Partido dos Trabalhadores ferido após derrota nas eleições

por Arsenio Reis

Os brasileiros castigaram duramente o Partido dos Trabalhadores (PT), dos ex-Presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, na primeira volta das eleições municipais de domingo.

O partido, que ocupava os quatro primeiros lugares nas duas últimas décadas, desceu para a décima força política mais votada, conquistando 251 câmaras, menos de metade das que ganhou em 2012, embora ainda falte ir à segunda volta, a 30 de outubro. O grande vencedor foi o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) – do Presidente Michel Temer, que chegou ao poder por ser o vice-presidente de Dilma Rousseff entretanto destituída – tal como nos dois últimos pleitos, consolidando a sua força nas eleições municipais.

Das 26 capitais estaduais, o PT apenas conseguiu ser já eleito para o Rio Grande, do pequeno estado do Acre, sendo que, na segunda volta, ainda irá disputar a presidência da câmara do Recife. O partido de esquerda perdeu várias autarquias tradicionalmente na sua zona de influência na região de São Paulo. Na própria cidade com o mesmo nome, a mais importante do país, viu o atual presidente, Fernando Haddad, ser afastado logo à primeira volta.

Esta derrota vem exigir mudanças profundas no PT, que equaciona concorrer com Lula da Silva nas presidenciais de 2018. O líder histórico, que chegou a ser conhecido mundialmente como o “pai dos pobres” com o programa Bolsa Família, é hoje apontado por procuradores com o “grande general” dos crimes investigados no maior escândalo de corrupção da história brasileira.

O político responde por supostos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, para além de tentativas de obstruir a Operação Lava Jato, investigação bastante aplaudida no Brasil, onde a maioria considera a corrupção o pior problema do país. As detenções de outras figuras do PT, incluindo dois ex-ministros dias antes da votação, colocaram o movimento partidário no centro dos crimes cometidos na petrolífera estatal Petrobras, embora dezenas de políticos de outros partidos estejam igualmente sob investigação. lém disso, a impopularidade da ex-Presidente Dilma Rousseff alimentou o polémico processo da sua destituição por irregularidades orçamentais, finalizada a 31 de agosto.

O futuro em análise

Tudo isto tem levado o PT a dizer-se vítima de perseguição política, mas, após este resultado, o partido deverá ver-se obrigado a mudar de discurso. Ainda assim, depois das megamanifestações em torno da destituição de Dilma Rousseff, que dividiu a população, os brasileiros mostraram desinteresse diante destas eleições.

As investigações da Lava Jato e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio de Janeiro, entre agosto e setembro, também desviaram as atenções. Com uma profunda recessão desde 2014 e um aumento exponencial do desemprego, que já atinge 12 milhões, os cidadãos estão cansados de verem o país mergulhado em querelas políticas e de corrupção na esfera partidária. Não surpreendeu que em recentes protestos, muitos brasileiros tenham aparecido a defender o regresso de um regime militar, após 31 anos de democracia.

Como no Brasil é obrigatório votar, a abstenção foi de 17,5% entre os mais de 144 milhões de eleitores, um pouco maior do que nas eleições de 2012, sendo que também os votos brancos e nulos cresceram em várias urnas. Outra novidade destas eleições para vereadores, presidentes e vice-presidentes de câmara em 5.568 municípios foi a redução do tempo de campanha, com menos tempo de propaganda nas televisões e rádios, e com a recente proibição de financiamento empresarial, o que afetou bastante as campanhas.

Violência matou ato eleitoral

“Hoje temos mortos doando e bolsistas do Bolsa Família sendo utilizados para doações significativas”, alertou o presidente do Supremo Tribunal Eleitoral (STE). Gilmar Mendes acrescentou que os candidatos gastaram até agora 2,1 mil milhões de reais (643,9 milhões de dólares) nas campanhas, um terço do total gasto em 2012.

Para Gilmar Mendes, este ato eleitoral foi um dos mais violentos da história do Brasil, “devido a um quadro de insegurança política que estamos vivendo” e à “deterioração do quadro de segurança pública”. “É inequívoco que o crime organizado está participando destas eleições”, avisou falando nas milícias e no narcotráfico. Ainda assim, a jornada de votação ocorreu em “clima de normalidade e paz”, avaliou. Para garantir a segurança e a logística durante a votação, foram destacados 25,4 mil militares para 498 municípios.

Ao longo do dia, foram contabilizadas 236 detenções de candidatos e 1.726 de outros cidadãos. Entre as situações que não acabaram atrás das grades, 147 foram entre candidatos e 1.705 não candidatos. A principal ilegalidade encontrada foi a prática de fazer propaganda próximo dos locais de voto, mas também houve casos de uso de autofalantes, divulgação de propaganda, transporte ilegal de eleitores, fornecimento ilegal de alimentos e corrupção eleitoral, entre outros. Nos últimos dias, deram-se também ataques a autocarros e escolas que eram locais de votação. 

De acordo com o TSE, até agosto, ocorreram pelo menos 20 assassinatos de candidatos, mas levantamentos feitos pela imprensa brasileira apresentam números bem maiores. Dias antes das eleições, vários casos chocaram o Brasil, como o homicídio do presidente da Escola de Samba Portela, Marcos Vieira Souza, candidato a vereador no Rio de Janeiro, e um atentado contra várias pessoas numa ação de campanha em Itumbiara, no sul do estado de Goiás, que tirou a vida a um candidato, José Gomes da Rocha, e a um polícia e feriu o governador do estado em exercício, José Eliton de Figuerêdo Júnior.

Nesta jornada eleitoral, o Presidente Michel Temer foi um dos primeiros a votar, conseguindo assim escapar aos protestos que o esperavam. Já Lula da Silva foi recebido com vaias e aplausos, enquanto a sua sucessora na Presidência esteve envolvida numa confusão, quando a imprensa e políticos foram proibidos de a acompanhar.

Um dado curioso que ocorreu nesta votação foi a reeleição de Teresa Surita, do PMDB, que foi a única mulher eleita na primeira volta e também a candidata com a maior votação proporcional do país, ao obter 79% dos votos em Boa Vista, capital do estado de Roraima, no norte.

A segunda volta, que ocorre apenas nos municípios com mais de 200 mil eleitores em que nenhum dos candidatos conseguiu a maioria absoluta, será disputada entre os dois mais votados em 54 locais. Apesar da vitória do PMDB, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) – movimento partidário presidido por Aécio Neves, grande derrotado nas presidenciais de 2014 ganhas por Dilma Rousseff e que decidiu aliar-se ao governo de Michel Temer – teve a ascensão mais visível, sendo o partido que elegeu mais presidentes de câmara nas capitais.

Estes resultados deverão ajudar os principais partidos a traçarem estratégias para as presidenciais de 2018, nas quais Michel Temer, que goza de pouquíssima popularidade, disse que irá não concorrer.

Andreia Nogueira-Exclusivo Lusa/Plataforma

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