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Crise com vaga de refugiados

A Guiné-Bissau tem sido um dos destinos dos refugiados da Gâmbia devido à crise política que em dezembro estalou no país. As autoridades guineenses já registaram cerca de 4.300 entradas, 3.000 das quais em apenas três dias, entre 15 e 18 de janeiro, num dos picos do movimento. Prevê-se que o número ainda possa aumentar, apesar de o Presidente cessante já ter anunciado que vai ceder o poder e respeitar o resultado das eleições.

O Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) estima que desde o início da crise, em dezembro, 45 mil refugiados (a maioria deles) tenham fugido para o Senegal, país que envolve a Gâmbia por todos os lados, excetuando cerca de 70 quilómetros de costa atlântica. Mas a Guiné-Bissau está perto: fica 100 quilómetros a sul e são regulares os transportes rodoviários que atravessam o pedaço de Senegal que separa os dois países. Além da fácil acessibilidade, há uma proximidade entre muitos gambianos e guineenses graças a ligações familiares e de amizade, por vezes com raízes étnicas comuns. Cerca de 4.300 gambianos já encontraram acolhimento na casa de guineenses desde dezembro, de acordo com dados das Nações Unidas. Não há “campos de refugiados”, explica Ayigan Kossi, coordenador humanitário do sistema da ONU em solo guineense. As famílias têm absorvido a fuga.

“Não há pontos de concentração, estão todos a distribuir-se por casas de familiares e amigos”, mas há uma sobrecarga destes agregados familiares que agora requerem apoios, nomeadamente ao nível da alimentação, alertou.

O governo da Guiné-Bissau solicitou oficialmente a colaboração dos parceiros internacionais a 19 de janeiro e desde então foi constituída uma comissão técnica que junta todas as instituições e parceiros internacionais para avaliar as necessidades e mobilizar recursos. Tibna Na Uana, secretário-executivo da Comissão Nacional de Refugiados, considera ser urgente “a entrega de alimentos” às famílias de acolhimento, para poderem suportar este fluxo nas próximas semanas, sem que haja necessidade de criar campos de refugiados.

A mesma estratégia é defendida por Ayigan Kossi. “Um agregado familiar guineense pode ter cinco a seis pessoas, mas já visitamos um que agora está a tomar conta de 22 crianças da Gâmbia”, exemplificou o responsável pela ação das Nações Unidas, para ilustrar a necessidade de apoios.

Alimentos para satisfazer casos urgentes como este estão disponíveis nos armazéns de parceiros internacionais em Bissau. É o caso de arroz, que deve começar a ser distribuído de imediato às famílias de acolhimento. O sistema das Nações Unidas prevê que até final de fevereiro a Guiné-Bissau possa receber mais cinco a 10 mil refugiados, “tudo depende de como evoluir a situação”, acrescenta Kossi – mas é esta a estimativa que está em cima da mesa da comissão técnica responsável por mobilizar recursos.

O dirigente da ONU destaca também a falta de tradutores como uma das dificuldades, uma vez que os refugiados falam sobretudo inglês, língua oficial da Gâmbia, mas praticamente desconhecida na Guiné-Bissau. Há igualmente receios sobre eventuais ruturas nos serviços de saúde, já de si insuficientes para a população residente.

A maioria das pessoas em fuga são mulheres, adolescentes e crianças, sobretudo da região de Brikama, a sul de Banjul (capital da Gâmbia). Estes refugiados estão a ser acolhidos por familiares ou amigos sobretudo na região de Bissau, Bafatá, Cacheu e Oio (norte e centro da Guiné-Bissau). Os principais pontos de entrada oficial estão a norte: Djegue, Farim, Cambadjo, Senabaca e Pirada. No entanto há também pessoas a cruzar a fronteira entre o Senegal e a Guiné-Bissau em passagens não controladas, igualmente a norte, em Ingoré, Bigene e Varela.

Além de organizar a assistência alimentar, a comissão técnica multidisciplinar criada no dia 19 de janeiro vai preparar um plano de emergência, coordenando a ajuda de todos os parceiros.

Presidente tentou 

continuar no cargo

Entre as pessoas que fogem da Gâmbia encontram-se senegaleses, ganeses, liberianos, libaneses, guineenses e mauritanos – além de terem sido evacuados vários espaços turísticos, com visitantes de diversas nacionalidades a serem forçados a encurtar as férias. Um contratempo menor quando comparado com a separação e deslocação de famílias. “Mais pessoas poderão abandonar o país se a situação atual não for resolvida de forma pacífica e rapidamente”, assinalou Babar Baloch, porta-voz do ACNUR, na última semana. Mas os sinais apontam para o regresso à normalidade, sem violência.

A crise começou em dezembro, depois de o Presidente Yahya Jammeh ter rejeitado os resultados eleitorais. Primeiro aceitou-os, mas depois voltou atrás. Adama Barrow, Presidente eleito da Gâmbia, venceu as presidenciais, mas Jammeh, no poder há 22 anos, recusou abandonar o cargo e pediu ao Supremo Tribunal a anulação das eleições, alegando irregularidades. A comunidade internacional condenou a atitude e pediu-lhe que abandonasse o lugar. De nada adiantou. Num último fôlego para manter o seu regime, fez com que o parlamento da Gâmbia ainda aprovasse a 17 de janeiro o estado de emergência, autorizando-o a ficar mais três meses no poder. Mas durou pouco.

O mandato de Jammeh expirou na quinta-feira, 19 de janeiro, e com o apoio das Nações Unidas, tropas do Senegal e de outros países da África Ocidental entraram no país, sem resistência, com a intenção de forçar o Presidente cessante a ceder o poder, prevalecendo a democracia. Adama Barrow tomou posse no mesmo dia na embaixada da Gâmbia em Dacar, capital do Senegal. No dia 20 de janeiro, os líderes da Guiné-Conacri e da Mauritânia deslocaram-se à Gâmbia para, num derradeiro esforço diplomático, persuadir Jammeh a dar lugar ao novo Presidente – e a diplomacia acabou por resultar. O Presidente derrotado anunciou no sábado, dia 21 de janeiro, na televisão estatal, que vai ceder o poder.

“Decidi hoje, em consciência, deixar a liderança desta grande nação”, afirmou, manifestando a sua “infinita gratidão” para com o povo. Yahya Jammeh garantiu que a decisão – após semanas de impasse – foi apenas sua, apesar da imensa pressão exercida por parte de líderes regionais. “A minha decisão não foi impulsionada por outra coisa que não o interesse supremo do povo gambiano e do nosso querido país”, sublinhou. “Numa altura em que assistimos a problemas e medos em outras partes de África e do mundo, a paz e a segurança da Gâmbia é a nossa herança coletiva que devemos zelosamente proteger e defender”, realçou.

Yahya Jammeh já tinha perdido os apoios internos. Até o chefe das Forças Armadas gambianas já tinha jurado lealdade ao novo chefe de Estado, declarando que os militares não tinham intenção de entrar em conflitos. Barrow teve que prestar juramento fora do país, mas agora já tem o gabinete livre na capital da Gâmbia. Numa primeira declaração depois de conhecida a saída de Jammeh, o novo Presidente garantiu aos refugiados que podem regressar com total tranquilidade. 

Luís Fonseca-Exclusivo Lusa/Plataforma

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