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Combate à violência

Começou a falar-se em 2008, mas apenas oito anos depois aprovou-se a lei da violência doméstica, que a tipifica como crime público — não dependente de queixa da vítima.

A lei da violência doméstica entrou em vigor no início de Outubro, mas o seu debate em praça pública iniciou-se em 2008, altura em que o Governo apresentou a sua política de tolerância zero. A grande novidade é a tipificação da violência doméstica como crime público, assegurando que deixa de ser necessária a apresentação de queixa pela vítima para promover o processo penal.

O diploma esteve a ser debatido na generalidade, em sede de Assembleia Legislativa, por dois anos, gerando muita polémica. A lei, com 35 artigos, define a violência doméstica como “quaisquer maus tratos físicos, psíquicos ou sexuais que sejam cometidos no âmbito de uma relação familiar ou equiparada”. 

Na discussão na generalidade na Assembleia Legislativa, chegou-se a aprovar uma definição que limitava os atos de violência doméstica àqueles com “consequências que não sejam leves”. Essa diferença entre ofensas “leves” e “graves” gerou discórdia entre os deputados, por as primeiras serem entendidas como crime semi-público — e, por isso, dependente de queixa por parte da vítima — e as segundas como crime público. A lei prevê penas até 12 anos de prisão — 15, em caso de morte da vítima.

Grande parte dos deputados, durante a discussão, centrou-se na questão da prevenção. Por exemplo, José Pereira Coutinho questionou o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura sobre a responsabilidade de prevenção na sociedade, alegando que não faz caber apenas ao Instituto de Ação Social (IAS). Em resposta, Alexis Tam garantiu que se trata de um trabalho que envolve várias entidades, incluindo diferentes departamentos governamentais, serviços públicos e instituições particulares de solidariedade social.

Outros parlamentares interrogaram a presidente do IAS sobre a formação do pessoal para lidar com estes casos. “A formação na violência doméstica exige muito profissionalismo. No ano passado procedemos a acções de formação para o nosso pessoal, para serem formadores, nesta vertente, no futuro. Convidámos peritos, professores de Hong Kong e Taiwan, para formar o pessoal. Para serem no futuro professores habilitados para o efeito. (…) Vai ser um trabalho contínuo. [Os casos vão] ser acompanhados por profissionais”, garantiu Vong Yim Mui. 

A lei

Antes da aprovação deste diploma, a violência doméstica era considerado crime semi-público, dependente da vontade da vítima para a efetivação da responsabilidade penal do agente. Tratando-se agora de um crime público, cabe ao Ministério Público, por sua iniciativa, promover o processo penal. 

O diploma define o crime de violência doméstico como “quem, no âmbito de uma relação familiar ou equiparada, infligir a outra pessoa maus tratos físicos, psíquicos ou sexuais”, punindo o crime com pena de prisão de um a cinco anos. Há ainda o tipo qualificado do crime de violência doméstica, que estipula uma pena agravada para os agentes caso se verifiquem as seguintes circunstâncias, que define uma pena de prisão de dois a oito anos “se os maus tratos forem cometidos em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente” — por exemplo, se o ofendido for menor de 14 anos. Em qualquer um dos casos, se do crime resultar a morte, há a punição de pena de prisão de cinco a 15 anos.

“O Governo está convicto de que com a publicação da lei (…) se irá travar, ainda mais, a ocorrência da violência doméstica e permitir, em caso de uma qualquer infeliz ocorrência, a sua deteção precoce, a intervenção urgente no sentido de proteger a vítima e, em simultaneamente, efetivar a responsabilidade penal do agressor”, afirmou Alexis Tam. 

O governante realçou ainda que os trabalhos no âmbito de aplicação desta lei serão avaliados no prazo de três anos, podendo posteriormente ser revista, caso se entenda ser necessário. 

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O progresso da notificação

No primeiro mês de entrada em vigor da lei da violência doméstica, foram comunicados cerca de 160 casos pelos serviços públicos, organizações não governamentais e escolas. Destes, cerca de 30 são considerados suspeitos. Nos primeiros seis meses do ano, antes da entrada em vigor da lei, registaram-se 96 casos — mais 16 do que no ano transato e 27 do que em 2014.

A lei da violência doméstica entrou em vigor a 5 de Outubro e o número de casos suspeitos já ascende a cerca de 30, deixando antever que mais deverão saber-se, em comparação com os anos anteriores, agora que se trata de um crime público e que vigora um dever de comunicação entre as várias entidades envolvidas.

O chefe do departamento de serviços familiares e comunitários do Instituto de Ação Social (IAS), Ng Heng Man, em entrevista ao PLATAFORMA MACAU, afirma que, ainda que a lei seja jovem, dado o funcionamento do dever de comunicação, já há dados de referência. “De 5 de Outubro a 5 de Novembro, registámos cerca de 160 casos notificados pelos serviços públicos, pelas instituições particulares de solidariedade social ou pelas escolas, mas apenas cerca de 30 são considerados suspeitos de violência doméstica”, diz. Desses, quatro foram encaminhados pela Polícia Judiciária para o Ministério Público, estando os restantes ligados à educação e disciplina das crianças, relacionamento entre familiares e problemas matrimoniais. Em 2014 registaram-se 69 casos, enquanto no ano seguinte contabilizavam-se 80 e, no primeiro semestre de 2016, antes da entrada em vigor do diploma, esse número ascendia a 96.

A lei traz algumas novidades substanciais no panorama da violência doméstica — a principal é o enquadramento como crime público. Dantes, era considerada crime semi-público e, portanto, dependente de queixa, para poder avançar o processo penal. Com a situação atual “a sociedade vai ficar melhor no que toca à defesa dos direitos das vítimas ou das potenciais vítimas”.

O dever de comunicação

Na designação da Lei, este diploma intitula-se lei da prevenção e combate à violência doméstica. Assim, a prevenção e combate à violência doméstica são ambos importantes. A Lei, por um lado, encoraja o respeito pelos direitos humanos básicos, a não discriminação entre os membros familiares, promovendo assim a harmonia familiar para que resolvam conflitos duma maneira pacífica, por outro lado, através das actividades de prevenção e sensibilização a nível comunitário, sensibiliza a população para a existência de problemas na família. Ao encorajar estes comportamentos, o IAS espera poder assim “detectar mais cedo os casos e proteger potenciais vítimas”.

Já no que toca ao combate à violência doméstica, implica a colaboração com outras entidades. Como por exemplo, os professores, se têm conhecimento de casos de violência doméstica, precisam de comunicar ao IAS através do mecanismo de comunicação do IAS, mecanismo este que recebe a comunicação de todos os casos suspeitos de violência doméstica, diz, acrescentando: “Ao receber a comunicação de um caso suspeito de violência doméstica, o IAS vai analisar primeiro e depois intervir encaminhando para o serviço adequado ou com a prestação direta de serviço adequado às vítimas.”

Segundo a nova lei, o IAS é a “entidade pública responsável pela coordenação das ações de prevenção da violência doméstica, pela sinalização das situações de risco e pela execução das medidas de proteção gerais previstas”, cabendo às demais autoridades públicas ou privadas “prestar a sua colaboração sempre que […] o IAS o solicite”.

Mas o diploma estabelece um dever de comunicação. “As entidades públicas e os seus trabalhadores no exercício das respetivas funções, bem como as entidades privadas que prestem serviços médicos e de enfermagem, cuidados a crianças, idosos e pessoas portadoras de deficiência, ou que desempenhem actividades de docência, serviço social ou aconselhamento, e os seus trabalhadores no exercício da respectiva atividade, devem comunicar, de imediato, ao IAS as situações de violência doméstica de que suspeitem ou tenham conhecimento, sem prejuízo da obrigação de denúncia prevista no Código de Processo Penal”, lê-se na lei. “Antigamente, não havia mecanismos de notificação de casos”, diz Ng Heng Man. “Assim há mais oportunidades para detectar casos de violência doméstica”, conclui.

No primeiro mês de existência da lei, identificaram-se, no âmbito deste dever de comunicação, cerca de 160 casos, mas apenas cerca de 30 são considerados suspeitos. Sublinhando a importância deste mecanismo de notificação, Ng Heng Man refere que, depois de comunicado, “o IAS faz uma avaliação pormenorizada e profunda, para verificar se é realmente um caso de violência doméstica”, esclarecendo que o IAS procede depois à análise do caso para distinguir a sua natureza se se trata de disputa familiar,  conflito familiar ou outros..

Os preparativos 

Com a lei a entrar em vigor a 5 de Outubro, foram feitos preparativos nos anos antecedentes para que todos estivessem preparados para atuar. Assim, preparou-se a “colaboração do IAS com outros serviços públicos e com as instituições particulares de solidariedade social”. Em 2014, o IAS estabeleceu um mecanismo de coordenação com seis serviços públicos, nomeadamente, o Corpo de Polícia de Segurança Pública, a Polícia Judiciária, os Serviços de Saúde, a Direção dos Serviços de Educação e Juventude, a Direção dos Serviços para os Assuntos Laborais e o Instituto de Habitação, de forma a manter um contato estreito.

Com vista a uma articulação dos serviços na execução da Lei da Violência Doméstica, o IAS elaborou as “Instruções e procedimentos para o tratamento dos casos de violência doméstica”. Organizaram-se ainda ações de formação. “Foi feita formação específica junto dos trabalhadores da linha da frente”, para que saibam o que é a violência doméstica e as técnicas para lidar com estes casos, além de junto dos agentes policiais, das instituições particulares de solidariedade social e das escolas. Houve ainda sessões de formação direcionadas aos cidadãos.

Em Novembro de 2015, o IAS criou a Linha Aberta 24 horas de Apoio às Vítimas da Violência Doméstica, para prestar assistência e aconselhamento ao público. No mesmo dia de entrada em vigor da lei, o IAS abriu uma Linha Aberta 24 horas de informação sobre casos de violência doméstica, dirigida a serviços públicos e organizações não governamentais orientadas para o serviço social. 

Para o responsável do IAS, de uma maneira geral, a violência doméstica “é um problema não só das famílias, mas da sociedade”.Trata-se de uma questão ligada ao preceito tradicional chinês de que, “segundo a mentalidade conservadora chinesa, geralmente os problemas de família não devem sair porta fora”, declara, esclarecendo que, assim, “as vítimas têm vergonha de sair de casa para procurar ajuda”. Assim, Ng Heng Man afirma que “há que desenvolver ações de sensibilização”, de forma a mudar essa mentalidade, elevar a consciência da população sobre a prevenção da violência doméstica e a necessidade de solicitar ajuda. “Para algumas pessoas, castigo corporal pode ser normal na educação das crianças, mas isso não é correto. É preciso alterar — temos de nos esforçar mais neste sentido”, diz, acrescentando: “A violência verbal ou física entre os cônjuges é negligênciada, e isso também é preciso mudar.”

Ainda assim, antes mesmo da aprovação da lei, o seu debate público já trouxe alguns progressos. “Houve um reconhecimento geral das associações civis, dos deputados e todos reconheceram que há necessidade de legislar e de publicar uma lei”, diz, esclarecendo que “isso já é um progresso na sociedade e uma mudança nos valores sociais e no preceito tradicional.”

O trabalho de acompanhamento

Os casos penais suspeitos de violência doméstica ou aqueles que estão a ser investigados pela polícia, o Instituto de Acção Social (IAS), de acordo com a situação de risco da vítima, envia para a polícia um relatório com as respectivas informações.

“Há uma vítima a sofrer muitos anos de agressão, é preciso analisar os métodos de intervenção e elaborar o plano de serviços”, diz Chan Yiu Hung, da equipa de proteção familiar do IAS, ao PLATAFORMA MACAU. Sobre os casos penais suspeitos de violência doméstica, deve-se cumprir, de acordo com a lei da violência doméstica, ou seja, passar essas informações às entidades que depois podem proceder à investigação criminal.

O trabalho exige sensibilidade, no contato com as vítimas. Muitas vezes, as vítimas dizem “que não se trata de uma situação grave”, mas a avaliação do funcionário mostra que é diferente. .  Chan Yiu Hung salienta que “precisa de tempo para se estabelecer uma relação de confiança no respeitante aos serviços”, pelo que se deve respeitar a vontade da vítima quando se proporciona os serviços sociais e o plano de aconselhamento, verificando-se portanto, o trabalho com estas vítimas é, por isso, complexo. 

Quando perante uma vítima de violência doméstica, Chan Yiu Hung afirma que, às vezes, encaminha-se para o assessor jurídico do IAS, para que explique o teor da lei. Além disso, paralelamente, o IAS procura assegurar “apoio psicológicoe à vida ” para que a vítima “se sinta acompanhada durante todo o processo.” Conforme estipulado na lei da violência doméstica, o IAS “sinaliza as situações em que existe um perigo de ocorrência de violência doméstica, procedendo ao seu acom-panhamento, sempre que delas tenha conhecimento oficioso, a pedido das pessoas em risco ou mediante comunicação das entidades públicas e privadas (…)”.

O acompanhamento deve, assim, “respeitar a vontade da pessoa em risco; interferir na vida pessoal e familiar apenas na medida do que for estritamente necessário à prevenção da ocorrência de violência doméstica; ser o necessário e o adequado à situação de risco; respeitar a privacidade das pessoas envolvidas, a sua intimidade, direito à imagem e reserva da vida privada; prosseguir o superior interesse da criança, quando a situação de risco diga respeito a crianças”, além de “corresponder ao nível das aptidões intelectuais e capacidades das pessoas portadoras de deficiência, em particular psíquica, quando a situação de risco lhes diga respeito.”

No âmbito das medidas de proteção gerais, tanto às vítimas de violência doméstica como às pessoas em situação de risco, pode ser-lhes disponibilizado “acolhimento temporário em instalações de serviços sociais; assistência económica de urgência, nos termos da lei; acesso a apoio judiciário urgente; acesso gratuito aos cuidados de saúde prestados pelas instituições de saúde públicas (…); assistência no acesso ao ensino ou ao emprego; aconselhamento individual e familiar; prestação de serviços de informação e aconselhamento jurídicos”.

Na lei estão também contempladas medidas de proteção policiais “necessárias e adequadas à garantia da segurança física e ao bem-estar da vítima, ou da pessoa em situação de risco, e dos membros da família que com ela coabitem”, que podem implicar acompanhamento “a instituição médica; ao local onde ocorreu o incidente, ao domicílio ou a outro local, para a retirada de pertences; a instalações de serviços sociais.”

Esta lei, conforme esclareceu o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, poderá ser revista, findo um período de três anos, durante o qual será monitorizada a sua implementação.

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