Marcelo pneumático

por Arsenio Reis

que dizer de um presidente da República que entra no quarto de uma menina de quatro anos, em Trás-os-Montes, e se propõe ajudá-la a batizar os bonecos? 

Que se senta à mesa da cozinha com ela a descascar uma maçã? O que dizer do espanto da mãe, tão embevecida com o gesto que garante que vai guardar os despojos do fruto como recordação? O que dizer de um presidente da República afável, comunicativo, que se multiplica em atos públicos e nunca rejeita o contacto, provando, repetida e incansavelmente, que é mesmo o presidente de todos os portugueses? A resposta é quase redundante: há que dizer bem. Marcelo Rebelo de Sousa está a cumprir aquilo que prometera e o que dele esperávamos.

O problema em Marcelo não é a projeção do seu lado popular – uma das suas, senão a sua maior, virtude. O problema em Marcelo é deixar que as suas qualidades se transformem, paradoxalmente, nos seus piores defeitos. Podem tirar o homem do comentário, mas não podem tirar o comentário do homem.

Desconfio, por princípio, dos políticos que se levam demasiado a sério. Ter um chefe de Estado bem-disposto e vitaminado não é impeditivo de ter um chefe de Estado competente, empenhado com as causas do país e ciente das suas obrigações constitucionais.

Mas este presidente parece não conseguir refrear o ascendente que o seu lado popular exerce sobre o seu lado formal. Basta um exercício simples para se perceber o quão omnipresente ele é. Uma busca no Google referente apenas às últimas 24 horas, com a palavra-chave “Marcelo”, informa-nos do seguinte: o presidente “quer mais segurança para os bombeiros”, “diz que o processo das sanções [da Comissão Europeia a Portugal] “ainda vai ser muito longo”, “considera justa presença de Sócrates na inauguração do espaço Torga”, está “confiante que fundos estruturais não serão cortados”, garante que a “administração da Caixa Geral de Depósitos [será escolhida] em “10 a 12 dias””. E por aí fora. Se recuássemos uns dias, abundariam referências do chefe de Estado às propriedades curativas da seleção nacional de futebol. Ele que também vai às flash-interviews depois dos jogos.

Ao presidente já não chega ser presidente. Ele é também o primeiro-ministro, o ministro das Finanças e o provedor de Justiça. Tem opinião sobre tudo. Basta que lhe aproximem um microfone dos lábios. Extravasa o seu campo de atuação política com uma naturalidade que só é entendível à luz da lua-de-mel que vive com António Costa.

Não me interpretam mal: não quero regressar ao quase obscurantismo comunicacional em que estava mergulhada a Presidência da República de Cavaco Silva. Mas também não morro de amores pela ideia de ter um presidente que, por querer ser normal, se transforme numa personagem banal. 

Pedro Ivo Carvalho

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