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Igrejas nascem todos os dias

Pouco mais de 80 igrejas são reconhecidas pelo Estado angolano, mas dezenas permanecem ilegais e outras tantas nascem todos os dias em Luanda, em espaços improvisados em lojas e quintas, prometendo curas semanais, até para a sida. 

Numa ronda feita pelo bairro do Palanca, um dos mais movimentados nos arredores de Luanda, a agência Lusa constatou a maior proliferação de igrejas e cultos evangélicos, a maior parte não reconhecidas pelas autoridades, mas que se multiplicam, com mensagens, crenças e promessas para todos.

“A nossa doutrina é crer no Senhor, como rei e salvador, e batizamos em nome de Jesus. Milagres não dependem de nós, mas sim do Senhor, mas se alguém vier com o seu problema e disser: ‘o Senhor liberta’ aparece cura, até para as pessoas portadoras de VIH-sida e as doenças saram”, diz à Lusa a responsável do grupo de mulheres da autodenominada Igreja Assembleia de Deus Torre de Rebanho.

Joana Filipe, de 63 anos, diz ser a proprietária do quintal onde foi edificada esta pequena igreja. O barulho ensurdecedor dos batuques, a construção rudimentar e a pouca adesão de crentes não inibe os seus dirigentes a promover o culto.

 “Os problemas aqui na assembleia são curados graças às orações que a igreja e os nossos líderes fazem”, assume, por seu turno, Dinis Samuel Sala, um dos 60 membros efetivos da igreja.

O Governo angolano estimou em 2015 que cerca de 1,200 seitas funcionavam ilegalmente no país, tendo avançado com o seu encerramento compulsivo. Dezenas destas juntaram-se em plataformas comuns e congregações, para garantir o reconhecimento e evitarem o fecho.

Noutro ponto da Palanca, a Lusa encontrou o ‘pastor’ Josué Leão, que reservou parte do seu quintal para construir o seu culto religioso, que denominou de Igreja Ministério Avivamento Pentecostal em Angola.

“Nós acreditamos na manifestação do Espírito Santo, nós acreditamos na cura, nos milagres e principalmente nos ensinamentos”, apontou este ‘pastor’, garantindo que já é seguido por mais de 300 fiéis em Luanda.

Em Angola, segundo o Instituto Nacional para os Assuntos Religiosos, apenas 81 denominações religiosas estão reconhecidas pelas autoridades, sendo que as restantes funcionam congregadas em plataformas religiosas, numa altura em que decorre o processo de organização e mapeamento das mesmas para posterior legalização.

O Exército de Restauração de Cristo é uma dessas igrejas congregadas em plataformas, que permitiram o reconhecimento conjunto. Desenvolvem as suas atividades num espaço alugado onde mensalmente pagam 15 mil kwanzas (91 dólares), recorrendo à contribuição dos fiéis.

“O dinheiro vem da contribuição [dos fiéis], para suportar os gastos”, diz à Lusa Diamantino Nkosi, tradutor desta igreja, sendo que grande parte dos cultos são ministrados em lingala, língua bantu falada pela maioria da população ali residente, oriunda da República Democrática do Congo.

Foi nesta igreja que Miraldina Dionísia Adelino, angolana, afirma ter encontrado a cura: “Quando entrei nessa igreja estava concebida [grávida], tinha problemas com o pai da minha filha e não achava paz, mas tão logo entrei na igreja, conversei com o pastor, ele orou para mim, deu a paz e hoje estou calma”, explica, convencida da importância e efeitos do culto.

Ainda noutra zona do bairro do Palanca, a Lusa encontrou a Igreja Capela Esperança Bendita, uma “esperança” que, segundo o seu pastor, Mambo Makiesse, passa “pela crença do regresso de Jesus Cristo na terra”. Enquanto decorria o culto de domingo, o pastor conta que naquele espaço alugado pela igreja acontecem curas e milagres uma vez por semana.

“Cura e milagres têm lugar todas as quintas-feiras ao fim do dia. A igreja tem mais de 80 membros efetivos. Este espaço é de aluguer, é por isso que estamos a rezar a Deus para a igreja fazer um milagre de forma a conseguirmos o espaço”, atira.

“Os dízimos ou ofertas dos fiéis são valores que estamos a juntar para adquirir um terreno e construir uma igreja definitiva”, assinala, preferindo assim não esperar pela concretização do anunciado milagre da nova sede da igreja.

O maior problema vivido entre as autoridades angolanas e as seitas e confissões religiosas ilegais aconteceu em 2015, com a igreja “A luz do mundo”, liderada pelo pastor Julino Kalupeteka e conhecida por advogar o fim do mundo naquele ano.

Fiéis e polícias envolveram-se em confrontos, no Huambo, em abril de 2015. Segundo a versão oficial, contestada pela oposição angolana, estes confrontos terminaram com a morte de nove polícias e 13 fiéis. Já em 2016, dez elementos desta seita, incluindo o seu líder, foram condenadas pelo Tribunal do Huambo a penas que totalizam quase 250 anos de cadeia.

Em dezembro de 2015, o Governo angolano aprovou uma nova lei sobre a Liberdade de Religião, Crença e Culto que, entre outras exigências, obrigará as confissões religiosas a uma subscrição mínima por 60 mil fiéis e proibindo-as de cobrar por “bênçãos divinas”.

Na altura, o secretário de Estado da Cultura, Cornélio Calei, salientou que a nova lei será o “primeiro instrumento sério que vai levar a sociedade à harmonia” em matéria religiosa, sendo “uma linha de conduta do cidadão”.

Criticando os “apartamentos transformados em igrejas”, aludindo à proliferação em Angola de cultos e seitas não reconhecidas pelo Estado, o governante defendeu ser “fundamental” que qualquer Igreja estabelecida no país esteja “de acordo com a Constituição”.

Desconhece-se ainda o texto final da nova lei, que ainda terá de passar pelo parlamento, mas o documento que foi para consulta pública, noticiado pela Lusa a 11 de maio de 2015, surgiu precisamente poucas semanas depois dos confrontos no Huambo entre a polícia e fiéis da seita “Kalupeteka”.

A proposta de lei divulgada na altura recordava que o Estado angolano é laico, mas que “reconhece e respeita as diferentes confissões religiosas”, as quais “são livres de exercer as suas atividades, nos termos e limites da lei”.

Contudo, refere também a “necessidade de harmonizar o regime jurídico” sobre a liberdade de religião e crença “com as convenções e tratados internacionais”, porque a atual legislação sobre a matéria “já não se ajusta” à Constituição e “à realidade social e cultural do país”.

A nova legislação define, no seu artigo 26, que nenhuma confissão religiosa poderá cobrar “bens, serviços ou valores pecuniários a troco de promessas e bênçãos divinas”, estando igualmente proibidas do “exercício de quaisquer atividades comerciais”. 

Paulo Julião e Domingos António Silva-Exclusivo Lusa/Plataforma

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