A diversificação do intercâmbio de capital humano

por Arsenio Reis

Há várias oportunidades a explorar no âmbito das relações entre a União Europeia e o Governo de Macau, e que vão além do campo económico. 

De passagem pelo território, a nova chefe da delegação da União Europeia em Hong Kong e Macau, Carmen Cano de Lasala, afirmou, em entrevista ao PLATAFORMA, que o intercâmbio de capital humano, no campo académico e de recursos humanos, poderá ser um auxiliar precioso na prossecução da diversificação económica do território.

Enquanto chefe da delegação da União Europeia em Hong Kong e Macau, quais são os seus desafios em relação ao território?

– Mais do que desafios, gostaria de referir-me a oportunidades, uma vez que há uma boa relação entre a União Europeia [UE] e Macau. A UE é o segundo maior parceiro comercial de Macau e gostaria de salientar que, durante o meu mandato, iremos apoiar as autoridades no esforço de diversificação da economia. Podemos apoiar esses esforços através das nossas empresas, através das nossas relações de comércio e investimento, mas também através do intercâmbio de capital humano, o que, de facto, é um campo muito amplo. Já temos projetos relacionados com educação e universidades, em que podemos desenvolver projetos de inovação e de investigação. Ao centrarmo-nos no intercâmbio de capital humano, podemos ajudar a diversificar a economia e a trazer as competências e conhecimento que são necessários para completar esta tarefa difícil.

Quando se refere a intercâmbio de capital humano, o que quer dizer?

– Há várias perspetivas. Estou a mencionar no campo dos recursos humanos e académico. 

Até agora, a cooperação entre a União Europeia e Macau tem incidido sobretudo no comércio e nas relações económicas. Isto significa uma mudança de foco?

– O comércio e as relações económicas vão sempre ser o centro das relações entre a União Europeia e Macau, mas isto não significa que apenas teremos isso. Há vários projetos que já começámos com as autoridades de Macau ligados, por exemplo, à cooperação legal, o que é muito importante, dado o primado da lei, e a necessidade de sustentar o sistema específico de Macau, que é a chave para o desenvolvimento do território. Esta cooperação tem incidido na componente jurídica, mas também em dar apoio ao sistema legal de Macau, através de intercâmbios e seminários. Tem estado a funcionar bem e temos estabelecido uma boa cooperação com as autoridades locais.

Temos também vindo a trabalhar para combater o tráfico humano, o que é também uma perspetiva interessante, e temos desenvolvido boas relações de cooperação nesse campo. Temos colaborado também no campo da educação, o que, em termos mais genéricos, inclui a inovação e pesquisa. Desse ponto de vista, temos um projeto chamado Horizonte 2020, em que estabelecemos um mecanismo de financiamento em conjunto com as autoridades de Macau, de forma a que a União Europeia e Macau possam trabalhar juntas em projetos de investigação, o que também dá resposta a algumas prioridades do Governo local, no que toca, por exemplo, à inovação, ambiente, crescimento ambientalmente sustentável, em que os Europeus têm competências e conhecimento para partilhar.

Referiu-se ao combate ao tráfico humano, o que é um grande problema nesta parte do mundo. No que toca a Macau, de que forma pode a União Europeia ajudar neste campo?

– Através da troca de competências, até porque é um fenómeno que também enfrentamos na Europa. Através de seminários e intercâmbios. Tem funcionado bem e gostaríamos de continuar este caminho.

De acordo com os contatos que já deve ter tido com alguns empresários, quais são as principais preocupações das firmas europeias sediadas em Macau?

– Tive conversas curtas e estou cá [em Macau] também para encontrar-me com algumas.

Estas empresas são uma parte importante das nossas relações económicas e de comércio, e há também espaço para desenvolver outras possibilidades, talvez campos novos, quando nos referimos a infra-estruturas, transportes, energias — talvez possam ser mais ativos no que toca à participação e implementação. Podemos também explorar algumas formas de combate à escassez de recursos humanos no território. Respeitamos a legislação local no que toca à migração e ao trabalho, mas talvez possamos explorar a possibilidade de trazer o conhecimento e as competências que as nossas empresas e o Governo de Macau precisam, de forma a que possam baixar os custos em diferentes projetos — por exemplo, nas infra-estruturas — e desenvolver competências.

Numa entrevista recente ao South China Morning Post, referiu que o princípio ‘um país, dois sistemas’ é o caminho certo para Hong Kong. O mesmo se aplica a Macau?

– Apoiamos na íntegra o princípio ‘um país, dois sistemas’ também aplicado a Macau. Neste sentido, o primado da lei é muito importante e é por isso que temos esta cooperação frutífera com as autoridades de Macau. É a melhor forma de garantir que Macau continua a desenvolver-se e a diversificar a economia.

As empresas europeias em Macau têm vindo a queixar-se, nos jornais, sobretudo dos recursos humanos limitados. Como propõe combater este problema?

– Temos diálogos regulares ao nível governamental e temos canais abertos para discutir tudo com as autoridades locais, uma vez que há esta relação franca. Pensamos da mesma maneira em muitos aspetos, e é por isso que este assunto, tal como muitos outros, pode ser discutido, e podem ser exploradas outras possibilidades, até porque considero que esta é uma situação em que ambas as partes ganham. Vai ser bom para as nossas empresas, mas também vai ser bom para Macau desenvolver ainda mais os setores que já foram identificados pelas autoridades do território.

O que a traz hoje a Macau — apenas uma conversa com as autoridades locais ou algum ponto em concreto na agenda?

– O meu primeiro encontro foi com o Chefe do Executivo — quis aproveitar esta oportunidade para falar sobre as nossas relações e os diferentes aspetos, e procurar trabalhar de forma a que a União Europeia e Macau sejam capazes de construir uma relação mais forte com Macau. Quero trabalhar naquilo que já foi alcançado no passado, de forma a que possamos avançar, explorando as possibilidades e as melhorias que podem ser feitas. 

No que toca à Câmara de Comércio Europeia, quero apenas conhecer e identificar as preocupações e os setores que podem ser alvo de contributos que correspondam a uma mais-valia. Queremos fazê-lo de forma a apoiar as prioridades do Governo de Macau relacionadas com a diversificação da economia, para que o território não esteja excessivamente dependente das receitas do setor do jogo.

Já mencionei, ao longo da entrevista, as trocas de pessoas e, definitivamente, o turismo é um setor em que podemos trocar competências, sobretudo tendo em conta que se trata de uma grande fonte de receitas para alguns países europeus. Há muitos elementos que podemos continuar a trabalhar em conjunto, de forma a serem vantajosos para a União Europeia e Macau.

O Acordo Comercial e de Cooperação entre a União Europeia e Macau já existe há mais de duas dezenas de anos. Como avalia o trabalho realizado, no âmbito deste acordo?

– No geral, tem funcionado bem. Uma vez mais, há outras possibilidades que podem ser desenvolvidas e não apenas no que toca ao Acordo Comercial, mas noutros aspetos já por mim referidos ao longo da entrevista.

Turismo e recursos humanos vão ser o novo foco dos trabalhos?

Sim, mas também a cooperação legal. Temos um projeto centrado na interpretação — para formar intérpretes em Português e Chinês, que tem estado a funcionar muito bem. Também temos um programa académico na  Universidade de Macau e temos vindo a alcançar um muito melhor entendimento. Estamos a criar um quadro em que a nossa comunidade empresarial e a sociedade civil podem aprofundar as suas interações. 

Há alguns anos, a União Europeia aboliu as taxas alfandegárias que Macau tinha de pagar para exportar sapatos. Na origem dessa taxa, estava o medo de que a China Continental — acusada de anti-dumping — estivesse a usar Macau para fazer escoar os seus produtos. Já não há motivos para preocupação?

Essas taxas foram impostas no âmbito de uma investigação anti-dumping na China Continental, por se pensar que alguns comerciantes pudessem estar a usar Macau para evitar estas taxas. Abolimos essa taxa, e não me parece que haja motivos para preocupação neste momento. Esta situação voltou ao normal. Seja como for, não se trata de um aspeto muito relevante no âmbito das nossas relações […]. 

No que toca a Macau, quais são as suas prioridades, a curto-médio prazo?

A prioridade das nossas relações vai ser auxiliar o Governo de Macau no esforço de diversificação da economia, e também apoiar o princípio ‘um país, dois sistemas’, que, no cômputo geral, tem funcionado bastante bem. Estas são as chaves para o desenvolvimento de Macau. 

Luciana Leitão

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