Vantagem de Macau é a capacidade de concentração

por Arsenio Reis

plataforma lusófona em Macau pode fazer sentido, “se houver meios e capacidade de decisão”, diz Pedro Pires. Sendo a China “enorme” e tendo “as relações mais variadas, com as mais variadas economias”, “concentrar em Macau a cooperação com os países que falam português pode ter alguma vantagem”, explica o ex-presidente de Cabo Verde, que dirige um instituto focado na formação dos futuros líderes cabo-verdianos. 

– Qual é exatamente o âmbito de atuação do Instituto Pedro Pires para a Liderança e quais são os seus principais objetivos?

Pedro Pires – O objetivo principal é o de formar jovens quadros cabo-verdianos, tendo em conta dois ou três princípios: primeiro, ter um pensamento estratégico e não cair no imediatismo; segundo, conhecer bem o país e a realidade nacional; terceiro, ter um pensamento crítico e evitar consumir sem digerir. Para se conhecer melhor o mundo de hoje é preciso fazer com que as ideias e as informações sejam antes tratadas e avaliadas e, só depois, consumidas.

– Formar elites dirigentes?

P.P. – São geralmente jovens quadros superiores, com limite de idade alguma experiência na administração. É um complemento da formação académica, importante para capacitar os jovens a liderarem e a dirigirem. Está claro que há todo um debate à volta do exercício da liderança e o trabalho em equipa.

– Cabo Verde é reconhecidamente um país com massa crítica, liberdade económica e de pensamento… É possível medir o valor económico desses quadros superiores?

P.P. – O país é ainda jovem e o crescimento da sociedade – e das pessoas – é um processo que não é automático. Não basta receber formação para se fazer bom uso disso. Cabo Verde conseguiu ganhos importantes em matéria de formação e educação, mas é fundamental que as pessoas aprendam a dirigir, a analisar e, até, a aprender. Não basta ter bons resultados em matéria de escolarização e de formação para ter quadros já em si capacitados. Geralmente, a capacitação faz-se depois dessa formação.

– Isso faz-se no contexto de Cabo Verde ou procura também outros apoios, no contexto das relações de Cabo Verde com outros países, nomeadamente com a China?

P.P – Recebemos a contribuições de algumas instituições estrangeiras. Trabalhamos com a Bridgewater, nos Estados Unidos, que não sendo universidade grande está bem inserida na comunidade cabo-verdiana de Massachusetts; e também com uma instituição francesa, que nos dá algum apoio. O resto recrutamos. Temos meios para chamar este ou aquele formador estrangeiro, mas utilizamos muito os formadores nacionais, que estão na posse de muitas informações. Durante a formação aprendem uns com os outros, porque é um trabalho crítico, feito em equipa e com intercâmbio de conhecimento.

– Como é que se forma um líder? O que é que é suposto ensinar-lhes?

P.P – Não há mistério nisso. Há momentos históricos em que surgem oportunidades e a pessoas ganham essas oportunidades. O resto aprende-se. O que é preciso é sentido de compromisso e engajamento. Havendo essas duas coisas, a pessoa aprende; nos livros, certamente, mas também recebendo formação. É um processo complexo, mas não há mistério nisso; não se deve ver no líder a excecionalidade de uma sociedade. Ele emerge e é fruto dessa sociedade, embora haja muitas circunstâncias que podem contribuir para isso.

– Como é que as elites cabo-verdianas olham hoje para a China? Diretamente ou pensando nas eventuais vantagens de Macau?

P.P – Os cabo-verdianos olham para a China como uma relação direta. Neste momento há cerca de 300 estudantes cabo-verdianos nas universidades chinesas, o que nos dá a ideia do grau de relacionamento entre os dois países e as duas sociedades. A ligação com a China é feita diretamente e a formação superior está a jogar um papel importante nisso, mas tenhamos também em conta que há uma presença chinesa em Cabo Verde. Há um bom número de pequenos comerciantes e de empresários já com alguma dimensão. Portanto, há uma convivência entre cabo-verdianos e chineses, quer na formação, quer no exercício de uma profissão em Cabo Verde. A China para nós também não é mistério, é uma realidade.

– E Macau?

P.P – Em relação a Macau, as relações são mais antigas. Aqui há cabo-verdianos a servirem como funcionários e há quadros cabo-verdianos que vivem e trabalham cá. Tudo isso são factos e ainda há estudantes cabo-verdianos que se formam aqui em Macau. São elementos que permitem conhecimento. Por um lado, há uma tradição; por outro, há uma descoberta. As duas relações não se condicionam uma à outra, embora se possam complementar.

– Como é que essa complementaridade se pode fazer sentir, sobretudo do ponto de vista dos países de língua portuguesa?

P.P – As coisas não acontecem automaticamente. Temos de dar tempo ao tempo para que uma ideia, um projeto, uma proposta, ganhe corpo e forma. Entendo que Macau pode ser essa plataforma, tendo em conta que é uma cidade cosmopolita, onde se cruzam gentes das várias origens. A vida económica e financeira aqui é intensa e cruza-se com a da China; portanto, Macau pode complementar a China, desempenhando esse papel de promoção da imagem dos países de língua portuguesa e, ao mesmo tempo, criando condições para negócios. Qual é a vantagem que Macau podia ter? É a possibilidade de concentração.

– Em que sentido?

P.P – A China é enorme, as relações que tem são as mais variadas e com as mais variadas economias. Concentrar em Macau a cooperação com os países que falam português pode ter alguma vantagem. Em vez da dispersão num mundo enorme, essa é uma possibilidade, sobretudo se houver meios e capacidade de decisão. Em vez de falar de toda a África, se houver um ponto em que fale só de países de língua portuguesa, é claro que vejo vantagens nisso. É uma análise pessoal que faço – não mais do que isso. 

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Pensar o futuro é pensar a diversificação

– O turismo, que representa já 25 por cento do PIB de Cabo Verde, é o setor que sugere ao investidor chinês? Ou há outras áreas de oportunidade?

P.P – O turismo é o setor mais dinâmico e expressivo, mas qualquer desenvolvimento económico recomenda a diversificação. Cabe ao próprio cabo-verdiano, e às suas lideranças, trabalharem para a diversificação. A dependência de um só setor não é desejável porque, no dia que entrar em crise, todo o país entra em crise. Pensar o futuro é pensar também na diversificação e tirar proveito das vantagens que Cabo Verde tem em matéria de turismo. Agora, há outras atividades como a prestação de serviços, o aproveitamento dos portos e da situação geoeconómica do país. Mais: o maior território de Cabo Verde é o mar; logo, a questão que se coloca é a de saber o que está no mar e o que podemos tirar dele.

– Esse debate também se faz em Portugal. Aliás, quando da China se olha para o mapa de língua portuguesa, salta à vista o seu potencial marítimo. Faz sentido olhar para isso de forma cruzada, juntando agendas atlânticas ou mediterrânicas?

P.P – Ninguém vive sozinho no mundo. Se tivermos relações uns com os outros aumenta e os países se juntarem para negociar qualquer coisa, está claro que aumenta o seu poder negocial. Cabe às lideranças desses países trabalharem  a cooperação e a possibilidade de negociarem conjuntamente. Geralmente não é fácil e muitas vezes prevalecem interesses regionais – o facto de um país estar na África Austral, por exemplo, pode condicioná-lo pelos compromissos que assume nesse contexto.

– A desertificação, sobretudo no norte de África, é um tema que tem abordado nos seus contactos internacionais. Sendo um problema global, que exige capital intensivo, faz sentido discuti-lo também com a China?

P.P – Essa questão varia de país para país. Nós continuamos inseridos no Comité Inter-Estado Permanente de Luta contra a Seca no Sahel (CILSS), onde um dos pontos é precisamente combater a aridez e a desertificação. Não se trata de um problema local; todo o mundo tem de combater os efeitos da diversificação e associar a isso o combate aos efeitos das mudanças climáticas. Faz todo o sentido colaborar e cooperar com toda a gente nessa matéria, mas deve haver também esforço interno e, até, individual. Se cada um plantar a sua árvore pode a partir daí criar toda uma dinâmica de rearborização. Além de serem vistas como matéria de cooperação e entreajuda, devem ser também um compromisso nacional e pessoal com o futuro.

– Passa por Macau depois de vários encontros oficiais na China. Quais são hoje os principais temas da cooperação bilateral?

P.P – Não exerço funções oficiais e esta foi uma visita de boa vontade, a convite de uma associação chinesa de amizade com os povos estrangeiros e com colaboração activa de uma associação amizade Cabo Verde/China. É claro que o futuro de Cabo Verde me interessa, como interessa a todos os cabo-verdianos. Por outro lado, faço sempre uma relativa promoção do país, como fiz agora junto das entidades oficiais chinesas com quem falei, chamando à atenção para os anseios, as necessidades e preocupações de Cabo Verde. Por outro, não faço a visita exclusivamente da minha livre vontade; falei com as autoridades cabo-verdianas antes de cá vir. É uma missão que faço de boa vontade e tem como pano de fundo os interesses de Cabo Verde e a possibilidade de alargar o âmbito de relacionamento com o mundo, neste caso, com a China e Macau em particular.

-O interesse chinês na África de língua portuguesa mantém-se; ou estará a diminuir por força das dificuldades económicas que a China enfrenta?

P.P. – A economia chinesa está a sofrer uma transformação: da alta intensidade da mão de obra para a alta intensidade tecnológica. Acredito que esteja em vias de o fazer, mas as economias nunca são estáticas, são dinâmicas. A intervenção da inovação e das capacidades tecnológicas influenciam tudo isso. Portanto, há mudanças que têm lugar e a economia chinesa está mudando, sobretudo na qualidade, nos seus mecanismos e nas suas ferramentas de produção. Isso coloca questões como as da formação e da capacitação, mas também emprego. A redução da taxa de crescimento vejo-a com normalidade e toda a gente devia saber que ia acontecer.

– Não só na China…

P.P. – Ninguém vive sozinho no mundo. Há uma crise mundial de natureza económica e financeira, há guerras quentes – e não frias – em certos pontos do planeta e há um arrefecimento da economia global. Certamente com efeitos também na China.

Paulo Rego

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