O renminbi está a desinternacionalizar-se

por Arsenio Reis

A moeda chinesa está desde domingo no grupo das divisas internacionais de elite, integrando o cabaz de direitos especiais de saque do FMI. O novo estatuto representa um marco, defende o economista Christopher Balding, mas no futuro próximo o uso internacional do renminbi tenderá a cair e não a expandir-se.

A entrada do renminibi no grupo de moedas de referência adoptadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) desde o último domingo é um marco importante que assinala e reconhece o peso da China nas trocas e pagamentos internacionais, mas, por enquanto, sem impacto efetivo na procura pela moeda chinesa, respectivo câmbio, ou na amplificação do uso internacional de instrumentos financeiros denominados nesta divisa.

“É um marco simbólico. Espera-se que dê início ao percurso daquilo em que o renminbi se tornará dentro de anos, mas no que diz respeito a um impacto funcional na moeda é muito improvável que este se verifique”, afirma Christopher Balding, economista e professor da HSBC Business School de Shenzhen.

A expectativa é de resto partilhada pelas próprias autoridades chinesas. A Autoridade Estatal Cambial da China considerou em Setembro, em vésperas da entrada do renminbi no cabaz do FMI que reflete o peso das principais moedas usadas em trocas internacionais, que é de esperar a prazo apenas uma adesão gradual e de pequena dimensão dos investidores internacionais aos ativos denominados na divisa de Pequim.

O renminbi ocupa o quinto lugar na lista das principais moedas usadas em pagamentos internacionais, representando um valor de 1,86 por cento, de acordo com dados de Setembro da SWIFT, a associação internacional de telecomunicações financeiras interbancárias. O valor de depósitos em renminbi nos centros offshore autorizados a operar a moeda permanece também reduzido e, inclusivamente, tem vindo a cair ao longo do último ano – mais significativamente após os episódios de volatilidade cambial ocorridos na sequência da introdução de novas regras de fixação do câmbio da moeda pelo Banco Popular da China a 11 de Agosto de 2015.

Christopher Balding argumenta que, contrariamente à expectativa de expansão da disponibilidade da moeda fora da China continental – em resultado da direção política de internacionalização e estabelecimento de novos centros offshore para compensação de transações e emissão de instrumentos financeiros em renminbi – o último ano e meio tem antes refletido os esforços de Pequim para reduzir a liquidez da moeda no exterior e obter maior controlo sobre o preço a que esta é cotada fora do país. O economista defende que o renminbi está a passar – pelo menos, temporariamente – por um processo de reversão da sua internacionalização.

“Há cerca de 12 a 18 meses, o renminbi em offshore, aquele que se encontra fora da China, tinha caído praticamente 35 por cento. Depois dos dados de Setembro, provavelmente veremos uma decida de 33 a 35 por cento. Caso isto se confirme, envolve os centros de renminbi de Singapura, Hong Kong, Taipé, Luxemburgo e Londres. Vemos na verdade claramente que o renminbi está a desinternacionalizar-se, está a retornar à China Continental e não a expandir-se para o resto do mundo”, afirma ao PLATAFORMA.

O principal motivo para a contracção no volume de moeda fora da China Continental prende-se com o aumento do diferencial dos câmbios praticados dentro e fora do país. O renminbi é vendido a preços diferentes no exterior, refletindo a iniciativa do mercado, sendo que o valor de câmbio fixado a nível doméstico mantém-se ainda sobre controlo do Banco Popular da China – ainda que o câmbio fixado diariamente tenha como factor a procura no mercado exterior de moeda.

“Os traders realizam as transações nos preços que desejam e não nos preços pretendidos por Pequim. Consequentemente, isto cria uma diferença crescente entre o valor do renminbi na China e o valor do renminbi fora da China. Esta situação forçou Pequim a intervir fortemente no mercado de renminbi na China de forma a evitar que os preços se distanciem mais”, explica Balding.

Por exemplo, no início deste ano as autoridades centrais aumentaram as reservas bancárias exigidas às instituições financeiras que operam renminbi no exterior, numa medida que teve como efeito a subida efetiva do preço da moeda fora da China com a redução da oferta disponível. A iniciativa foi vista por alguns analistas como visando contrariar a especulação de investidores que apostavam contra a apreciação do renminbi.

“A diferença de preços foi reduzida para níveis mais fáceis de gerir, ainda que permaneça relativamente volátil. É isto que está a suceder, e é por isto que provavelmente a China terá de manter esta tendência de desinternacionalização do renminbi”, afirma o economista, destacando os baixos volumes de moeda atualmente presentes nos principais centros offshore da divisa chinesa.

“Até Agosto, Hong Kong mantinha efetivamente menos de 100 mil milhões de dólares em renminbi, ou cerca de 650 mil milhões de yuan. No grande cenário, é um volume relativamente pequeno quaisquer que sejam os centros offshore a que nos refiramos. O  Luxemburgo conta 200 mil milhões de yuan, o que corresponde a 30 mil milhões de dólares”, exemplifica.

Os valores usados em pagamentos internacionais que não envolvem empresas e instituições localizadas na China continental e em Hong Kong, o principal centro offshore da moeda, são também nesta altura ainda negligenciáveis. “Se removermos as transações internacionais em renminbi conduzidas de e para a China, e de e para Hong Kong, verificamos que as transações em renminbi a nível internacional têm um volume menor do que o da coroa dinamarquesa”, aponta Balding.

A entrada no cabaz de direitos especiais de saque do FMI tem sido vista como potencialmente catalisadora de um maior uso da moeda, refletindo um sinal de confiança na política cambial chinesa e a expectativa de uma maior liquidez internacional do renminbi. A organização internacional considera já que a moeda está amplamente disponível nos mercados cambiais internacionais, podendo servir de divisa de reserva aos bancos centrais.

O cabaz de moedas internacionais aceites pelo FMI integra o dólar, o euro, a libra e o iene, com o renminbi a ter um peso de 10,92 por cento nos valores de câmbio e taxas de juro utilizadas para aferir o valor dos direitos especiais de saque (ou SDR, na sigla inglesa) – a unidade de conta com que o Fundo Monetário Internacional garante crédito aos países que assiste, por exemplo, em programas de resgate.

Mas, apesar do sinal de confiança, pouco mudará na adopção da moeda. “Não há qualquer regra que diga que todos os bancos centrais têm de deter, por exemplo, 10 por cento do seu portefólio em renminbi. A única forma em que isto é importante é, num caso em que o FMI tenha de resgatar a Grécia ou outro país, terá de entrar em contacto com os países membros que se comprometeram com financiamento e, por exemplo, cobrar um valor em direitos especiais de saque. Esse dinheiro pode ser entregue em qualquer das cinco moeda incluídas no cabaz. Os bancos centrais têm a opção de fazer a contribuição na divisa que entenderem. A única coisa que sucede é que o valor dos direitos especiais de saque passa a ser determinado pela inclusão do renminbi também”, explica Christopher Balding.

Ainda que todos os bancos centrais do mundo decidissem passar a deter renminbi na proporção fixada para o cabaz de moedas do FMI, o valor não ultrapassaria 200 mil milhões de yuan, de acordo com cálculos realizados por diferentes bancos de investimento. “É um valor praticamente insignificante, quando comparado com o valor da massa monetária chinesa. Mesmo comparando com o volume dos fluxos que entram e saem da China todos os meses, ainda é um valor relativamente pequeno”, nota o economista.

Maria Caetano

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