“É importante avançar com uma lei da mediação”

por Arsenio Reis

Há em Macau, pelo menos, 80 mediadores certificados para intervirem em conflitos familiares, laborais ou comerciais. Mas nenhum regime que regule a sua atividade.

O Centro de Arbitragem do World Trade Center tem vindo a apostar na atividade, formando anualmente 30 mediadores. Alberto Marçal, vice-presidente, defende que a regulamentação é necessária para garantir a qualidade nestes processos de resolução alternativa de litígios. 

Criado há cerca de 20 anos, o centro de arbitragem conta também com um painel de 23 árbitros e 17 conciliadores, mas poucos são as disputas resolvidas por via do organismo. Em todo o ano passado, o centro só lidou com um caso. 

– O centro tem uma atividade regular ou encontra ainda insuficiências para ter uma maior atividade? Há dados sobre o número de casos tratados?

Alberto Marçal – Nos últimos anos temos desenvolvido esforços na divulgação e na promoção dos processos de resolução extrajudiciais. Nomeadamente, a arbitragem e a medição. Na sequência destas ações de promoção temos verificado que tanto a comunidade empresarial como a população em geral têm agora um melhor conhecimento desses meios alternativos. Além do mais, temos verificado que ultimamente tem havido um número crescente não só de pedidos de informação, como de pedidos de recurso à arbitragem e mediação para resolução dos conflitos. Mas entretanto, por razões de ordem diversa, muitos desses casos não se concretizam. No ano passado tivemos um caso de ‘med-arb’, aquilo a que nós chamamos mediação seguida de arbitragem. Primeiro, tenta-se resolver o conflito através da mediação. Se não for bem sucedida, as partes recorrem à arbitragem. 

– O dado que me dá relativamente ao ano passado corresponde ao normal volume de atividade do centro – um caso por ano?

A.M. – Esses dados estatísticos dos casos resolvidos pelos centros de arbitragem não conseguem refletir a total realidade de Macau. Não quer isto dizer que os dados estejam de forma alguma viciados. O que temos verificado é que há mais empresas a recorrer à arbitragem, mas muitas das vezes não escolhem Macau como local de arbitragem. Recorrem a outras regiões – por exemplo, algumas dessas empresas e pessoas vão a Hong Kong. Por outro lado, tenho conhecimento que tem havido casos de arbitragem que têm sido resolvidos através de arbitragem ad hoc. Os dados dos centros de arbitragem não conseguem dar um visão completa do desenvolvimento destes processos em Macau. Mas, uma coisa é certa, tenho verificado que as pessoas começam a utilizar mais esses meios alternativos de resolução de conflitos. 

– Nos casos de recurso a outras jurisdições, há consultas com profissionais locais?

A.M. – As partes podem fazer-se acompanhar nas reuniões de advogados, que em princípio serão de Macau. 

– O Governo tem a intenção de rever o regime jurídico da arbitragem. Em que é que os Serviços de Administração e Justiça se deverão focar, na sua opinião, para que haja um melhor regime?

A.M. – A norma jurídica que regulamenta a arbitragem de facto já vem de há quase 20 anos. Há necessidade de haver modernização da legislação da arbitragem. No que diz respeito a aspectos que poderão ser considerados aquando da reformulação da lei, a atual lei mantém o dualismo separando a arbitragem interna da arbitragem externa. Mas a tendência mundial visa reduzir esta diferença. Portanto, o futuro legislador deve considerar este aspecto. Em relação à mediação, hoje em dia não existe um enquadramento jurídico. É importante o Governo avançar com uma lei que estabeleça as normas da mediação. Em Portugal, foi publicada em 2013 uma lei que estabelece os princípios gerais aplicados à mediação civil e comercial. É muito abrangente. Além de estabelecer o regime jurídico de mediação, do processo propriamente dito, determina também o regime para os mediadores e para as instituições de formação, como é o nosso caso. Não basta dizer que organizamos ações de formação – é preciso regulamentar estas instituições de forma a garantir a qualidade dos mediadores que saem dos cursos. Caso contrário, pode haver consequências para a credibilidade da mediação. 

– Neste momento, que requisitos é que os mediadores que são formados neste centro têm de cumprir?

A.M. – Como não existe lei, através do nosso regulamento temos exigido que preencham certos requisitos. Primeiro, os mediadores têm de estar habilitados com um curso específico da área de mediação. Depois de terem frequentado o curso, podem participar no exame de acreditação. Após terem sido aprovados, podem submeter o pedido para fazerem parte do nosso painel de mediações. Uma vez acreditados, têm também de seguir o nosso programa de formação contínua. Todos os anos organizamos workshops e palestras. Devem participar nas nossas ações de formação para manter o nível de conhecimentos das técnicas de mediação. Todos os anos organizamos o curso de formação de mediadores e, nessa altura, convidamos todos os nossos mediadores a frequentarem novamente o curso para não se esquecerem da parte teórica, pelo menos.

– Não há depois supervisão da atividade destes mediadores?

A.M. – Temos. Quando vêm cá participar nas nossas ações, atribuímos-lhes uma pontuação. Todos os anos, estando inscritos no nosso painel de mediadores, têm de atingir um determinado nível de pontos. De cada vez que participam numa ação de formação, não necessariamente organizada por nós – podem ir a Hong Kong participar numa palestra, por exemplo –, isso é contabilizado para efeitos de formação contínua. Obrigamos os nossos mediadores a manterem os seus conhecimentos atualizados.

– Mas, por exemplo, se alguém recorrer aos serviços de mediação e ficar insatisfeito com o serviço que foi prestado, tem a quem recorrer para se queixar?

A.M. – Podem vir ao nosso centro. Daí, a diferença que existe entre mediação ou arbitragem institucional e a arbitragem ad hoc. Quando há um serviço que é prestado por uma instituição, há sempre possibilidade de, quando alguma coisa corre mal, ser apresentada opinião ou queixa pelas partes. 

– Os estatutos preveem eventuais sanções?

A.M. – Neste momento, não. Mas temos o princípio da ética profissional. Temos um regulamento segundo o qual as pessoas devem cumprir as normas que vêm referidas no estatuto relativamente à ética da profissão. 

– Quando diz que deve ser regulamentada a atividade dos mediadores, o objetivo seria também o de reformular esta situação?

A.M. – Este regulamento só se aplica a nós. Nada obriga a que outras instituições de formação tenham o mesmo regulamento que nós. Daí, que ache importante o Governo regulamentar isso e determinar que todas as instituições de formação tenham o mesmo nível. Caso contrário, se cada instituto tiver os seus parâmetros pode haver uma discrepância enorme. A legislação portuguesa, por exemplo, diz isso tudo. É muito abrangente e muito bem feita, e poderá servir como um ponto de partida.

– Do ponto de vista da supervisão, a Administração de Macau tem o ónus de acreditar grande parte das profissões, com exceção para a situação dos advogados. No caso do mediadores, como deveria ser feita essa supervisão?

A.M. – Por acaso não pensei muito nesse aspecto. O que é importante nesta fase é avançar com a regulamentação desta atividade – não só dos mediadores, mas também das instituições de formação. Que curso devem ter? Qual o teor do curso? Qual deve ser a duração do curso? Quais são os requisitos para os instrutores? Tudo isso é importante.

– Além, da regulamentação profissional e da revisão da lei, que outros desafios é que identifica?

A.M. – O desafio é saber como é que convencemos as pessoas a mudar de ideias e a aceitar coisas novas. A arbitragem e a mediação são processos algo novos – pelo menos, em Macau. As pessoas ainda não estão habituadas a este tipo de processos de resolução de conflitos. Sabemos que qualquer mudança gera desconfiança e desconforto, existe resistência psicológica. A promoção da arbitragem e da mediação não deve caber somente aos centros de arbitragem. Deve haver um esforço concertado de todas as partes envolvidas – nomeadamente, do Governo. 

– Em que sentido?

A.M. – Deve desempenhar um papel mais ativo. Há um provérbio chinês que diz que com uma só mão não se consegue bater palmas. Depender só dos centros de arbitragem é difícil. Do Governo, por exemplo, nos contratos que a Administração tem com o sector privado, de aquisição de serviços e bens, pode considerar a possibilidade de incluir uma cláusula de arbitragem ou de mediação. Sabemos que o exemplo vem de cima. Se o Governo der o primeiro passo, outros irão atrás. 

– Este é um serviço. Para encontrar o seu mercado, precisa também que quem o vende invista uma bocado na promoção?

A.M. – Sim. É o que estamos a fazer.

– Pergunto-lhe isto porque a atividade parece um pouco invisível.

A.M. – Há dois anos fizemos campanhas promocionais nos autocarros. Pusemos um cartaz enorme a circular. Também comprámos tempos publicitários no canal de rádio em chinês durante os períodos de maior audiência. As pessoas realmente dizem que não notam. Mas fizemos. Isto tem também muito que ver com o orçamento que nós temos, uma vez que as campanhas promocionais implicam elevados montantes. Este ano vamos voltar a fazer anúncios na rádio, e continuamos a organizar palestras em colaboração com as principais associações de Macau, envolvendo hotéis, agências de viagem. A comunidade empresarial já tem um melhor conhecimento do que é a arbitragem e a mediação. No ano passado, também participámos na Feira Internacional de Macau e um dos objetivos foi projetar a nossa imagem, uma vez que há uma participação bastante dos países de língua portuguesa.  

– A entrada em vigor do novo regime do erro médico, com recurso a mediação, é uma experiência na resolução alternativa de conflitos. Há também a experiência nos conflitos resolvidos através do Conselho dos Consumidores. Estas experiências vão contribuir para que haja um maior conhecimento destes processos?

A.M. – De certeza que sim. Recebemos com agrado esta notícia, de os serviços competentes terem criado um centro de mediação dos litígios médicas. Provavelmente, é uma prova da importância atribuída pela RAEM às vantagens e eficácia deste sistema. Tudo o que seja promover a mediação é importante.  A mediação é um processo extremamente flexível. O centro está a apostar na mediação porque vê nela bastantes vantagens. Desde logo, contribui para uma sociedade mais harmoniosa, sem que se leve tudo para tribunal. É um processo vocacionado para situações em que as partes estão interessadas em manter as relações – comerciais, de vizinhança, ou familiares. Uma decisão judicial ou uma decisão arbitral nunca conseguem satisfazer ambas as partes. A mediação é um caso de win-win. Muitas das vezes os conflitos são originados por falhas de comunicação. O papel do mediador é o de promover a comunicação entre as partes. Haver um terceiro a dizer aquilo que pensa é mais fácil de aceitar. 

– Em relação à exploração da arbitragem nas ligações entre a China e os países de língua portuguesa, é viável pensar em Macau como um centro internacional de arbitragem?

A.M. – Todos os mercados têm as suas oportunidades comerciais. O mercado dos países de língua portuguesa tem grande potencialidades, atendendo à intensificação, nos últimos anos, das trocas comerciais com a China. Neste aspecto, Macau oferece vantagens adicionais. No nosso centro temos árbitros bilingues. Além disso, as pessoas de Macau são conhecedoras da realidade e dos hábitos da China e dos países de língua portuguesa. Há valor acrescentado em Macau, que como centro de arbitragem oferece um mecanismo eficiente para resolver litígios. 

– Havendo competências, o que não haverá é uma abordagem a esses mercados? As empresas desses países sabem disso?

A.M. – Mas quem deverá promover isso? Exige um trabalho enorme. Se queremos projetar Macau como plataforma de comércio deve haver serviços de apoio.

Maria Caetano

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