Mão pesada para o abandono

por Arsenio Reis

A Lei de Proteção dos Animais entrou em vigor a 1 de Setembro, trazendo mudanças como a punição da crueldade com pena de prisão até um ano e sanções mais duras para o abandono dos animais.

A crueldade passa a ser punida com pena de prisão até um ano e há sanções mais fortes para o abandono dos animais, com a entrada em vigor da Lei de Proteção dos Animais a 1 de Setembro. Segundo o novo diploma, o abandono passa a ser punido com uma sanção que se situa entre 20.000 e 100.000 patacas.

Houve 116 cães e gatos abandonados, nos primeiros sete meses do ano, segundo dados publicados pelo Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM). No ano passado, o número ascendia a 238 e, em 2014, contabilizaram-se 230 casos de abandono. No total, ao longo da última década, o IACM tem registo de 3711 casos de abandono de cães e gatos, mas 2007 foi o ano em que se registou o maior número, ascendendo a 591. Fora destes números estão os animais resgatados das ruas, e que, de Janeiro a Julho, já ascendem a 66. No ano transato, houve 150 casos de resgate.

Por outro lado, nos primeiros sete meses do ano, houve um aumento do número de adoções, contando-se 171 contra os 133 registados no período homólogo de 2015.

Ao mesmo tempo, o número de abate de animais também desceu, até Julho, contando-se 121, contra os 269 que se tinham registado no mesmo período do ano passado. É também de realçar que o número de animais abatidos, nos primeiros sete meses, foi inferior às adoções registadas. Pelo contrário, em 2015, houve um total de 360 animais abatidos, contra 226 adotados.

Um dos pontos controversos no âmbito da discussão do diploma na Assembleia Legislativa corresponde ao ataque de animais, mas este tem vindo a diminuir desde 2013. 

Entre Janeiro e Julho foram sinalizados 192 casos de ataques de animais. Em 2015 contabilizaram-se 257, contra 290 no ano precedente e 369 em 2013. Ao longo da última década, o maior número de ataques verificou-se em 2008, registando-se 542. 

O debate da polémica

A aprovação do diploma pela Assembleia Legislativa não foi feita sem alguma controvérsia. Por exemplo, numa das sessões de esclarecimento, o deputado Leong Veng Chai defendeu que a definição de abandono seria “irrazoável”, alegando que “os donos podem meramente conduzir os cães até ao canil municipal e deixar de ter qualquer responsabilidade, Isto quer dizer que as responsabilidades são transferidas para o Governo”.

Passando a discussão na generalidade, a proposta foi aprovada na especialidade, depois de 24 reuniões em sede de comissão, que obrigaram inclusivamente à entrega de uma nova versão. 

Um dos pontos mais polémicos prendeu-se ainda com a possibilidade de alguns cães estarem isentos de usar açaime, uma vez que a lei só o exige a animais com mais de 23 quilogramas, considerados de grande porte, e só depois de uma avaliação do IACM. 

A secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, assegurou na altura da discussão, que a dispensa de açaime é feita após um exame rigoroso, que testa as reações do animal. Além disso, indicou que, em caso de agressão, “a responsabilidade é do dono”.

Em vigor desde 2004, o Regulamento Geral dos Espaços Públicos prevê multas até 10.000 patacas para infrações cometidas em espaços ou instalações públicas, predominantemente destinados ao uso da população — passeios, praças, vias públicas, jardins, praias e áreas de preservação ambiental —, bem como os que acolhem serviços públicos ou disponibilizam equipamentos de uso colectivo, nomeadamente bibliotecas, museus, galerias de exposições, pavilhões desportivos, piscinas e mini jardins zoológicos.

Ainda, ao abrigo do Código de Posturas Municipais, a crueldade contra animais era considerada uma infração administrativa, merecendo uma coima cujo valor se situava entre as 20 e as 200 patacas.

Por seu turno, o Regulamento Geral dos Espaços Públicos também previa a proibição do abandono de animais, mas de forma menos precisa, determinando-se que “(…) é proibido libertar animais (…) nos espaços públicos” e que tal gera sanções no valor de 600 patacas.

Até ao dia 1 de Setembro, questões ligadas à proteção dos animais enquadravam-se no âmbito do Regulamento Geral dos Espaços Públicos. 

O reforço da responsabilização

De fora da Lei de Proteção dos Animais ficam as lojas e o exercício da profissão de veterinário, que serão tratados noutros diplomas, declara ao PLATAFORMA a administradora do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), Ung Sau Hong.

“O espírito da lei é proteger todos os animais vertebrados, à exceção do ser humano”, esclarece a administradora do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM). Ao fazer um balanço do novo diploma, Ung Sau Hong afirma só ver melhorias em relação à legislação antiga, destacando-se o reforço dos deveres do dono.

Entre as principais novidades deste diploma, a administradora realça a criminalização da crueldade contra os animais, que agora passa a ser punida com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias. “A responsabilidade dos donos é aumentada”, refere.

Além disso, o abandono é agora sancionável com uma multa que pode ir das 20.000 às 100.000 patacas. Há, porém, exceções à norma que proíbe o abandono. “Se o dono não tiver capacidade ou não quiser continuar com a criação do animal, pode entregar ao IACM”, diz, esclarecendo que “o abandono é mais no sentido de deixar o animal sem tentar procurar um dono, como se se tratasse de lixo”.

Ao abrigo do artigo 15.º, caso um animal seja “considerado perdido a favor do IACM”, cabe a este dar-lhe “o tratamento que entenda conveniente, inclusive a medida prioritária de procura de um adoptante adequado ou, em último caso, a de lhe pôr termo à vida por meios humanitários”. Ung Sau Hong realça que a lei também constitui “um primeiro passo” no sentido de evitar a eutanásia, procurando, através desta, “sensibilizar o público para os benefícios da esterilização”, ajudando, assim, a controlar o número dos animais e a evitar, a longo prazo, o abate dos animais.

Outra exceção à punição por abandono é em caso de libertação do animal num “habitat natural adequado ao seu crescimento, sem que esta destrua o equilíbrio do ecossistema, por razões de práticas tradicionais, usos e costumes, culto, cerimónia de actividade festiva ou para fins de conservação”, conforme estipula o artigo 5.º, impondo-se, porém, a necessidade de autorização do IACM.

Conforme realça Ung Sau Hong, a intenção por detrás da sanção mais pesada aplicável ao abandono é “controlar o aumento do número de animais na rua”, tentando-se também, por isso, “encorajar os donos a praticar a esterilização dos animais” e a “promover a adoção”.

A administradora destaca ainda, entre as principais novidades da lei, a imposição de que os cães criados “em estaleiros de obras, em estabelecimentos de sucatas de veículos ou em estabelecimentos de depósitos de resíduos” devam ser submetidos a esterilização, conforme o artigo 16.º determina.

Além disso, a partir de agora, há a imposição do licenciamento dos animais aos três meses de idade.  “Anteriormente, era seis meses; agora passa a ser três meses”, destaca.

A imposição da obtenção de uma licença só se aplica aos proprietários de “cães e cavalos que tenham completado três meses de idade e que não sejam animais para competição; animais para competição”, conforme se lê no artigo 19.º, estando excluídos os gatos.

“Os hábitos e comportamentos dos cães são diferentes dos gatos”, diz Ung Sau Hong. “O sistema de registo é importante para controlar situações de doença, como, por exemplo, a raiva”, declara, esclarecendo: “Também tem de se fazer a diferenciação entre registo e proteção — os cães vadios não estão registados, mas segundo a lei são protegidos; o espírito da lei é proteger todos os animais vertebrados, à exceção do ser humano.”

Na altura da discussão do diploma em sede de Assembleia Legislativa, chegou-se à conclusão de que havia mais casos de cães na rua do que gatos e, por isso, os felinos seriam menos propensos a certas doenças.

Segundo os números publicados pelo IACM, nos primeiros sete meses do ano, foram capturados 223 cães e 78 gatos, enquanto, no ano passado, esse número aumentou para 415 e 137, respetivamente.

Mais deveres para o dono

Na nova lei, há ainda, no âmbito do acréscimo dos deveres do dono, a imposição da “condução do cão por uma trela não só nos espaços públicos, mas também nos espaços comuns do condomínio”. O incumprimento pode gerar o pagamento de uma sanção de 2000 patacas. “Para já, queremos dar ênfase à obrigação dos donos; o dono tem de tomar as medidas necessárias para evitar que o animal cause danos a outrem ou a outros animais”, destaca.

Assim, a administradora do IACM toma por referência o artigo 11.º onde são discriminados os deveres do dono, mencionando também que, a partir de agora, “os animais com um peso superior a 23 quilogramas têm de levar açaime; se não quiser que o cão leve açaime, este tem de ser submetido a uma avaliação do IACM”.

No novo diploma encontra-se ainda uma norma relativa à utilização dos animais para aplicação científica, que visa impor determinadas condições. “Recebemos queixas sobre o uso de coelhos; agora, para este fim, a entidade tem de pedir autorização ao IACM”, diz. Além disso, a lei regula outra situações “em que o animal pode ser vítima de maus-tratos”,  impondo autorização para a sua utilização em circos, exposições e espetáculos ao público.

Por razões de saúde e segurança públicas, passa a poder ser proibida, desde que definida por despacho do Chefe do Executivo, “a aquisição, criação, reprodução ou importação de animais de determinadas raças e declarada a sua perda a favor do IACM.” E isto refere-se “a todos os animais vertebrados, não apenas os cães”, realça Ung Sau Hong.

A administradora do IACM realça ainda que as sanções impostas por esta lei são muito mais pesadas do as que vinham estipuladas no Regulamento Geral dos Espaços Públicos. “Não são sanções leves o que se aplica às violações [da lei]”, referindo, a título de exemplo, a não condução do animal por uma trela. “De 600 patacas passa a pagar 2000 patacas”, realça.

De fora da Lei de Proteção dos Animais notam-se alguns assuntos, como, por exemplo, as corridas de galgos. Ung Sau Hong afirma que os galgos estão também “abrangidos” pelo diploma, ainda que as corridas propriamente ditas — sob alçada de outra tutela — não façam parte desta lei.

Sobre os estabelecimentos de venda a retalho de animais de estimação, a administradora do IACM afirma que “em breve vai ser lançada outra legislação”, mas, para já, “é proibida a venda de cães e gatos com idade inferior a três meses”.

Deverá ser publicado também um diploma relativo ao exercício da profissão de veterinário. “Vai haver uma legislação que regula a profissão de veterinário”, diz. Para já, ainda este ano, espera poder começar a auscultação do setor da atividade no que toca a estes dois diplomas.

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O antes e o depois

Na Lei de Proteção dos Animais, em vigor desde 1 de Setembro, proíbe-se explicitamente o abandono e a sanção situa-se entre as 20.000 e as 100.000 patacas. O Regulamento Geral dos Espaços Públicos, de 2004, impunha a “proibição de libertação de animais em espaços públicos”, determinando uma sanção de 600 patacas.

São várias as mudanças do anterior diploma de 2004 para a atual Lei de Proteção dos Animais, em vigor desde 1 de Setembro. E começam pelo próprio objeto da lei: o Regulamento Geral dos Espaços Públicos “estabelece a disciplina genérica das condutas a observar na utilização e fruição dos espaços públicos”, ao passo que a lei agora em vigor “regula a proteção e o regime de gestão dos animais”.

A nova lei vem punir especificamente a crueldade contra os animais, determinando logo no artigo 3.º: “É proibido o tratamento de animais por meios cruéis ou violentos ou por meio de tortura, que lhes inflijam dor e sofrimento.”

Impõe-se ainda a proibição ao dono de abandono “do animal que lhe pertence, que detém ou cria”, além de se vedar a “incitação à luta entre animais ou entre estes e os seres humanos bem como a organização dessas atividades”. É também especificamente fixada a proibição de venda de cães e gatos com idade inferior a três meses, além de se determinar a impossibilidade de venda destes ou das suas carcaças para fins de consumo.

O artigo 11.º fixa ainda uma lista detalhada de deveres do dono, incluindo pontos como a necessidade de “tomar as precauções e as medidas necessárias para evitar que o seu animal cause danos à vida, à integridade física ou aos bens alheios, ou ponha em risco a vida e a saúde de outros animais”.

Outros pontos previstos no artigo 11.º incluem a imposição, por exemplo, por parte do dono, do dever de “proporcionar ao animal alimentação e água potável adequadas, bem como espaço suficiente para a sua movimentação”, além de “assegurar as condições de segurança, abrigo, ventilação, iluminação, temperatura e limpeza do alojamento do animal” ou de “proporcionar a assistência médica necessária ao animal ferido ou doente” e de “prestar ao animal o socorro necessário ou tomar medidas impeditivas quando este sofra maus tratos por parte de outras pessoas”.

Além disso, o cão “com peso igual ou superior a 23 quilogramas, ou que seja considerado perigoso pelo IACM [Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais] (…) deve ser acompanhado por adulto e usar açaime ou coleira de cone”, a não ser que “seja aprovado na avaliação requerida pelo seu dono junto do IACM”.

Pontos como a regulamentação das lojas de animais estão fora desta lei, mas o diploma, no artigo 12.º, impõe deveres especiais em matadouros legais, mercados públicos, supermercados, estabelecimentos de comidas e bebidas, estabelecimentos de venda por grosso e a retalho, que passam por “proporcionar ao animal espaço que garanta as suas posições fisiológicas essenciais e a sua capacidade de movimentação”, além de “não usar de violência nem de atordoamento elétrico para conduzir o animal” e de assegurar a manutenção da “limpeza e ventilação do ambiente de transporte e retenção”.

O crime de crueldade passa a ser punido com pena de prisão até um ano ou com multa até 120 dias, enquanto o incumprimento da proibição do abandono incorre numa multa entre 20.000 e 100.000 patacas.

Disposições genéricas

O Regulamento Geral dos Espaços Públicos incide sobre os animais, apenas na medida em que estes se encontrem nos espaços públicos.

Por exemplo, logo no artigo 3.º refere-se que “podem ser estabelecidas regras a restringir o acesso e o uso de instalações públicas, a assistência e a participação em atividades ou espetáculos que daí decorram, bem como a permanência nesses locais” a “quem se faça acompanhar de animais”.

No artigo alusivo às atividades em espaços públicos, menciona-se também a proibição ao exercício da caça e determina-se que é vedado “danificar o habitat natural dos animais bravios”.

Além disso, “é proibido libertar animais (…) nos espaços públicos, salvo autorização do IACM (…)”, tratando-se esta da regulamentação equivalente ao abandono agora especificamente previsto na nova lei.

Num artigo dedicado à circulação de animais (9.º), refere-se ainda que “nos espaços públicos só é permitida a circulação de animais quando acompanhados e vigiados pelos seus detentores” desde que “o animal tenha licença administrativa válida, excepto se não for exigida licença; (…) esteja em condição sanitária regular;  (…) esteja preso em gaiola, em jaula ou por trela, use os aparelhos de identificação e de segurança estabelecidos na licença, não apresente sinais manifestos de doença e não se comporte de modo que possa perturbar o trânsito de veículos ou peões.”

O Regulamento Geral dos Espaços Públicos refere ainda que os detentores de animais “devem proceder à limpeza e remoção imediata dos dejectos produzidos pelos animais, excepto os provenientes de cães-guias quando acompanhantes de invisuais.”

Ao abrigo do regulamento de 2004, as sanções relativas a posse de animais de estimaçãopodem situar-se entre as 600 e as 10.000 patacas, dependendo da gravidade das infrações.

No caso específico do abandono ou dos maus-tratos de animais, de acordo com o catálogo de infrações aprovado pelo despacho do Chefe do Executivo 106/2005, quem “caçar animais bravios ou magoar ou maltratar animal criado nos jardins ou zonas verdes”, “libertar animal em zona inadequada”, “circular nos espaços públicos fazendo-se acompanhar de animal que esteja em condição sanitária irregular” ou “permitir a circulação de animal nos espaços públicos sem que ele esteja preso em gaiola, jaula, por trela ou aparelho similar ou sem que ele use os aparelhos de identificação e de segurança estabelecidos na licença”, incorre em sanção de 600 patacas.

Os pontos alusivos aos animais, e que constavam do diploma de 2004, são agora revogados e regulados pela lei de 1 de Setembro.

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