Trocas comerciais China-lusofonia a baixar

por Arsenio Reis

A queda de mais de 13% nas trocas comerciais entre a China e os países de língua portuguesa na primeira metade deste ano mostra bem a importância que o gigante asiático tem nas economias africanas, sedentas de investimento externo e muito afetadas pela queda das matérias-primas.

A China, que tem no Fórum Macau a plataforma de relacionamento com os países lusófonos, tem vindo a ganhar importância no comércio mundial nos últimos anos e, particularmente, em África, um continente que é repetidamente apontado como tendo um potencial enorme, e no qual os chineses pretendem assegurar uma predominância económica, financeira e política a longo prazo. Na próxima semana, realiza-se mais um encontro do Fórum Macau, um momento de reavaliação das relações entre estes vários mundos.

O investigador Pedro Amakasu, da Universidade Lusíada, no Porto, relaciona a aposta da China no continente africano e o acolhimento positivo destas nações com a depreciação das moedas africanas, que nos últimos meses têm perdido valor face ao dólar, como por exemplo Moçambique e Angola, com desvalorizações que rondam os 40%.

“A China é o maior parceiro comercial de África, e como importam, faz todo o sentido ter um fundo de reserva para além do dólar, e mesmo num espaço geográfico diferente, isso abre a possibilidade de transacionar bens de forma mais rápida e célere”, acrescentou o investigador, que viveu no Japão durante dez anos.

A aposta da China em África não começou pela vertente financeira, mas sim pela económica, apoiando muitos projetos de infraestruturas em diversos países africanos, mas evoluiu para a parte financeira através dos empréstimos que o Eximbank, o braço financeiro externo do Governo chinês, tem feito nos últimos anos, somando milhares de milhões de dólares – em 2014 o valor da ajuda chinesa a África, em sentido lato, ultrapassou pela primeira vez os 200 mil milhões de dólares.

“A Ásia já tem um concorrente ao Fundo Monetário Internacional, a China é um dos países com maior hegemonia no G20 e é um dos BRIC”, salientou Amakasu Raposo para sublinhar a importância da segunda maior economia mundial para os países africanos, que encontram no gigante asiático um modelo de ajuda económica diferente daquele usado pelos doadores internacionais.

A desistência de Angola em pedir um ‘bail-out’ de 4,5 mil milhões de dólares ao Fundo Monetário Internacional (FMI), no verão, é sintomática da vontade que os Governos têm de ficar com as ‘mãos livres’ em termos de política económica, preferindo pagar taxas de juro mais altas a usar empréstimos concessionais de entidades que forçam reformas.

“Teria sido prudente” Angola pedir ajuda financeira ao FMI, mas as medidas seriam “bastante duras”, tendo em conta as eleições no próximo ano, disse o economista-chefe da consultora britânica Eaglestone.

“No atual contexto, marcado por muita incerteza e riscos, teria sido prudente pedir ajuda financeira”, disse Tiago Dionísio à Lusa, argumentando que “as medidas associadas a um pacote de ajuda financeira poderiam ajudar a acelerar o processo de diversificação e na implementação de algumas reformas estruturais e isso seria bem visto internacionalmente”.

Para este consultor, “essas medidas seriam exigentes e muito provavelmente bastante duras para os angolanos”, pelo que o Governo deverá ter tido “em consideração que há eleições daqui a cerca de um ano; a questão social foi certamente tida em conta na decisão de seguir apenas com o apoio técnico do FMI”.

Angola, disse Tiago Dionísio, deverá “continuar a fazer o que têm feito até agora, que é gerir a situação no curto prazo, pedir empréstimos à China e a outros parceiros, continuar a receber ajuda técnica do FMI e esperar que o preço do petróleo continue a recuperar”.

A abundância de matérias-primas e a facilidade de recorrer à China, que frequentemente é paga diretamente em matérias-primas, acabou por originar uma excessiva dependência não só da venda do produto, mas também do próprio cliente – num colóquio dedicado à importância de China para África, os analistas convidados pelo Brookings Institute concluíram que o abrandamento chinês é um dos três maiores perigos para as nações africanas, habituadas a olhar para Oriente quando se trata de obter financiamento barato e sem uma exigência de reformas estruturais e de boa ‘governance’, como acontece com a generalidade dos doadores ou parceiros de negócios ocidentais.

“O continente africano continua a enfrentar vários desafios devido à ‘tripla ameaça’ da queda dos preços das matérias-primas, abrandamento económico chinês, e aumento do custo da dívida pública, o que oferece, por outro lado, uma oportunidade para implementar políticas inovadoras e robustas para acelerar o crescimento e assegurar um crescimento sustentável”, lê-se num relatório recente do Brookings Institute.

No documento, que sintetiza as conclusões de um painel dedicado ao debate sobre o abrandamento económico registado em África este ano, defende-se que a recente transição do modelo económico chinês, que procura substituir o investimento pela inovação e orientado para o consumo, “resultou numa capacidade excessiva de construção e indústria pesada na China, o que acabou por abrandar o investimento e assim fazer descer o ritmo de crescimento” da segunda maior economia do mundo.

De acordo com o Fundo Monetário Internacional, a China cresceu 6,9% em 2015 e deverá abrandar a expansão económica para 6,6% este ano e 6,2% em 2017. A África subsaariana, por seu lado, vai crescer apenas 1,6%, abrandando significativamente face aos 3,3% que terá crescido no ano anterior.

Para 2017 os peritos do FMI estimam que o crescimento africano acelere novamente para 3,3%, mas ainda assim bastante abaixo dos 5,1% de crescimento que a média destes países registava antes do início da descida do preço das matérias-primas, no verão de 2014.

Os países africanos, dizem os analistas que participaram no painel organizado pela Brooking Institute, foram afetados pelo abrandamento da procura chinesa por matérias-primas, por causa da descida dos preços e pelo declínio dos volumes de exportação. Os Países de Língua Oficial Portuguesa (Angola, Brasil, Cabo Verde, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Portugal, Guiné Equatorial, Guiné-Bissau e Timor-Leste), por exemplo, já notam os efeitos do abrandamento chinês: No primeiro semestre deste ano, as trocas comerciais entre os países lusófonos e a China caíram mais de 13%, para mais de 41 mil milhões de dólares, interrompendo uma trajetória de crescimento que se tem vindo a verificar nos últimos anos. A diversificação é, assim, a palavra de ordem, não só em termos de produção, mas também de exportações e de destino das vendas ao estrangeiro. 

Mário Baptist-Exclusivo Lusa/Plataforma

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Fórum Macau procura agentes privados

O cenário das relações entre a China e os países de língua portuguesa é de quebra das trocas comerciais e baixo investimento produtivo. A próxima reunião ministerial dos parceiros procura alternativas à conjuntura desfavorável no investimento direto privado e na construção de infraestruturas. 

A nova etapa de cooperação económica e comercial entre a China e os países de língua portuguesa apela a um maior envolvimento do sector privado para a viabilização de projetos que assegurem o aumento da capacidade produtiva dos parceiros lusófonos da China. O objectivo é garantir a sustentabilidade do projeto institucional inaugurado em 2003 sob a tutela do Ministério do Comércio chinês, que tem assistido no último ano e meio a um forte abrandamento das trocas comerciais entre os seus membros, alguns dos quais a enfrentarem períodos críticos de abrandamento económico em resultado da descida dos preços das matérias-primas nos mercados internacionais.

A nova orientação foi apresentada na última quarta-feira pelo Secretariado Permanente do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, com a nova Secretária-Geral da estrutura, Xu Yingzhen, a indicar que os agentes privados deverão assumir um maior papel em áreas prioritárias de investimento, que passam pela construção de infraestruturas, sectores da energia, agricultura, pesca e turismo.

“Se queremos que a cooperação entre a China e os países de língua portuguesa se desenvolva de uma forma mais sustentável, há que haver maior participação do sector privado – tanto do sector financeiro como das empresas privadas de todos os sectores”, afirmou Xu Yingzhen.

No ano passado, as trocas comerciais entre a China os países de língua portuguesa caíram 25,73 por cento, atingindo um volume total de 98,47 mil milhões de dólares, naquela que foi a primeira quebra verificada desde 2009. A situação de abrandamento comercial, resultante da descida na procura chinesa e quebra dos preços das matérias-primas – com o petróleo à cabeça -, contrariou o objectivo dos membros do Fórum de Macau de fazer elevar o volume de trocas para 160 mil milhões de dólares até este ano.

Também o investimento da China em países de língua portuguesa tem estado focado mais significativamente na compra de participações, sem progressos no objectivo de fomento do investimento em projetos que reforcem a capacidade produtiva dos países. O Fundo de Cooperação entre a China e os Países de Língua Portuguesa, estabelecido em 2013 com uma dotação de mil milhões de dólares, encontra-se igualmente subaproveitado, com apenas dois projetos  – um em Angola e outro em Moçambique – oficialmente aprovados.

O novo plano de ação dos membros do Fórum de Macau, que se reúnem em conferência de nível ministerial no início da próxima semana, pretende agora lançar as bases para um programa de construção de infraestruturas e investimento em indústria e agricultura a ser financiado por um conjunto de agentes económicos e instituições financeiras que vai além dos fundos de fomento tradicionalmente disponibilizados pelo Banco de Desenvolvimento da China, que administra o Fundo de Cooperação do Fórum, ou Banco Chinês de Importações e Exportações (ExIm Bank).

“O crédito preferencial pode promover a cooperação. Mas a maior cooperação depende do mercado, depende das instituições privadas. A cooperação tem de funcionar na dependência das regras do mercado e na base comercial. As iniciativas de participação na cooperação comercial e de investimento não se limitam ao ExIm Bank ou Banco de Desenvolvimento da China. Muitos outros bancos e instituições financeiras têm um interesse cada dia maior na cooperação económica e comercial entre ambas as partes”, destacou a Secretária-Geral Xu Yingzhen.

A líder do Secretariado Permanente do Fórum de Macau deu como exemplo a abertura de representações do Banco da China e do ICBC em Portugal e Brasil, lembrando que no final deste ano o Banco da China deverá também abrir uma sucursal em Angola. Também o Banco de Construção da China e o Banco de Comunicações da China entraram já no mercado brasileiro, ao mesmo tempo que bancos brasileiros estabelecem pela primeira vez representações na China Continental. “Os bancos locais dos países de língua portuguesa também têm interesse em participar”, destacou a representante da estrutura com sede em Macau.

Da parte dos países de língua portuguesa, a expectativa é que o novo enfoque na construção de infraestruturas, enquadrada na iniciativa Uma Faixa, Uma Rota, e no investimento em capacidade produtiva, com um novo memorando que deverá ser assinado na reunião ministerial da próxima semana, apoie a diversificação das economias de língua portuguesa que têm estado mais dependentes da exportação de matérias-primas.

“No quadro do Fórum de Macau, ou do próximo plano de ação, achou-se duas componentes. A primeira é a [iniciativa] Uma Faixa, Uma Rota, em que os países identificam os projetos, planificam juntos, exploram juntos, e [procuram] benefícios mútuos. Esta é uma alternativa. A segunda é o acordo que se vai criar, mencionado no plano de ação, que é sobre a capacidade produtiva”, indicou Vicente Manuel Jesus, Secretário-Geral Adjunto do Secretariado Permanente do Fórum de Macau indicado pelos países de língua portuguesa. “A expectativa é maior neste plano de acção relativamente a esses dois aspectos. Mas também há que referir que as áreas anteriormente acordadas serão ainda reforçadas”, juntou.

Segundo os responsáveis do Fórum, nesta fase os países membros estão a identificar, através de consultas bilaterais, os projetos e sectores que poderão ser suportados no novo modelo de cooperação. Cabe-lhes também identificar os meios de financiamento e formas de exploração dos projetos que não penalizem as finanças públicas dos diferentes países, alguns dos quais com altos níveis de endividamento e em programas de ajustamento económico suportados pelo Fundo Monetário Internacional.

“A iniciativa Uma Faixa, Uma Rota e o [investimento em] capacidade produtiva são de facto alternativas para minimizar endividamentos. Os países vão identificar em conjunto os projetos, os meios de financiamento, e a sua exploração. Uma empresa com meios de financiamento poderá financiar através de investimento direto. Será uma alternativa ao endividamento do Estado, nesta perspectiva de que haverá maior empreendedorismo por parte do sector empresarial. Claro que a banca irá desempenhar um papel crucial”, entende Vicente Manuel Jesus. O representante do Fórum deu exemplo da abertura a instituições financeiras privadas com o caso da sucursal do Banco da China em Macau, que presentemente gere uma equipa para os negócios com os países de língua portuguesa.

Quanto à aplicação do Fundo de Cooperação entre a China e os Países de Língua Portuguesa, o Secretariado Permanente indica que, além dos dois projetos já aprovados para financiamento, outros três estão neste momento em aprovação. Uma carteira de 20 intenções preliminares estão identificadas para análise futuro, segundo os dados atualizados apresentados por Xu Yingzhen.

“O fundo vai ser utilizado em dois projetos e estão em aprovação mais três projetos. Realmente, estão em banco de dados cerca de 20 projetos para futura análise de possibilidades. Os administradores deste fundo também querem que o fundo seja melhor aproveitado, se bem que existem alguns critérios técnicos ou padrões de acesso. Os administradores dos fundos têm os seus requisitos para que se solicite o uso dos fundos – é natural. Se existem algumas dificuldades, talvez sendo necessária uma maior comunicação, os empresários que querem ter acesso aos fundos têm de preparar bem os requisitos. Da nossa parte, também nos estamos a esforçar para ligar o banco que gere o fundo aos solicitantes”, indicou a responsável. 

A Secretária-Geral disse não ter informações concretas quanto aos três projetos para financiamento que estão agora em fase de aprovação. Infraestruturas, indústria manufactureira e projetos de cooperação no sector agrícola são as áreas prioritárias elencadas pela estrutura de Macau no que diz respeito a novas operações de crédito preferencial. Quanto às duas dezenas de projetos preliminares que ainda não foram sujeitos a análise, “cobrem todos os países [do Fórum]”, indicou Xu Yingzhen.

O acesso a fundos por parte das pequenas e médias empresas de Macau, que tem vindo a ser pedido pelo sector, não conhecerá requisitos mais flexíveis. No entanto, o Instituto de Promoção do Comércio e Investimento (IPIM) indica que espera nesta altura que o Banco Chinês de Desenvolvimento possa estabelecer uma representação local que apoie a apresentação de candidaturas. O convite à instituição de fomento foi apresentado pelo Governo de Macau. 

 Maria Caetano

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