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Condenação dos “15+2” foi há um ano, mas não calou ativistas

Condenados há precisamente um ano pelo tribunal de Luanda enquanto suposta organização criminosa, os ativistas angolanos do grupo que ficou conhecido como “15+2” recuperam após meses na prisão, assumindo que a sua luta pelo país nunca esteve tão viva.

“A prisão foi uma experiência enriquecedora para quem sabe estar num processo de libertação de um regime comprovadamente opressivo”, começa por recordar o rapper luso-angolano Luaty Beirão, de 34 anos e um dos 17 condenados a penas efetivas de cadeia a 28 de março de 2016. No mesmo dia começou a cumprir a pena de cinco anos e meio de cadeia, interrompida, tal como os restantes colegas, após decisão favorável do Tribunal Supremo ao recurso interposto pela defesa.

“Saí de lá mais maduro e mais apto para levar a cabo um trabalho desta natureza”, assume Luaty Beirão, um dos mais críticos do regime angolano entre o grupo de 17 condenados, dos quais 15 chegaram a cumprir prisão preventiva entre junho e dezembro de 2016.

“Antes do processo ajudava a tia nas vendas. Por causa das agressões e das manifestações tive que parar, porque tive de sair de casa, porque os meus familiares ficaram com medo do que ia acontecer depois disso”, recorda por seu turno Laurinda Gouveia, uma das duas mulheres deste grupo, de 28 anos.

Garante que “valeu a pena”, até porque conheceu outras mulheres na cadeia e uma nova visão daquela realidade para reforçar um ativismo que, conta, não esmoreceu depois da prisão. “Continuo a fazer o meu ativismo, sempre que há manifestação, palestras, participo”, diz esta trabalhadora-estudante.

No último ano assume que o processo, além do trabalho, que perdeu, levou ao afastamento dos mais próximos: “A família continua afastada de mim, sempre com medo que poderá acontecer algo pior com eles e também comigo. Como forma de me reprimir ou de deixar de fazer o que faço, então eles mantêm a distância”, desabafa, enquanto explica o adiamento do desejo de ser mãe.

“Primeiro é o país, porque vou pôr alguém no mundo que poderá sofrer o mesmo que eu sofri. Então para mim ainda não é a altura de ter”, atira Laurinda.

Afonso ‘Mbanza Hanza’, de 32 anos, era professor, até ser detido, juntamente com os restantes colegas, que se reuniam em Luanda para discutir política e alternativas para o país, todos fortemente críticos da governação de quase 38 anos de José Eduardo dos Santos.

Foi despedido, ficou sem salário do Estado, mas conseguiu entretanto ser readmitido para dar aulas pelo governo da província de Luanda.

“Mas acho que – e parece-me que foi mais vantajoso do que propriamente desvantajoso – eles acabaram acidentalmente tornando-nos figuras, tornaram-nos importantes. Nós saímos muito mais a ganhar do que a perder. O regime saiu altamente desgastado”, conta, admitindo impactos ao nível familiar e “realizações pessoais”. “Faz parte do processo de luta”, afirma, convicto.

O professor primário prefere ver a saída de José Eduardo dos Santos após as eleições de agosto próximo como um sinal para manter o ativismo: “O ativismo continua e tem que continuar porque as mudanças que nós queremos que se materializem nesse país ainda não começaram a acontecer. Está aí um grande sinal, pelo menos agora não vamos dizer mais ‘32 é muito’ [mote dos protestos em 2011 contra o regime angolano], conseguimos derrotar o ditador”.

A detenção destes jovens – sobretudo estudantes, professores e outros licenciados -, os meses de prisão preventiva, a condenação por atos preparatórios para uma rebelião e associação criminosa a penas entre os dois e os oito anos e meio de prisão, colocaram a defesa dos direitos humanos em Angola sob holofotes internacionais.

Por isso mesmo, Luaty Beirão, no ativismo desde 2011 e que neste processo chegou a fazer uma greve de fome de 36 dias, na prisão, garante que hoje sente “menos pressões do que antes” e ainda em fevereiro não se coibiu de voltar a integrar um protesto pacífico de rua, em Luanda, tendo recebido tratamento médico ao ser mordido por cães da polícia, que travaram a manifestação antigovernamental.

Sem ilusões, o músico admite que as eleições de agosto, com a saída de José Eduardo dos Santos, façam mudar alguma coisa no país. “Alguma coisa forçosamente irá mudar. Depois de 38 anos, o cadeirão máximo será ocupado por uma pessoa nova, a profundidade da mudança é que ainda está difícil de descortinar, mas não me parece que irá muito para lá de mera cosmética”.

Formado em engenharia, Luaty ainda vive da música, mesmo que já depois de colocado em liberdade tenha visto concertos em Luanda barrados pelas autoridades, e de traduções.

“Faço muito menos traduções agora. O tempo está praticamente consumido na totalidade pelo ativismo”, conta, admitido viver “dificuldades apenas conjunturais”. “As mesmas que a maior parte dos angolanos, num grau muito, muito inferior”, sublinha.

Sobre o dia 28 de março de 2016, data da condenação em tribunal, um ano depois ainda se refere, tal como acontecia no início do julgamento, ao “dia em que o expectável aconteceu”.

“Foi o último ato da palhaçada, a condenação ridícula e vergonhosa para todo o sistema de justiça angolano. Nós já sabíamos dessa sentença no dia em que fomos formalmente acusados daqueles crimes risíveis”, recorda.

Condenados, libertados três meses depois por decisão do tribunal, os 17 jovens ativistas foram abrangidos pela amnistia aprovada no mês seguinte, pelo parlamento, para todos os crimes, excetuando os de sangue.

O que mudou?

“Um ano depois muita coisa mudou. Só tenho vantagens, daí que eu não me arrependo de nada o que aconteceu. Ganhei respeito na sociedade e é aquilo que serve de indemnização”, explicou, por seu turno, Hitler” Tshikonde, estudante universitário de 27 anos e um dos condenados no processo dos “15+2”.

Assume-se ainda como ativista ‘profissional’, mas admite dificuldades para conseguir um emprego, depois da condenação. “Fica difícil ter emprego depois de ter o cadastro totalmente borrado pelo regime e vivo dependendo dos meus tios. Bem posso até levar documentos a uma instituição, mas não sou aceite”, conta.

Aos 32 anos, José Gomes Hata explica que conseguiu manter o cargo de professor do ensino primário apesar da condenação, processo que lhe deu “notoriedade”, mas também “discriminação de amigos e família”.

“Mas o que mudou foi a visão que as pessoas têm sobre nós, porque a sociedade já olha com um pouquinho mais de seriedade. Sinto descriminação, mas também do outro lado há pessoas que querem estar mais próximas, no trabalho há pessoas que têm dificuldades de se aproximar”, confessa.

Garante, ainda assim, que o ativismo é para continuar, um ano depois de ter ouvido a sentença do tribunal: “Sempre fiz aquilo que achei correto, sou professor, sou rapper e ando dentro dos princípios e não vejo motivos que me levam abandonar”, apontou.

Mais de meio ano depois, estes ativistas continuam a recusar a amnistia concedida em agosto, por esta não permitir levar o processo – e os recursos da condenação em tribunal -, até ao fim.

 “É frustrante que ainda não tenhamos avançado substancialmente com o processo de recusa. Somos 16 a querer recusar a amnistia. Mas há qualquer coisa que não me cai bem com a expressão ‘provar a inocência’, uma certa inversão da lógica pois, na verdade, somos inocentes até que fique provado o contrário”, afirma Luaty Beirão.

“O nosso argumento legal é justamente que não tendo o nosso caso transitado em julgado, gozávamos de presunção de inocência e um inocente não pode de forma alguma ser amnistiado”, defende o rapper e um dos rostos deste grupo.

Sedrick de Carvalho esteve também a cumprir pena até ser amnistiado, tendo entretanto regressado ao jornalismo. “É inevitável vivermos dificuldades financeiras. Se já é muito difícil para quem não foi preso, para nós então que recentemente passamos por este processo era inevitável”, disse. Afirma não se sentir incomodado pela discriminação que diz sentir da família e amigos: “O facto de sermos permanentemente perseguidos já é uma pressão”, realça.

Lembra-se ter dito em tribunal, durante o julgamento, que “não era ativista”, mas que hoje assume sem rodeios. “Hoje em dia começo a perceber que sim. Estou envolvido em ações cívicas, sou um ativista”, rematou o jovem jornalista angolano.

Paulo Julião-Exclusivo Lusa/Plataforma

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