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O preço da paz política

Na mensagem de ano novo, entre elogios à liderança de Xi Jinping e à “nova Longa Marcha” na China, o diretor do Gabinete de Ligação, Wang Zhimin, deixa três recados a Macau: “mais abertura”, no contexto da diversificação económica; ser “bom exemplo” do modelo um país, dois sistemas; promover mais e melhor o “amor à Mãe Pátria”. O chefe do Executivo, Fernando Chui Sai On, apressou-se a responder, assegurando seguir “as orientações de Pequim”, no contexto do “alto grau de autonomia” previsto na Lei Básica. A interpretação varia conforme os quadrantes políticos, mas parece consensual a tese de que, no futuro próximo, o que conta mesmo é a economia e a distribuição de rendimentos. Uns gostam mais, outros menos, mas o “bom aluno” é mesmo submisso e jura amor à China. Mais difícil é combater a inflação e repor o rendimento per capita.

“Macau deixou há muito tempo de ter autonomia política e governativa”, lamenta Pereira Coutinho, explicando que isso é “cada vez mais evidente para quem presta o mínimo de atenção ao que se passa”. Nesse contexto, considera que o discurso patriótico e nacionalista “serve para desviar as atenções da incapacidade do governo em resolver os problemas estruturantes da sociedade”. Coutinho fala da cedência da autonomia como facto consumado e incontornável, preferindo concentrar baterias no combate à desigualdade e na reposição da qualidade vida. Põe aliás a tónica nos “jovens”, que hoje “sabem que não vão conseguir casar e constituir família”, porque “os salários perdem para a inflação” e “o preço das casas é incomportável”.

Vong Hin Fai, deputado nomeado e mandatário eleitoral do chefe do Executivo, transmite uma visão diferente, mais próxima da elite dirigente. Apesar disso, embora de um ponto de vista diferente, elege o mesmo alvo estratégico: a satisfação das populações, do ponto de vista económico, é “essencial para a harmonia e a estabilidade”.

No capítulo da diversificação económica, Vong Hin Fai adota uma posição mais cautelosa, no sentido da “proteção do emprego local”. Ou seja, recusa que “mais abertura” signifique necessariamente uma ceder ao papão da invasão estrangeira. “São sempre contraditórios os interesses entre a importação de massa crítica e as aspirações da população local”, reconhece, defendendo a proteção do emprego local para a estabilidade política e social. Prioridade, essa, que o leva a defender restrições à importação de mão de obra, que deve estar sujeita a uma avaliação prévia do “interesse público”. Mesmo que a massa crítica venha do Continente, presumindo-se ser essa a geografia de preferência subjacente aos recados de Wang Zhimin.

Leonel Alves reconhece que a diversificação económica e as suas implicações na gestão da massa crítica formatam “o grande debate político” da atualidade; até porque, “se fosse fácil, estaria já implementada uma solução”. Considerando normal a semiótica patriótica de Pequim, lembra que Macau “tem sido esse dito bom aluno”, encaixando, “sem problemas”, o amor à Pátria. Mas vê na mensagem do mais alto representante da China em Macau também uma “reação ao momento político e às dificuldades que Pequim enfrenta em Hong Kong” . No caso de Macau, que tem “o seu próprio ritmo político”, Alves aponta duas diretivas essenciais: por um lado, “olhar para a integração regional e perceber que Macau faz parte da China; por outro, “impedir atos políticos de desrespeito pelos grandes desígnios do governo central”.

Leonel Alves, frisando a diferença entre as duas regiões autónomas, entende que o discurso patriótico chinês faz nesta altura mais sentido do outro lado do Rio Das pérolas, mas Coutinho discorda: “Macau é muito pequeno e a China não precisa de nós para enviar recados a Hong Kong”. Tese com a qual alinha Vong Hin Fai: “Hong Kong é diferente e tem os seus próprios problemas. No caso de Macau, cabe-nos concretizar e aperfeiçoar o modelo chinês um país, dois sistemas”.

Na sua mensagem de fim de ano, Chui Sai On reconhece que “o desenvolvimento atual de Macau é inseparável do forte apoio do Governo Central” e que “no futuro, para alcançar um maior desenvolvimento, a construção de Macau continuará a depender do apoio da pátria e do apoio da população”. Na mesma mensagem, o líder do Executivo de Macau lembra que o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, visitou este ano a cidade, onde participou na quinta conferência ministerial do Fórum Macau, que promove as relações económicas e comerciais entre a China e os países de língua portuguesa, a qual teve “grande sucesso”. Li Keqiang “anunciou 18 medidas e políticas de apoio à cooperação económica e comercial entre a China e os países de língua portuguesa e, ainda, 19 políticas de apoio a Macau, demonstrando o total carinho e o forte apoio do Governo Central ao desenvolvimento da RAEM”, prometendo seguir as orientações deixadas pelo primeiro-ministro.

Sobre a economia de Macau, em recessão por causa da queda das receitas dos casinos durante mais de dois anos, entre junho de 2014 e agosto deste ano, Chui sai On refere que entrou em 2016 ainda “numa fase de ajustamento profundo”, mas que, “todavia, graças aos esforços conjuntos de toda a sociedade, a conjuntura geral manteve-se estável, permitindo a concretização do superavit financeiro e o pleno emprego da população”. 

‭ ‬Paulo Rego

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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