Carrie Lam promete sarar divisões

por Arsenio Reis

A ex-número dois do Executivo vizinho venceu a primeira volta das eleições de Hong Kong, tornando-se Chefe do Executivo da região. Cabe-lhe agora reparar as relações com os democratas, que não se encontram de boa saúde, dizem os analistas. Ainda assim, nas próximas eleições, em 2022, terá de se voltar a falar em reforma política. 

A nova Chefe do Executivo da região vizinha é Carrie Lam, depois de vencer na primeira volta as eleições, com 777 votos do colégio eleitoral de 1,194 membros. A governante “prometeu unir a sociedade”, não indicando datas para iniciar um novo processo de reforma política.

“Hong Kong, a nossa casa, está a sofrer uma grave divisão e acumulou muitas frustrações. A minha prioridade vai ser sarar a divisão e aliviar a frustração, e unir a nossa sociedade para seguir em frente”, disse Carrie Lam após a vitória.

“Muita gente (…) disse-me que estava agora preocupada porque Hong Kong parece estar a perder a competitividade”, disse a ex-secretária da Administração do atual Governo, apontando também que a região tem “muitos problemas” de habitação, educação e saúde.

“A minha prioridade é tentar demonstrar que podemos unir as pessoas com posições diferentes para seguir em frente e, com o ambiente propício, recomeçar o processo de reforma política”, afirmou sem se comprometer com datas. “O que não vos posso prometer agora é uma velocidade, ritmo e calendário porque não estão totalmente sob o meu controlo”.

Para o comentador político Sonny Lo, a nova Chefe do Executivo da região vizinha “terá agora de reparar a relação com os democratas”. Dito isto, Sonny Lo acrescenta que a “reforma política não será discutida a curto prazo”, mas que, quando 2022 se aproximar — data da eleição do próximo Chefe do Executivo — “o Governo terá de voltar a discutir este assunto com a comunidade”. Na opinião do comentador político, “mais cedo ou mais tarde, a comunidade tem expetativas de mudanças [no sistema político]”.

Esse diálogo com os democratas deverá assumir uma de três opções. Uma possibilidade é permitir que os candidatos a Chefe do Executivo obtenham um certo número de assinaturas dos cidadãos, para serem nomeados pelos membros da colégio eleitoral, em 2022. Outra opção seria “melhorar a comunicação [dos democratas] com o ramo legislativo e executivo”, nomeando, por exemplo, “secretários e assistentes políticos”, que teriam a missão de comunicar regularmente com deputados de diferentes espectros políticos. Uma terceira opção passa por o novo Chefe do Executivo nomear alguns democratas moderados para o Conselho Executivo.

Para que a reforma política aconteça, ainda faltam alguns passos preliminares. “Há que ter um sinal do Governo central para seguir em frente; tem de se esperar até estar mais perto de 2022, e depois as eleições dependem da melhoria do relacionamento entre o Chefe do Executivo e os democratas”, diz. “Caso contrário, será difícil que aconteça”, realça.

No que toca às linhas de atuação da nova Chefe do Executivo, Sonny Lo afirma que deverá “concentrar-se na construção de mais casas para os cidadãos comuns, abordando as questões da subsistência”, dadas as dificuldades atuais da população em pagar rendas ou comprar casa, encurtando, assim, as diferenças entre os mais pobres e os mais ricos de Hong Kong.

As contradições

Carrie Lam é a primeira mulher a tornar-se Chefe do Executivo de Hong Kong, tendo sido eleita num processo sem sufrágio universal ou candidatos independentes. 

Três candidatos disputaram a eleição. O ex-secretário para as Finanças John Tsang, de 65 anos, e o juiz jubilado Woo Kwok-hing, de 71, alcançaram 365 e 21 votos, respetivamente. O resultado das eleições não foi bem acolhido pelos democratas, mas Sonny Lo acredita que os resultados são fruto da rejeição da proposta de reforma política iniciada pelo Governo de Hong Kong e apoiada por Pequim, em 2015. Se tivesse sido aceite, teria provavelmente havido uma campanha mais competitiva entre os três candidatos, entende.

Em 2015, o campo pró-democrata chumbou a proposta de reforma política para a eleição do Chefe do Executivo de Hong Kong, por discordar de Pequim, que aceitava o sufrágio universal desde que os candidatos ao cargo fossem pré-selecionados. Recorde-se que em 2014 o descontentamento com o sistema eleitoral levou à chamada revolução dos guarda-chuvas, na qual milhares de pessoas ocuparam as ruas de Hong Kong para exigir eleições livres e candidatos não escolhidos por Pequim.

Larry So afirma que a vitória de Carrie Lam acabou por pôr em evidência uma contradição grande entre a comunidade e o Governo central. Na verdade, o candidato “mais popular” seria John Tsang, mas Carrie Lam venceu. “Hong Kong tem uma Chefe do Executivo que não é apoiada pela opinião pública, mas que conseguiu os votos; é contraditório”, realçou. Assim, a nova Chefe do Executivo terá “um trabalho difícil pela frente”, dado “o fosso entre o Governo Central e muitas pessoas em Hong Kong”.

Ainda assim, o comentador político refere que a nova Chefe do Executivo deverá ter capacidade para atuar “nos assuntos ligados à subsistência, da educação à habitação”, mas deverá arranjar forma de reparar a coordenação com os democratas. “Vai precisar de fazer compromissos”, realça.

O Gabinete para os Assuntos de Hong Kong e Macau do Conselho de Estado considerou a eleição de Carrie Lam como Chefe do Executivo de Hong Kong um processo “justo”, e referiu que a nova governante cumpre os padrões estabelecidos. “Lam cumpre as normas estabelecidas pelo Governo central para o Chefe do Executivo, incluindo amar o país e Hong Kong, tem a nossa confiança, capacidade própria para governar e receber o apoio do povo de Hong Kong”, disse um porta-voz, citado pela agência Xinhua.

“A eleição, estritamente de acordo com a Lei Básica de Hong Kong, as decisões da Assembleia Popular Nacional e as leis eleitorais da região administrativa especial cumpriram os princípios da transparência, equidade e justiça”, acrescentou o órgão.

Para Sonny Lo, há meses que já se sabe do apoio de Pequim a Carrie Lam. “Quando surgiram as notícias de que uma sucursal do Museu do Palácio de Pequim seria construída em Hong Kong, já era uma mensagem forte de que Carrie Lam seria provavelmente apoiada pelo Governo Central”, diz. “Não é surpreendente — isso tem de suceder para se manter a estabilidade em Hong Kong. E com o 19º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês a ter lugar este ano, Pequim quer que as eleições corram sem sobressaltos”, acrescenta. 

Luciana Leitão

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