Um conflito que inquieta

por Arsenio Reis

Arrancou a primeira fase do sistema de videovigilância em espaços públicos, que prevê a instalação de 219 câmaras nos arredores dos postos fronteiriços. No total, num processo que se divide em quatro fases, até 2018, haverá 1620 câmaras espalhadas pela cidade. 

O sistema de videovigilância em espaços públicos entrou em funcionamento a 15 de Setembro. Tal como quando há anos se iniciou a discussão da legislação que o sustenta, também agora as interrogações são muitas, havendo quem tema um abuso dos direitos, liberdades e garantias da população do território.

A autorização para a instalação e funcionamento da primeira fase do sistema de videovigilância em espaços públicos foi emitida por despacho pelo secretário para a Segurança, publicado em Boletim Oficial. Assim, desde 15 de Setembro, está já a ser preparada a instalação e funcionamento de câmaras nas zona envolventes do: terminal marítimo de passageiros do Porto Interior (nove), terminal marítimo de passageiros do Porto Exterior (64), terminal marítimo de passageiros da Taipa (oito), parque industrial transfronteiriço Zhuhai-Macau (oito), posto fronteiriço do Cotai (20), na ponte cais de Coloane (duas), no Aeroporto Internacional de Macau (36), no posto fronteiriço das Portas do Cerco (72). As entidades responsáveis pela sua gestão são o Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) e a Polícia Judiciária (PJ).

A instalação do sistema de videovigilância em espaços públicos vai ser processada em quatro fases. As 263 e 338 câmaras das segunda e terceiras fases serão instaladas nas principais vias rodoviárias, pontos negros de segurança, devendo ter início no fim do ano. “As duas fases estão a ser processadas em simultâneo, tendo os concursos públicos para a aquisição e instalação dos equipamentos, levados a cabo pelo Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas [GDI], sido concluídos, prevendo-se que a instalação tenha início no quarto trimestre deste ano”, lê-se num comunicado oficial, publicado pelo Gabinete de Comunicação Social.

Quanto às remanescentes 800 câmaras, correspondentes à quarta fase, serão instaladas entre 2017 e 2018, em lugares isolados e com risco de segurança. Findo este processo de instalação, as autoridades poderão “estender o sistema para outras zonas como os novos aterros, o posto fronteiriço da ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau”. Prevê-se que, entre a segunda e quarta fases, as câmaras venham a cobrir as zonas costeiras do território.

O vice-presidente da Associação Novo Macau, Jason Chao, está preocupado com “a falta de transparência” do sistema e com o destino dos dados dos cidadãos. O ativista está preocupado por o sistema “não ser apenas de gravação”, mas incluir também a capacidade “de reconhecimento facial” e de “seguir os movimentos dos cidadãos”, permitindo que o Governo tenha acesso a demasiada informação. “A falta de transparência deste sistema é algo que nos preocupa; o Governo fica com grande poder para violar a nossa privacidade”, salienta.

Ao entrar em funcionamento um sistema do género, estão em conflitos dois princípios: o da segurança e o da privacidade. Porém, em sistemas políticos democráticos e de grande transparência, Jason Chao afirma que é mais difícil abusar dos registos resultantes das câmaras. “Por exemplo, em Londres, há um grande número de câmaras, mas há uma grande supervisão da utilização destas; as associações civis têm poder para fiscalizar as operações do Governo e os membros do Parlamento estão constantemente a controlar o Executivo”, diz, acrescentando: “Sabemos que tem de se alcançar um equilíbrio entre segurança e privacidade. Infelizmente, no caso de Macau, ainda não conseguimos alcançá-lo.”

Para o deputado Pereira Coutinho, tratando-se este de um sistema que protege a segurança, deve ser implementado. “A segurança interna é fundamental para o desenvolvimento social e estável das comunidades; será importante, principalmente nas zonas mais frequentadas e com mais público, e mais susceptíveis de ocorrência de crimes”, diz, esclarecendo que nesses casos há que “ceder um pouco da privacidade em favor da segurança”. Ainda assim, alerta que “não se podem permitir abusos”.

O também presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública (ATFPM) recorda que o organismo que representa tem denunciado  “abusos por parte dos serviços públicos que recorrem à videovigilância para vigiar os trabalhadores, utilizando desculpas de segurança dos próprios trabalhadores”.

Assim, diz o parlamentar, “é preciso que se institua um sistema transparente do funcionamento da utilização e posterior destruição de toda a filmagem concernente à videovigilância”. Além disso, a população precisa de saber que “tem o direito de acesso aos ficheiros” que são divulgados nos órgãos de polícia criminal.

Para o diretor-interino da Faculdade de Direito, Gabriel Tong, no que toca à adoção deste sistema de videovigilância não há uma resposta simples. Assim, ainda que haja motivos de segurança pública a nortear a sua implementação, o também deputado refere que o importante é certificar-se de que os locais onde se encontram as câmaras são os adequados. Assim, tratando-se de uma questão que afeta o interesse público, o Governo deve divulgar os detalhes em relação às câmaras. “A forma como usam as câmaras é importante para verificar se estão a garantir a ordem pública ou a abusar do seu poder”, diz.

Na opinião de Gabriel Tong, os avanços tecnológicos podem “ajudar uma investigação criminal” ou a “manter a segurança do público”. “Por exemplo, podemos conseguir uma distribuição ordeira de uma multidão, em momentos críticos”, diz. Ainda assim, uma vez em funcionamento as câmaras, o docente afirma que é importante haver uma avaliação periódica com resultados anunciados ao público.

A discussão

O projeto do sistema de videovigilância em espaços públicos é projetado em conformidade com o regime jurídico da videovigilância em espaços públicos. “Após a colocação de cada câmara, as informações sobre o local de instalação, o ângulo e a cobertura de cada câmara devem ser submetidas ao Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais (GPDP) e aprovadas pelo mesmo, no sentido de garantir que a privacidade dos cidadãos não seja violada”, lê-se na página oficial dos Serviços de Polícia Unitários (SPU). 

Conforme descrito, a “instalação do sistema de videovigilância em espaços públicos é uma medida que recorre a tecnologias avançadas de forma a modernizar o policiamento e integrar os recursos policiais para uma mobilização mais racional, com a finalidade de construir um sistema integrado de gestão policial, melhorando a gestão da segurança, do trânsito e do fluxo de pessoas, contribuindo activamente para a prevenção e o combate às criminalidades.”

O regime jurídico da videovigilância em espaços públicos foi aprovado pela Assembleia Legislativa em Fevereiro de 2012. Na discussão na especialidade, foram várias as dúvidas levantadas pelos deputados — sobretudo, em relação à captação de sons pelos sistemas de videovigilância, ato proibido por lei, exceto “em situação de calamidade ou catástrofe natural ou em situação atentatória da segurança da região ou do Estado”. Alguns deputados pediram esclarecimentos sobre o manuseamento e fiscalização dos sistemas, e proteção dos dados.

A autorização da instalação dos sistemas de videovigilância é concedida pelo Chefe do Executivo — num limite de dois anos, renovável — com base num parecer vinculativo do GPDP, algo que mereceu também o ataque de alguns deputados, uma vez que dispensa a intervenção de um juiz. 

O regime jurídico da videovigilância em espaços públicos estabelece a conservação dos registos usados como elemento de prova em tribunal até ao termo do procedimento e a sua destruição num prazo de 30 dias após o mesmo.

O sistema de videovigilância em espaços públicos é coordenado pelos SPU conjuntamente com o GDI, em estreita cooperação com a Direção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes e o GPDP.

Luciana Leitão

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