Dissuasores de amantes:panaceia para o casamento falhado ou ocupação lucrativa

por Arsenio Reis

“A terceira pessoa”, um termo pejorativo que tem ganhado popularidade na Internet, refere-se a um terceiro elemento que interfere num casamento. A maioria destas “terceiras pessoas” são mulheres, também chamadas de amantes.

Poderá ser difícil imaginar que tal denominação desdenhosa tenha dado origem a uma nova profissão, um “dissuasor de terceiras pessoas” ou “desencorajador de amantes”. Se procurarmos o termo em motores de busca, surgirão cerca de 80.000 resultados. Esta atividade em ascensão começou inicialmente nas grandes cidades de Xangai, Chengdu e Shenzhen, estando agora a espalhar-se por toda a China; está a revelar-se um fenómeno surpreendente.

Nova indústria

Durante a Segunda Cimeira de Serviços Conjugais e de Aconselhamento Familiar da China, realizada em Xangai em outubro de 2015, o patrocinador Weiqing International Marriage Hospital and Emotion Clinic Group formulou e lançou uma convenção destinada especificamente a persuadir as amantes a afastarem-se das relações conjugais. O grupo também abriu uma linha direta de queixas e criou cursos de formação em dissuasão de afetos errantes, com custos chegando a uns estonteantes 300.000 RMB (46.235 dólares).

“Dissuasor de amantes”, o termo em voga, tem estado inevitavelmente associado ao aumento constante da taxa de divórcio da China ao longo dos últimos 12 anos (de acordo com um estudo, 80 por cento dos casamentos falhados foram causados por um “problema extraconjugal”).

“Desde a nossa fundação temos estado envolvidos em consultadoria e outros serviços destinados a manter afastada a intervenção de terceiros em casamentos”, disse o presidente do Weiqing Group, Shu Xin. De acordo com ele, o grupo pretende ajudar esposas que desejam proteger os seus casamentos após descobrir que os maridos 

têm casos extraconjugais. “Existe uma oportunidade de negócio nos casamentos” afirmou.

Como dissuadir amantes 

Kang Na, de 28 anos, é o líder de uma empresa em Shenzhen que trabalha no sentido de ajudar casais separados a fazer as pazes. Desde 2012, a sua equipa tem servido cônjuges e namorados à beira da rutura, isto é, dissuadindo terceiros de continuar a interferir com os casamentos de outros.

Um dos seus métodos consiste em criar um novo círculo social para a amante, que irá facilmente desistir do seu papel desonroso no casamento do cliente ao encontrar um melhor potencial parceiro.

Coincidentemente, Luo Rong, que também tem trabalhado em salvar casamentos em Chongqing, revelou contratar vários homens altos e atraentes para fingirem ser ricos e simularem interesse na amante, na esperança de a distrair. “Poderei pensar em várias maneiras de sabotar a relação da amante com o marido da minha cliente mas nunca usaria métodos ilegais como a perseguição, monitorização ou ameaças.”

Com esta tendência em crescimento, uma série de chamadas empresas de investigação, detetives ou consultoria, que há muito existem à margem das leis estatais, têm-se “transformado” em “consultoras de dissuasão de terceiros”.

Nesta indústria em rápida expansão, o Weiqing Group recebeu uma das coberturas mais intensivas.

De acordo com Ming Li, o conselheiro-chefe do grupo, já salvaram 5.136 casamentos desde a sua fundação há 15 anos, terminaram 5.859 casos extraconjugais e dissuadiram 6.270 “terceiras pessoas” de comprometer casamentos alheios. Estima-se que seriam capazes de ajudar diariamente pelo menos 1,65 casais a recasar, reunir 3,65 famílias, salvar um casamento e dissuadir 1,5 amantes se trabalhassem sem férias durante todo o ano.

Possuem quatro métodos principais de dissuadir “terceiras pessoas”: ajudando-as a encontrar namorados melhores, tomando medidas para que se afastem por razões de profissionais, pedindo aos pais ou familiares para os persuadir ou dando-lhes a descobrir os defeitos dos seus “namorados”.

Para salvar um só casamento, necessitam geralmente de uma equipa composta por membros com diferentes experiências e estilos distintos. O processo complexo envolvendo persuasão, alienação, hipnose ou incentivo leva muitas vezes seis a oito meses e requer um pagamento de 300.000 a 600.000 RMB (46.153 a 92.307 dólares).

“O nosso objetivo consiste em contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade harmoniosa e levar adiante uma energia positiva”, afirmou Ming.

Uma profissão marginal

Liu Weimin, diretor da Associação de Consultores Conjugais e Familiares de Guangdong, que esteve presente na Segunda Cimeira de Serviços Conjugais e de Aconselhamento Familiar da China realizada com o intuito de estabelecer padrões profissionais para “dissuasores de terceiros”, disse que a atividade “não passa de um absurdo”.

Na opinião de Liu, o cargo denota uma discriminação frívola contra as mulheres. Julgar alguém como “terceira pessoa” sem provas carrega suspeitas de calúnia. Para além disso, o Ministério de Recursos Humanos e Segurança Social (MHRSS, na sigla em inglês) ainda não emitiu um certificado de qualificação para os “dissuasores de terceiros”.

Ming Li explicou durante uma entrevista que a maioria dos dissuasores são na verdade conselheiros especializados em matérias conjugais e familiares, que devem possuir certificados profissionais promulgados pelo MHRSS.

Chen Yiyun, um conhecido especialista em relacionamentos e investigador da Academia Chinesa de Ciências Socias, é professor de Shu Xin. Apesar da sua amizade próxima, Chen clarificou que a profissão não é justificável e que o MHRSS nunca a irá qualificar.

Contudo, Shu afirmou que “dissuasor de terceiros” é apenas um termo popularizado pelos média, a maioria deles são na realidade conselheiros amorosos e conjugais. Enquanto forem capazes de impedir amantes ou outros elementos externos de interferir em famílias estabelecidas, não precisam de qualificações.

“O processo de dissuasão envolve a probabilidade de invasão da privacidade de terceiros”, disse Liu. “Em termos da regra geral do Direito Civil, a conduta profissional tem de respeitar as leis e regulamentos assim como a ordem pública e moralidade social. Desempenhar papéis e ocultar identidades são práticas fraudulentas, logo são ineficazes e não são legalmente reconhecidas.”

Para além disso, Liu referiu que os custos proibitivos cobrados pelos “dissuasores de terceiros” poderão prejudicar seriamente o mercado e por conseguinte correr o risco de conduzir a indústria pelo caminho errado. Chen também concorda com este ponto de vista, afirmando que um “dissuasor de terceiros” irá inevitavelmente gozar de lucros extravagantes após pagar cerca de 300.000 RMB (46.153 dólares) pelo curso de formação. Por isso, terão tendência a recorrer a meios ilegais e até mesmo a fraude para atender às necessidades do cliente.

Para além das preocupações quanto às regulações do mercado, existe a angústia de que a “dissuasão dos afetos errantes” trate apenas os sintomas em vez das causas. De acordo com Chen, uma “terceira pessoa” pode ser a causa de um casamento desfeito mas pode também ser o resultado de outras questões subjacentes, por isso é potencialmente fútil para um conselheiro conjugal dissuadir cegamente a “terceira pessoa”.

Luo Huilan, membro da Associação Matrimonial e Familiar da China e professora na China Women’s University, disse que o aconselhamento conjugal e familiar inclui consultoria para casos extraconjugais, que devem conter a sua própria ética e códigos profissionais. Contudo, atualmente, a maioria dos métodos usados pelos dissuasores tende a roçar a fronteira da lei. “Logo, não acho que os “dissuasores de terceiros” tenham alguma coisa a ver com os conselheiros conjugais e familiares, e são de pouca utilidade prática na promoção da harmonia familiar.”

Nas palavras de Liu, o valor mais significativo da indústria do aconselhamento conjugal e familiar reside na sua natureza filantrópica e social. O mercado vem em segundo lugar. “O objetivo do aconselhamento conjugal e familiar é o de proteger famílias afetadas por vários problemas, manter relações conjugais saudáveis e harmoniosas e promover a estabilidade social. De forma alguma iremos remar contra esta intenção original.”

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Consultora afasta amantes de homens casados

Empresário audaz – para desgosto de muitos cavalheiros chineses de meia-idade – Shu Xin é o fundador da ‘Weiqing Marriage Counselors’ (“Consultora para Assuntos Matrimoniais”), uma agência especializada em ajudar mulheres a afastar as amantes dos maridos.

Com escritórios de representação em 59 cidades chinesas e 320 funcionários, aquela empresa foi fundada há 16 anos com a missão de “salvar casamentos ameaçados por relações extra matrimoniais”.

O método mais utilizado consiste na simulação de uma amizade com a ‘xiaosan’ (o termo em chinês para amante e que literalmente significa “pequena terceira”).

Neste caso, uma das funcionárias da firma de Shu faz-se passar por vizinha ou concorre a um emprego na mesma empresa da jovem.

Depois de estabelecido o primeiro contacto, a confiança é gradualmente conquistada: “Vão viajar juntas, fazem compras, trocam presentes”, descreve Shu à agência Lusa.

Finalmente, é preciso convencer a ‘xiaosan’ a terminar o caso: “A nossa agente fá-la sentir-se culpada; explica-lhe que está a destruir uma família e que a relação não tem futuro”.

Shu, que antes de se tornar em santo padroeiro do casamento à ‘chinesa’ já oferecia conselhos sentimentais numa revista, decidiu fundar aquela consultora após entrada em vigor da nova lei do divórcio na China.

“Na geração dos meus pais, quando surgiam problemas no casamento, recorria-se à intermediação de familiares, amigos, do patrão ou colegas de trabalho”, explica Shu.

Nos raros casos em que marido e mulher não faziam as pazes, o divórcio dependia então da aprovação dos chefes das respetivas “danwei” (unidade de trabalho).

Aquela entidade era então responsável por fornecer bens básicos e habitação e os trabalhadores dependiam da sua permissão para quase tudo, ilustrado o caráter intrusivo do Estado durante o “reinado” do líder comunista Mao Zedong.

“Hoje, o chinês deixou de ser o “danweiren” (membro da unidade de trabalho) e passou a ser um cidadão livre” e, quando surgem problemas no casamento, “a primeira reação é trocar de companheiro (a)”, diz Shu.

“Há quem se case de manhã e de tarde já esteja a pensar em divorciar-se”, descreve, sorridente.

A boa disposição do empresário não admira: a sua consultora cobra 360 dólares à hora e o serviço completo nunca fica abaixo dos 36 mil.

Por vezes, é o próprio infiel a contratar os seus serviços, como um homem que tinha oito amantes, todas conhecidas entre si, e que até “celebravam juntas datas especiais”.

Em 2008, a crise financeira global quebrou com a harmonia.

“Nessa altura, eram os homens que nos contactavam para se verem livres delas. Deixaram de conseguir suportar os gastos”, conta Shu.

Nos últimos anos, o adultério surgiu associado à queda de dezenas de quadros superiores chineses.

Embora não seja um crime punido pelo Código Penal chinês, é considerado “uma violação da moral socialista” e “um comportamento inaceitável” para os membros do Partido Comunista da China.

O antigo ministro dos Caminhos de Ferro Liu Zhijun, condenado à morte com pena suspensa por dois anos, em 2013, teria “mais de uma dezena de amantes”, entre as quais “várias atrizes”, disseram os jornais na altura.

Já Zhou Yongkang, o mais alto líder chinês preso condenado por corrupção desde a fundação da China comunista, em 1949, terá mantido diferentes amantes em seis “residências privadas”.

Para Shu, alguns destes casos assemelham-se ao uso de concubinas.

“Era uma prática comum, até ao estabelecimento da República Popular da China”, conclui. 

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