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Lobby jurista

Chui Sai Cheong, deputado irmão do chefe do Executivo, tem dado voz à necessidade de juntar numa só associação todos os agentes do Direito, do setor público e do privado. Não só para uma reflexão multidisciplinar sobre o Direito da RAEM, mas também para “melhor cooperar com o governo”. Vong Hin Fai, também ele deputado, e mandatário de Chui Sai On, surge como primeiro presidente da direção da Associação de Agentes da Área Jurídica de Macau, cujos corpos sociais tomaram posse esta quarta-feira. Nos bastidores da comunidade jurídica surgem alertas ao lado “étnico” deste movimento, mas também quanto à alegada estratégia  de “combater o poder da Associação de Advogados e de Neto Valente”. Vong Hin Fai afasta qualquer cenário divisionista: “O que estamos a fazer é tentar unir – não dividir – para que haja uma nova plataforma na qual todos os agentes jurídicos, nas mais diversas áreas, possam encontrar-se, trocar ideias e promover intercâmbios”.

– Qual é a importância de criar neste momento esta associação? Será mesmo preciso uma nova estrutura, para além das existentes, para “coordenar” melhor os esforços com o governo no sentido da evolução do sistema jurídico?

V.H.F – Quando à oportunidade desta associação, recordo que a RAEM já retornou à Pátria há mais de 17 anos. Durante todos estes anos; por um lado, o sistema jurídico e o Direito de Macau foram evoluindo; por outro, foram também formados muitos juristas e operadores do Direito, nas suas mais diferentes áreas. Nomeadamente, novos agentes do Direito que são de etnia chinesa, embora também continue a haver a participação dos juristas portugueses.

– Quais são os principais objetivos desta associação e como é que pretendem cumpri-los?

V.H.F – Quanto aos nossos objetivos, que de resto constam dos nossos estatutos, refira-se que no seu artigo terceiro se estabelece que a associação tem por finalidade, em primeiro lugar, a nossa missão é apoiar a implementação da Lei Básica da RAEM. Mas temos sobretudo a missão de unir e apoiar os mais diversos tipos de agentes do Direito, seja qual for a área em que atuam. 

– Quais são as áreas do Direito nas quais estarão mais focados?

V.H.F – Diria que estes agentes do Direito distribuem-se sobretudo por quatro áreas diferentes: primeiro, os investigadores do Direito e os docentes que lecionam do ensino superior; em segundo lugar, os juristas que operam em representação das empresas privadas, nomeadamente empresas, associações e instituições de interesse público, normalmente mais ligados à realidade chinesa; em terceiro lugar temos os advogados e estagiários, aí incluindo os advogados de etnia chinesa, portuguesa, ou lusófona, como é o caso do Dr. Álvaro Rodrigues, que é vice-presidente da direção; por último, os juristas da Administração Pública.

– Há em Macau uma associação tradicionalmente influente, que é a Associação dos Advogados, até porque tem estatuto de utilidade pública, o que lhe garante, em muitas matérias que seja consultada pelo governo. Mas também os magistrados judiciais e do Ministério Público têm a sua representação, como os juristas da Função Pública, através de outras associações. O surgimento desta nova associação quer dizer que nem todos estão a cumprir bem o seu papel? 

V.H.F – Esse não é o nosso objetivo. O nosso objetivo é unir, para que nesta plataforma todos se possam encontrar. O que estamos a fazer é tentar unir – não dividir – para que haja uma nova plataforma na qual todos os agentes jurídicos, nas mais diversas áreas, possam encontrar-se, trocar ideias e promover intercâmbios, aproveitando a nossa experiência profissional. O intercâmbio não será promovido apenas entre os associados, mas também entre esta nova associação e todas as outras associações e institutos que atuem na área do Direito, quer em Macau quer fora de Macau.

– Do ponto de vista externo quais são as jurisdições que mais interesse têm para Macau?

V.H.F – Temos de trabalhar sobretudo a China Continental e as nossas regiões vizinhas, tais como Hong Kong e Taiwan. Mas também com o resto da Ásia e com países asiáticos e os países de língua portuguesa.

– Tem dito a propósito desta nova associação que é preciso refletir no Direito de Macau e na sua evolução, depois do regresso à “Mãe Pátria” e das consequências que isso tem. Quais são as suas principais preocupações nessa contexto?

V.H.F – Como todos sabemos, Macau evoluiu de forma muito acelerada nos últimos anos. Assim sendo, temos muito espaços para preencher em termos normativos. Veja, por exemplo, na área da habitação, nomeadamente no que toca ao regime de condomínio. No nosso Código Civil já está previsto um regime relativamente completo. Contudo, esse regime de propriedade horizontal, pelo menos no que diz respeito ao condomínio, foi criado na véspera do regresso à nossa Pátria. E é fácil perceber que o tipo e o tamanho nos edifícios que hoje existem são muito diferentes daqueles que existiam nessa altura em Macau. Também por isso, como é também sobejamente conhecido, há muitos conflitos entre as administrações desses edifícios, os condóminos e os proprietários das empresas de condomínios. Este é apenas um exemplo de como é necessário aperfeiçoar esse regime legal; desafio que aliás já está colocado na Assembleia Legislativa, com a discussão de uma proposta de lei para alteração regime de condomínio.

– Não será certamente o regime de condomínio a sua primeira preocupação… 

V.H.F – Dei-lhe apenas um exemplo, como há muitos outros que posso referir. Macau precisa de desenvolver e diversificar a sua economia e um dos instrumentos legais que é preciso atualizar é o regime de locação financeira. É verdade que já está de alguma forma previsto no Código Comercial, mas temos de desenvolver o sistema financeiro mais sofisticado para que as instituições bancárias possam desempenhar melhor o seu papel, sobretudo na sua relação com os mercados internacionais.

– Um dos debates recorrentes em Macau é a necessidade, ou não, de alterar os grandes códigos. Por vezes surgem pressões políticas nesse sentido, nomeadamente na Assembleia Legislativa. Mas tem sido opinião do governo, como da Associação dos Advogados, que é melhor não mexer muito, sob pena de se desvirtuar a raiz de um Direito de origem portuguesa, que é um dos pilares identitários da RAEM. Qual é a sua opinião nesta matéria?

V.H.F – Penso que os cinco grandes códigos são relativamente avançados. É sempre importante refletirmos sobre formas de podermos evoluir e, eventualmente, aperfeiçoar esses códigos. Por exemplo, um dos oradores na cerimónia de tomada de posse dos corpos sociais da nossa associação referiu-se à necessidade de constituirmos um regime de processo electrónico. A meu ver esse debate é muito oportuno é preciso desenvolvermos essa área. Mais uma vez, este é apenas um exemplo. Contudo, quanto aos seus princípios fundamentais, penso que os grandes códigos são muito avançados.

– Não vê então necessidade de os rever…

V.H.F – Quanto aos seus princípios fundamentais, não vejo necessidade de serem alterados os cinco grandes códigos.

– Um tema que tem sido muito polémico, sobretudo entre os juristas chineses, é a posição da Associação dos Advogados, que não reconhece cursos de Direito como o da Universidade de Ciência e Tecnologia, por considerar que não ensinam o Direito de Macau. Esta associação vai combater essa visão?

V.H.F – Esse assunto não cabe à nossa associação. Aliás, sobre essas matérias, os tribunais competentes de Macau já se pronunciaram através dos seus acórdãos. Sobre isso não faço mais comentários. 

Paulo Rego 

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