Dinheiro e treinador não fazem uma equipa de futebol

por Arsenio Reis

Não sou grande fã de futebol, e não me importo muito com o desempenho da equipa nacional de futebol masculino da China. Tanto quanto me lembro, os jogadores raramente jogaram como homens, embora os seus salários tenham atingido números astronómicos desde que a liga de futebol profissional chinesa foi criada no princípio da década de 90.

A história mostra que os incentivos monetários não são uma panaceia para o sucesso da equipa nacional de futebol masculino. É por essa razão que não consigo entender a lógica por detrás da decisão da Associação Chinesa de Futebol na semana passada de contratar Marcello Lippi como treinador da equipa chinesa pelo valor estonteante de 20 milhões de euros (21,76 milhões de dólares) por ano.

O valor estabelece um recorde para o montante recebido pelos melhores treinadores do mundo numa equipa nacional. O treinador no topo da lista, Roy Hodgson, da Inglaterra, recebeu 5 milhões de euros por ano, e o treinador Joachim Loew, vencedor do Campeonato do Mundo com a Alemanha, recebeu 3,2 milhões. O antecessor de Lippi, Gao Hongbo, que se demitiu após a China ter perdido 0-2 contra o Uzbequistão no princípio do mês durante as eliminatórias do Campeonato do Mundo, recebeu uns meros 800.000 yuans (117.800 dólares).

É verdade que Lippi, de 68 anos, não é um homem comum. Ele conduziu a Itália à vitória do Campeonato do Mundo em 2006, e levou o Guangzhou Evergrande à conquista de três títulos da Super Liga na China entre 2012 e 2014. Mas esse historial não é garantia de que ele irá transformar a equipa nacional numa grande potência futebolística, mesmo apenas na Ásia, de forma a justificar o seu elevado salário.

Com apenas um ponto em quatro jogos, a equipa de futebol masculino enfrenta uma missão impossível na qualificação para as finais do mundial de 2018 na Rússia. Os restantes jogos poderão muito bem ser apenas simbólicos – situações de salvar a face. E com a equipa nacional sem quaisquer jogos importantes nos próximos dois anos, o valor pago ao treinador italiano está longe de ser razoável.

Contudo, esta não é a primeira vez que é oferecido a um treinador estrangeiro um salário gordo na esperança de que ele possa usar uma varinha mágica para catapultar a equipa chinesa para o topo do sucesso futebolístico. Em agosto de 2011, a Associação Chinesa de Futebol pagou 2,8 milhões de euros ao ex-treinador da Espanha e do Real Madrid, José Antonio Camacho, para treinar e orientar a equipa chinesa. Esse valor, embora modesto quando comparado com o salário de Lippi, era mesmo assim o dobro do total pago anteriormente pela Associação Chinesa de Futebol a todos os treinadores estrangeiros da equipa nacional de futebol.

Camacho recebeu um mar de elogios pelo seu “passado lendário”, e foram colocadas grandes esperanças no que consideravam ser uma habilidade para transformar a equipa do dia para a noite, como acontece atualmente com Lippi. Contudo, a lua-de-mel entre Camacho e a Associação Chinesa de Futebol durou menos de dois anos, chegando a um final amargo em 2013 após a humilhante derrota de 1-5 contra a Tailândia. Mas Camacho não tinha nada a perder. O treinador recebeu 6,45 milhões de euros como compensação devido ao seu contrato ter sido rescindido de forma unilateral antes do previsto.

Não duvido de Camacho ou Lippi como treinadores de primeira classe. Mas para o futebol chinês arrancar, há muito mais que precisa de ser feito. Para começar, precisamos de mais jogadores de futebol. É uma pena que um país de 1,3 mil milhões de pessoas tenha apenas cerca de 10.000 jogadores profissionais registados, como indicam os números oficiais.

Isso explica o porquê de as autoridades e os clubes estarem desejosos de desperdiçar dinheiro em jogadores e treinadores famosos em vez de tomarem medidas para cultivar os talentos nacionais desde a raiz.

Podem ser retiradas muitas lições a partir da história da equipa chinesa de futebol, pois a história repete-se, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. 

Huang Xiangyang

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