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O pior já passou

O ano de 2016 chega ao fim com os casinos de Macau num ciclo de crescimento que deverá manter-se em 2017. Analistas estão convictos de que a retoma vai manter-se em linha com os últimos meses, mas dizem que é preciso ficar de olho em eventuais novas medidas restritivas e ao desempenho da economia chinesa e mesmo aos efeitos que possam surgir da relação entre Pequim e os Estados Unidos, sob a imprevisível presidência de Donald Trump, a partir de janeiro.

A concretizar-se o pior cenário, em 2017 as receitas dos casinos ficar-se-ão pelas estimativas conservadoras do Governo, não indo além dos 200 mil milhões de patacas, um valor já superado este ano, em novembro. Mas esta é uma realidade que a maior parte dos analistas vê como pouco provável, como Ricardo Siu, que prevê um crescimento entre 5% e 8%. “O pior já passou. Depois do verão, as receitas do jogo voltaram para terreno positivo em termos anuais. (…) Penso que a retoma pode continuar por algum tempo”, afirmou o académico da Universidade de Macau.

Entre as maiores ameaças para as receitas dos casinos em 2017, Ricardo Siu aponta os eventuais reflexos do desempenho da economia chinesa, que por sua vez é a principal fonte de clientes para os casinos de Macau. O académico dá como exemplo a flutuação da taxa de câmbio do renminbi ao longo do ano: “Se a desvalorização do renminbi for ocasional, o efeito pode não ser claro, mas se o renminbi continuar a ser pressionado para desvalorizar, então podem surgir daí efeitos negativos a longo prazo na riqueza dos visitantes chineses e do que eles têm para gastar em Macau”.

É aqui que entra também o “efeito Donald Trump”. O diretor do Instituto para o Estudo do Jogo Comercial da Universidade de Macau, Davis Fong, recorda que “a economia chinesa está bastante baseada na relação entre a China e os Estados Unidos” e que “há um risco para o ambiente macroeconómico se houver uma guerra económica” entre as duas maiores economias mundiais.

Além de ter coincidido com a abertura de dois casinos – o Wynn Palace, da Wynn, e o Parisian, da Sands China –, o início da retoma no jogo surgiu também num cenário de maior controlo à atividade dos ‘junkets’, os angariadores de grandes apostadores. “Depois de dois anos de ajustamento, os ‘junkets’ têm mais confiança para fazer negócio, especialmente nos últimos quatro meses”, disse Davis Fong.

Este especialista em jogo estima um crescimento positivo entre 10% e 15% nas receitas dos casinos em 2017. “Penso que nos próximos nove a 12 meses ainda vamos ter o efeito da abertura dos novos casinos”, afirmou o diretor do Instituto para o Estudo do Jogo Comercial.

Maiores investimentos da Ásia

Outro indicador de confiança, segundo Davis Fong, é o facto de em 2016 Macau ter concentrado os maiores investimentos em toda a Ásia. “Só Macau teve tão grandes projetos. O Wynn Palace e o Parisian somam o maior investimento em termos de turismo num único destino da Ásia. Esta é uma grande mensagem para elevar o nível de confiança e para atrair um novo grupo de clientes, além dos grandes apostadores do mercado VIP”, disse. Neste sentido, deu o exemplo da estratégia promocional seguida aquando da abertura do Wynn Palace, para atrair a classe média chinesa. “Eles ofereceram uma grande qualidade a um preço muito baixo. Estes clientes quando subirem no estatuto social vão lembrar-se da experiência e vão querer voltar, e nessa altura já vão poder pagar”, argumentou.

Sophie Lin, da S&P Global Ratings, é mais comedida nas previsões e estima entre um crescimento de 10% no melhor dos cenários. “Se vai haver novas regras ou se haverá maior controlo nas transações da Union Pay, por exemplo, isso está para além das nossas estimativas. Nesse caso, poderá haver um impacto no segmento VIP. Portanto, o mercado de massas vai ser mais estável, mas o segmento VIP pode oscilar entre 5% negativos e 5% positivos, refletindo um crescimento no geral entre 0% e 10%”, explicou.

Já o economista Albano Martins aponta como maior risco em 2017 as operadoras de jogo estarem a terminar os contratos de concessão sem que sejam conhecidos os planos do governo. “Toda a gente suspeita, ou o bom senso aconselha que as seis operadoras se mantenham, mas (…) não se sabe muito bem o que é que o governo está a preparar para a negociação com as operadoras, que comandam praticamente o PIB em Macau”, observou.

Ao fim de dois anos de contração, a economia voltou a crescer no terceiro trimestre deste ano, com o Produto Interno Bruto (PIB) a aumentar 4% face ao mesmo período de 2015. O Fundo Monetário Internacional estimou em outubro que o PIB de Macau irá cair 4,7% este ano, uma contração menor do que os 7,2% estimados em abril. Já no próximo ano espera que a capital mundial do jogo regresse ao crescimento (0,2%).

Quem tem medo do Japão?

2016 termina com a notícia da aprovação pelo parlamento japonês de uma lei para legalizar os casinos, um passo determinante para abrir o mercado, visto como uma possível potência global na indústria de jogo. A analista da S&P Global Ratings considera que a abertura  do Japão ao jogo “pode trazer competição a Macau”, mas que ainda é cedo para antecipar impactos para a região, que também está a assistir à emergência de outros mercados como Saipan (a principal ilha das Ilhas Marianas do Norte, localizadas entre o Havai e as Filipinas) ou a Coreia do Sul. Por outro lado, antecipa que vai depender do comportamento do mercado interno japonês. “Estou especialmente interessada no que vai acontecer depois da legalização do jogo no Japão, que vai ser um grande acontecimento para os operadores dos casinos, especialmente aqueles com uma almofada financeira para se expandirem para o Japão”, disse Sophie Lin. “Do ponto de vista das operadoras de jogo, assumo que aqueles com maior capacidade financeira estarão também interessados em construir um casino se conseguirem uma licença de jogo no Japão”, acrescentou.

Ricardo Siu, por sua vez, observou que é preciso dar tempo para a entrada em vigor da lei e criação das bases para a construção dos projetos dos resorts integrados no Japão. “Mesmo com a liberalização aprovada agora, pode levar três a quatro anos para a construção dos resorts integrados no Japão e isso pode tirar muitos dos clientes do Japão à Coreia do Sul em vez de (afetar) Macau. A competição vai crescer, mas o efeito em Macau pode não ser tão grave”, afirmou. Além disso, o académico da Universidade de Macau defendeu que “o recente ajustamento” no mercado da região chinesa “para colocar mais ênfase no mercado de massas vai garantir a competitividade de Macau na indústria do jogo a longo prazo”.

Já Albano Martins apontou que a concorrência de outros mercados na Ásia é uma das variáveis externas que pode fazer com que o Governo de Macau venha a equacionar medidas, nomeadamente quando o jogo for liberalizado no Japão. “Macau tem de estar de olho, e o único instrumento que tem para tentar segurar é baixar os impostos, porque ter cerca de 40% de impostos sobre o jogo é brutal; não tem semelhança com o que se passa em qualquer outra parte do mundo onde o jogo tem força e, portanto, o Governo vai ter de, mais tarde ou mais cedo, reequacionar isso e baixar [os impostos] para ter mais receitas”, sublinhou. 

Fátima Valente

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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