Um longo caminho a percorrer

por Arsenio Reis

integração na sociedade de Macau dos portadores de deficiência intelectual é mais difícil do que a dos que sofrem incapacidades físicas, dizem as organizações a trabalhar no terreno.

Um estudo recente do Instituto Politécnico de Macau conclui que a sociedade é inclusiva em relação aos portadores de deficiência. Porém, quem está no terreno afirma que ainda há um longo percurso a fazer, até se chegar ao nível desejado. Mais: afirmam que este estudo trata-se de um núcleo negligenciado pelo próprio Governo e que há diferenças de inclusão das incapacidades físicas em relação às deficiências intelectuais.

No mês passado, foram anunciados os resultados de um estudo realizado a pedido do próprio Governo pelo Instituto Politécnico de Macau, numa reunião da Comissão para os Assuntos da Reabilitação. “Através deste estudo conseguimos perceber que a população, de uma forma geral, aceita trabalhar com pessoas com deficiência e querem conviver com eles. Quanto aos transportes públicos, sentem-se confortáveis se houver alguém com deficiência que se sente ao seu lado”, disse Choi Sio Un, chefe do Departamento de Solidariedade Social do Instituto de Acção Social, aos jornalistas.

Para o diretor nacional da Associação de Para-Olímpicos de Macau, Hetzer Siu, cumpre pensar na definição do termo inclusão. “Se se perguntar aos cidadãos, eles vão dizer que sim [que aceitam]. Mas se lhes pedirmos para lidar com deficientes ou trabalhar com eles, o caso muda de figura”, diz ao PLATAFORMA. 

A cultura chinesa defende a bondade do ser humano e a igualdade de todos — por isso, refere Hetzer Siu, qualquer cidadão irá sempre dizer que aceita uma pessoa portadora de deficiência. Ainda assim, a realidade é outra e, sobretudo no que toca à deficiência intelectual, Hetzer Siu afirma que há ainda um “grande desconhecimento”. 

No que toca aos portadores de deficiência física, é “mais fácil aceitar”, uma vez que se pode comunicar diretamente com eles. Por outro lado, as pessoas com alguma deficiência intelectual, muitas vezes, não podem comunicar numa situação normal. Além disso, é “mais fácil” sentir uma ligação às incapacidades físicas. “Quando formos velhos, também vamos passar por elas, podemos precisar de cadeiras de rodas ou de outro material. E os Chineses têm muito respeito pelos idosos”, diz.

A evolução ao longo dos tempos

Ainda assim, Hetzer Siu garante que tem havido uma grande evolução na mentalidade da população local. No passado, encarava-se a deficiência como um castigo para as próprias famílias, mas hoje “isso já não acontece”, ainda que muitas vezes atribuam esses problemas “a heranças genéticas”. 

Para que a mentalidade mude ainda mais, há que informar. “As pessoas pensam que os portadores de deficiências intelectuais não podem trabalhar ou não podem fazer qualquer coisa, quando uma grande percentagem tem apenas uma deficiência ligeira”, refere.

Além de mais informação, Hetzer Siu afirma que o próprio Governo tem de mudar de postura. “As prioridades da Segurança Social vão sempre para os idosos, adolescentes e outros, mas nunca vemos as deficiências nas três principais prioridades. Isso não acontece noutras cidades internacionais”, defende.

Salientando que existem, hoje em dia, muitas organizações em Macau, para ajudar pessoas com deficiências — físicas ou intelectuais —, Hetzer Siu afirma que não cobrem todos os campos. “A grande maioria cobre coisas como o alojamento, mas falha, por exemplo, nos cuidados comunitários”, diz, esclarecendo que isso está diretamente relacionado com os subsídios atribuídos pelo Governo. “Já falamos várias vezes com o Executivo e pedimos que financiassem os cuidados comunitários; mas parece que o Executivo não sabe como fazê-lo, como integrá-los na comunidade, em serviços normais”, salienta.

A trabalhar na área há quase 30 anos, Hetzer Siu afirma que a sociedade de Macau está melhor, mas admite que ainda é preciso mais trabalho. E esse deve começar pelo próprio Governo. “O nosso Executivo ainda pensa que os portadores de deficiência não são assim tão importantes”, afirma. Este ano, por exemplo, com o abrandamento do crescimento económico, houve um corte orçamental no setor. “Pode, assim, ver-se as prioridades do Governo. E o corte é para todos — portadores de deficiência intelectual ou física”, diz, salientando, porém, que o Executivo presta, ainda assim, mais atenção ao segundo grupo. “Os cidadãos com incapacidades físicas podem comunicar diretamente com o Governo.”

Recorde-se que em Maio, num debate na Assembleia Legislativa, o Governo de Macau justificou a redução de apoios financeiros aos portadores de deficiência quando estes encontram emprego, como uma forma de os incentivar a sobreviver à custa do seu esforço. “Muitos deputados estão atentos à situação de [os portadores de deficiência] perderem a pensão ou subsídio quando conseguem emprego. Temos um plano de incentivo de vida, quando conseguem trabalho, descontamos os montantes consoante a realidade. Não cortamos imediatamente a pensão ou subsídio, deduzimos pouco a pouco para que consigam sobreviver à custa do seu próprio esforço”, disse a presidente do Instituto de Ação Social, Vong Yim Mui. Na altura, a deputada Chan Hong apontou a dificuldade que os portadores de deficiência têm em serem contratados, incluindo na Função Pública, e indicou que o corte nos apoios do Governo “não encoraja os deficientes a encontrar emprego”.  

Tal como anunciado durante as Linhas de Ação Governativa, no ano passado, o Governo voltou a afirmar que vai avançar com um plano de isenções fiscais para as empresas que contratem deficientes.  

Um processo gradual

Por seu turno, Kong San Lan, técnica da Associação Richmond Fellowship de Macau — uma organização que providencia formação e alojamento a portadores de doenças mentais —, afirma ao PLATAFORMA que a sociedade está a gradualmente acolher as pessoas com doenças mentais. “Tem a ver com a educação e difusão do conhecimento. Quando as pessoas têm um conceito mais correto, aceitam melhor”, diz. Ainda assim, afirma que há um longo caminho a percorrer — e as pessoas com “sintomas mais óbvios e comportamentos estranhos” continuam a não ser aceites pela sociedade. “É preciso fazer mais no que toca à educação da comunidade”, salienta.

Por exemplo, continua a ser difícil para estas pessoas encontrar um trabalho. “Algumas pessoas estão dispostas a empregá-las, mas o estado mental é um problema”, refere. É por isso que na loja social da associação, The Corner Shop, a associação procura contactar diferentes instituições para garantir estágios. “Mas precisamos de trabalhar muito, de forma a coordenar as coisas, para quando a situação mental dos estagiários não se encontra estável”, refere. Assim, frequentemente, quando são trabalhadores a tempo inteiro, sem qualquer acompanhamento, é frequente serem despedidos.

Ainda assim, garante que se veem muitas diferenças ao longo dos anos. “Há mais apoio social a pessoas com doenças mentais, inclusivamente garante-se habitação pública e direito a subsídios”, diz, referindo que “se tiverem menos pressão e dificuldades na vida quotidiana, podem viver de forma mais estável, integrando-se, suavemente, na sociedade”.

No que toca ao papel do Governo, Kong San Lan afirma que “tem demonstrado boas intenções”, mas que deve levar a cabo um programa específico, ao invés de apenas atribuir dinheiro. “Por exemplo, poderiam servir de exemplo e empregar pessoas com doenças mentais. Ou poderiam recompensar instituições que o fizessem.” 

Luciana Leitão

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