfurt para Hong Kong ou para Macau. O avião aterrará em Hong Kong e o resto da ligação será feita por autocarro ou por ferry, dentro de um único código de voo. Estamos bastante optimistas de que o mercado da aviação vai crescer, e precisamos de desenvolver o nosso aeroporto para responder a esta procura.

– Além das funções que descreve, que outras será o aeroporto de Macau capaz de reter nos próximos anos?

S.C. – Antes de mais, as políticas têm de estar de acordo com os planos de desenvolvimento do Governo da RAEM. A zona do Pac On é uma boa oportunidade para o desenvolvimento do transporte intermodal. O novo terminal está junto ao aeroporto e prestes a abrir, com capacidade de servir muitos passageiros diariamente. O metro ligeiro também vai servir o aeroporto, e no futuro haverá uma quarta ligação entre Taipa e Macau, facilitando a ligação à ponte para Hong Kong ou Zhuhai.

– Todas estas infraestruturas procuram atrair as pessoas para a Taipa e o Cotai, quando a maioria das chegadas se dá pelas Portas do Cerco. É uma oferta que não responde à procura atual?

S.C. – Olhando para outros países e regiões vizinhas, percebemos que Macau tem uma situação especial: temos muitos pontos de entrada. A nossa economia é tão pequena que precisamos de ser muito abertos e liberais, sob pena de as pessoas não virem até cá. As Portas do Cerco são ainda o principal ponto de atravessamento, o que reflete a estrutura do nosso turismo em que a maior parte das pessoas vem da China, e em particular da região de Guangdong. No futuro, as Portas do Cerco ali estarão para esse efeito. O Pac On e o aeroporto servirão a região – Taiwan, Hong Kong, outros locais da Ásia. A distribuição dependerá da forma como o mercado crescer. Talvez no futuro as pessoas usem mais a Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau do que as Portas do Cerco – não sabemos.

– Como será feito o financiamento deste projeto de expansão?

S.C. – A construção dos aterros é um projeto do Governo. Depois disso, o aeroporto [a CAM] será responsável por todos os equipamentos sobre os aterros enquanto concessionária. É algo que tem por base o interesse comercial da companhia e esta escolherá o modo de financiamento, pedindo nova injeção de capital aos acionistas ou, de forma mais prática, pedindo a investidores que licitem projetos e assinem contratos de construção, exploração e transferência [BOT]. A decisão será deles.

– A CAM está hoje em condições financeiras sólidas?

S.C. – Sim. Antes de mais, tem realizados lucros durante os últimos anos e tem vindo a amortizar os empréstimos dos acionistas ao longo dos últimos dois a três anos. Está numa boa situação financeira. Além disso, quando concebemos este plano diretor projetámos vários cenários diferentes para verificar se a empresa estava financeiramente apta a implementar os projetos. Passou em todos os cenários.

– Nas três fases previstas?

S.C. – Sim. Criámos o pior cenário possível para efeitos de planeamento. Tornámo-lo espacialmente difícil, incluindo não haver aumento de rendimentos, e os acionistas não estarem disponíveis para injetar mais capital. Passou nos estudos financeiros. Mesmo no pior cenário, será capaz de fazer muitas coisas. Para que haja condições deste plano avançar, o Governo e a companhia precisam de partilhar trabalho. Daí que o Governo tenha decidido responsabilizar-se pelos aterros.

– Nos últimos anos, as operações locais de aviação têm estado estagnadas, com subutilização das rotas e encurtamento efetivo das operações devido à concorrência regional. É este o projeto que vai resolver o problema?

S.C. – De forma indireta, sim. Estamos optimistas quanto ao futuro – de contrário, não teríamos este plano. Por outro lado, no que diz respeito à subutilização, há uma questão de perspetiva. Somos muito liberais e procuramos ter acordos com o máximo de países possível para criar as condições para um início rápido de operações quando é esse o desejo das companhias aéreas. Mas negociar estes direitos não significa que sejam imediatamente utilizados. É o mesmo que sucede com o passaporte da RAEM: o Governo negoceia acordos de isenção de visto com diferentes países, mas isso não significa que muita gente visite esses países, ou o inverso. Cabe às companhias decidir quando querem utilizar estes direitos e abrir rotas, que tem que ser comercialmente viáveis para que haja voos regulares. No último ano tivemos 6,6 milhões de passageiros, que representam dez vezes a população de Macau. Temos mais de 35 companhias aéreas com cerca de 500 voos por semana para 43 destinos. Outras cidades com a mesma dimensão talvez não tenham estes números, sem esquecer que temos grandes centros de aviação ao nosso redor. Diria que estamos todos a fazer um trabalho muito bom. Muitas pessoas se queixam de que há apenas uma companhia aérea em Macau, mas não há monopólio de rotas. Tudo depende dos acordos que assinamos com os outros países. Há ainda algumas rotas para as quais não temos suficiente capacidade, ou mesmo um acordo de serviços aéreos, como Palau. Somos flexíveis – não há acordo, mas há um mercado de agências viagens disposto a usar este aeroporto em voos charter. Com Moscovo, acontece o mesmo. A maioria das pessoas nem sabe que temos voos para Moscovo ou Palau. As agências reúnem passageiros em torno de Macau. Escolhem Macau não porque haja aqui um mercado, mas porque a região é grande o suficiente para que considerem usar Macau.

– Um dos factores relevantes na atração das companhias é o dos custos. O plano diretor vai tornar mais cara a utilização do aeroporto de Macau?

S.C. – Em condições normais, isso não deveria acontecer. Como referi, criámos diferentes cenários na elaboração do plano. Naturalmente, a companhia do aeroporto precisa de ter o próprio plano de negócios para o implementar. Estão a estudar o modelo de financiamento. Não espero que aumentem grandemente o custo dos serviços para financiar o projeto, mas, sendo cedo para falar, dada a necessidade de manter a competitividade do aeroporto isto parece-me seguro. Neste momento, somos competitivos, os nosso custos são bastante baixos.

– Os custos recebem o acordo da Autoridade da Aviação Civil.

S.C. – Controlamos algumas taxas, mas não são a maioria porque falamos de operações comerciais. Sendo uma infraestrutura pública, precisamos de controlar algumas taxas para tornar o ambiente justo para todos os operadores: custos de estacionamento e taxas de aterragem e descolagem têm de ser aprovadas por nós.

– Referiu o objetivo de ter acordos de serviço aéreo com o máximo de países possível. Há-os com todos os países de língua portuguesa?

S.C. – Julgo que não com todos eles, mas temos Portugal, Brasil, Cabo Verde. Com todos os potenciais [interessados], temo-los.

– Houve uma recente declaração por um responsável do Gabinete de Ligação da República Popular da China em Macau de que deveria haver ligações aéreas diretas aos países de língua portuguesa. A questão da ligação com Portugal tem sido sempre discutida – não sei se haverá efetiva expressão de interesse até aqui – mas há oportunidades noutros países de língua portuguesa?

S.C. – Ficamos felizes se houver desenvolvimento de novas rotas. Porém, há o investimento necessário. Há poucas rotas intercontinentais dos Estados Unidos ou da Europa para esta região, e mesmo assim implicam custos de 300 milhões de dólares em combustível apenas. São rotas muito caras e arriscadas. As ligações intercontinentais têm de ser feitas de centro a centro de aviação, caso contrário não haverá passageiros suficientes para suportar os voos e as empresas perderão muito dinheiro. 

– Imagino que possa não haver grande sentido económico numa rota Lisboa-Macau. Daí que pergunte se o mesmo sucede com outros países de língua portuguesa e, eventualmente, pensando no transporte de mercadorias?

S.C. – A ligação aérea é apenas parte do sistema de transporte. Há que ver o conjunto: de onde vem o produto e se implicará um longo tempo de transporte para Macau, se o atravessamento da fronteira é facilitado, e que tipo de procedimento alfandegário existe, bem como se há capacidade de armazenamento. Todos estes fatores contribuem na ponderação. Atrever-me-ia a dizer que, em termos de aviação, o nosso aeroporto está preparado e as nossas políticas também. Mesmo os acordos de serviço aéreo que ainda não temos serão fáceis de negociar se houver interesse dos operadores. Agora, a questão está na sustentabilidade e viabilidade comercial das operações. Falando de mercadorias, não haverá problema em ter alguns voos charter em épocas específicas. Ter rotas regulares já não é uma questão de aviação apenas, implica todo um sistema. 

– Macau teve a experiência mal sucedida da companhia low-cost Viva Macau. Já passaram alguns anos. É hoje possível pensar em ter mais uma companhia aérea com base na região para além da Air Macau?

S.C. – O sistema de aviação local é baseado no que foi definido pelo Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês, cujo memorando de entendimento confidencial foi assinado antes da transferência e dispôs as condições. Não foi algo definido por nós. É por isso que temos a Air Macau com uma concessão de 25 anos. Vai expirar no final de 2020. Ainda não sabemos que tipo de sistema vamos adoptar, estamos a estudar. Em devido tempo, o Governo vai decidir em que direção caminharemos.

– Poderá haver plena liberalização?

S.C. – Poderá haver plena liberalização ou uma liberalização progressiva. A questão está em saber quantas companhias aéreas conseguem sobreviver em Macau com base na dimensão deste mercado. Este negócio não é como o dos restaurantes, que encerram quando não têm clientes. No transporte de aviação, as empresas asseguram uma ligação que não podem simplesmente encerrar quando não conseguem fazer dinheiro. Tem de haver equilíbrio. 

Maria Caetano

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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