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Pobreza rural

Através do turismo rural ou projetos comunitários, o interior chinês tenta combater o abandono e pobreza que levaram centenas de milhões a migrar para as cidades do litoral, gerando dramas sociais de consequências imprevisíveis.

Na aldeia de Huangling, turistas vindos de toda a China dormem em casas rústicas, compram nas lojas o chá e artesanato local e, nos restaurantes, comem e bebem o que a terra por ali dá.

No outono, os aldeões secam pimenta, espigas de milho e crisântemos, junto às janelas de habitações antigas, em arquitetura tradicional da minoria étnica chinesa Hui, enchendo as ruas de aroma e cor.

Em volta, cadeias montanhosas e terraços sobrepostos, onde se cultivam flores, completam o cenário pitoresco, que só no ano passado atraiu mais de 700 mil visitantes.

Mas não foi sempre assim. Em 2009, da aldeia de Huangling, cuja construção data da Dinastia Ming (1368-1644), restavam apenas ruínas.

“Era um sítio muito pobre”, conta à agência Lusa um aldeão. “Muitas pessoas partiam para trabalhar nas cidades. Poucas ficaram”.

Situada na província de Jiangxi, sudoeste da China, aquela aldeia sofria da pobreza e isolamento comuns a grande parte do interior do país, em discrepância com as prósperas cidades do litoral.

Segundo o Gabinete Nacional de Estatísticas chinês, o rendimento anual per capita nas zonas rurais fixou-se, em 2015, em 11.422 yuan – menos do que muitos países africanos e quase dez vezes inferior ao rendimento médio nas cidades mais ricas do país.

Milhares de crianças sozinhas

“Para quem vive em Pequim e Xangai, é muito difícil imaginar o outro lado da China, especialmente a região oeste”, comenta Ching Tien, fundadora de uma instituição de caridade que financia os estudos de jovens mulheres do interior chinês.

Como resultado, a nação mais populosa do mundo, com cerca de 1.375 milhões de habitantes, sofreu nas últimas décadas um êxodo rural a um ritmo ímpar na História da humanidade.

A percentagem da população urbana chinesa subiu de 10,6% em 1949 – ano de fundação da China comunista – para mais de 51% em 2015.

Pelas previsões oficiais, mais 250 milhões de chineses deverão radicar-se nas cidades, até ao final da próxima década.

Este fluxo, que permite sustentar o rápido processo de urbanização e industrialização da China, gerou problemas sociais.

Pelas contas de Pequim, existem mais de nove milhões de “crianças deixadas para trás” no interior do país, filhos do vasto exército de trabalhadores migrados nas cidades.

Quase 90%, 8,05 milhões, vive com os avós, 3% com outros familiares e 4% – quase 400.000 crianças – cresce ao abandono.

Estimativas independentes, citadas pela imprensa estatal, colocam o número de “crianças deixadas para trás” em 61 milhões – quase sete vezes acima da cifra oficial.

Em muitos casos, os pais só visitam os filhos uma vez por ano, como Yang Jie, trabalhadora migrada em Pequim.

Mãe de três crianças, esta chinesa de 40 anos ganha a vida a fazer ‘jianbing’, um tradicional crepe chinês, nas ruas da capital.

Visita os filhos “durante as férias de verão” apenas. No momento do reencontro, as crianças “estranham-na”, mas “é por pouco tempo”.

“O elo entre pais e filhos é resistente”, diz Yang.

Em conversa com a agência Lusa, lamenta a distância dos filhos, que ficam com os avós numa aldeia da província de Henan, a cerca de 700 quilómetros da capital.

“Claro que tenho saudades, mas tem de ser assim. Na aldeia, não há como ganhar dinheiro”, conta.

Turismo contra a pobreza

Pequim quer contrariar esta tendência e já estabeleceu como meta erradicar a pobreza extrema até 2020, através do desenvolvimento das zonas rurais.

Em Huangling, novos acessos, incluindo um teleférico – a única forma de chegar à aldeia, que se situa no topo de uma montanha -, e redes fiáveis de distribuição elétrica e telecomunicações criaram condições para o investimento privado.

Os camponeses, que outrora viviam da agricultura de subsistência, “sem receber qualquer vencimento”, ganham hoje em média 30.000 yuan por ano, empregados em negócios locais, explicou à Lusa Wu Xiangyang, o principal investidor em Huangling.

“A própria reconstrução da aldeia foi feita por técnicos e trabalhadores daqui”, explica. “É uma forma de assegurar que mantemos as características originais”.

Hoje, “arquitetos e ‘designers’ vêm a Huangling para aprender a trabalhar os materiais e as técnicas locais”, conta Wu, que nasceu na aldeia e também já foi trabalhador migrante, “mas sempre soube do potencial turístico da região”.

O turismo rural tem, aliás, servido para reabilitar várias outras aldeias da China, sobretudo nas províncias de Yunnan e Guangxi, no sudoeste do país, mas existem projetos alternativos.

Wangping, uma vila a duas horas de carro de Pequim, por exemplo, adotou um sistema de reciclagem que garante aos seus habitantes vários bens de primeira necessidade.

“Entre 85% e 95% do lixo produzido pela aldeia é reutilizado”, assegura à Lusa Feng Jianguo, responsável pelo projeto e investigador no Centro de Pesquisa da Economia Rural do Município de Pequim.

Durante um ano, os quase 9.000 aldeões de Wangping receberam formação, divididos em grupos de “entre três a cinco pessoas”, visando participar no sistema de reciclagem elaborado por Feng.

O governo local “poupa assim no transporte de lixo, reduz o espaço utilizado para aterros e a emissão de gases poluentes”, acrescenta Feng.

O dinheiro que seria destinado a processar lixo é antes utilizado para abastecer mensalmente os residentes com bens de primeira necessidade como detergente em pó, papel higiénico, óleo de soja, vinagre ou sal.

“Diz-se que os camponeses são atrasados, mas é só uma questão de saber como os mobilizar”, explica Feng Jianguo.

A rápida urbanização e o aumento dos índices de consumo na China não terão sido acompanhados pelo desenvolvimento de sistemas de processamento de lixo.

Só o município de Xangai, a capital económica da China, cujo número de residentes supera os 24 milhões, produziu, em 2015, quase 90 milhões de toneladas de resíduos de construção, segundo dados oficiais.

No mesmo período, Xangai gerou, em média, 20.000 toneladas de lixo doméstico por dia.

Há um ano, a excessiva acumulação ilegal de resíduos de construção em montes com 100 metros de altura resultou num deslizamento de terras num parque industrial em Shenzhen, o centro da indústria tecnológica da China, situado na província de Guangdong.

O acidente resultou na morte de 70 pessoas e enterrou 33 edifícios. O Governo de Shenzhen admitiu, na altura, as dificuldades em processar os 30 milhões de metros cúbicos de entulho que a cidade gera anualmente.

Em Wangping, as ruas estão limpas e até as crianças já aprenderam a reciclar. O lema da vila é: “O que cada um recicla, a comunidade utiliza”.

João Pimenta-Exclusivo Lusa/Plataforma

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