O Fórum tem ser mais agressivo

por Arsenio Reis

Há “vontade política” e a “capacidade institucional instalada”. Mas o Fórum Macau precisa de sair da zona de conforto e criar no terreno “pontes entre os empresários lusófonos, chineses e macaenses”, defende o cônsul-geral de Moçambique em Macau. A comemorar 41 anos de independência, Rafael Marques Custódio admite que o desenvolvimento é ainda “insipiente”, mas acredita que a deslocalização de alguma produção chinesa para Moçambique contribuirá para um plano de crescimento mais sustentado.

– Qual é a importância desta semana de Moçambique para a visibilidade do país em Macau?

Rafael Marques Custódio – É extremamente importante. Primeiro, porque enquanto moçambicanos comemoramos 41 anos de independência, a 25 de Junho; depois, para a comunidade residente em Macau é uma oportunidade para interagir com outras comunidades – macaenses e não macaenses. Daí também a semana gastronómica promovida pela Associação dos Amigos de Moçambique. Os sabores são sempre uma forma de recordar e viver o país.

– Como avalia a iniciativa, tendo em conta as edições anteriores? 

R.M.C. – A avaliação é positiva. Pessoalmente, participei pela primeira vez no ano passado, pois antes não havia Consulado de Moçambique em Macau. Mas a adesão é muito grande, não só por parte dos moçambicanos como também por parte dos macaenses e de outras nacionalidades. O Grand Lapa ter aderido à semana gastronómica ajuda porque, sendo um hotel que congrega várias nacionalidades, as pessoas acabam por querer provar e conhecer a culinária moçambicana.

– Significa isso que a comunidade anglosaxónica está mais consciente da ligação de Macau aos países de língua portuguesa?

R.M.C. – Penso que sim. O papel de plataforma já é uma espécie de bandeira de Macau, que acabou por atrair atenções não só nos países de expressão portuguesa como em outros países, incluindo os anglosaxónicos. Sabe que nas relações internacionais há sempre alguma concorrência; logo, existindo uma plataforma que facilita a relação da China com os países de língua portuguesa, as outras comunidades procuram saber quais são as oportunidades e como podem tirar vantagem dessa plataforma.

– Esse interesse alargado é positivo? 

R.M.C. – A Moçambique interessa porque nos expõe mais, não só em Macau e na China, o que pode significar mais investimento para além do chinês.

– Alexandre Correia da Silva, presidente da Associação angolana, defendeu em tempos a federação de interesses e uma agenda comum a todas as comunidades de língua portuguesa em Macau. Embora não tenha avançado, parece-lhe que essa ideia pode um dia ter caminho? 

R.M.C. – Não tenho a certeza. Todos os países de língua portuguesa têm relações bilaterais com a China; o que não quer dizer que a comunicação não possa ser mais fluida, quer entre nós quer entre nós e a própria China.

– Presumo que se refira mais à diplomacia económica e ao Fórum Macau…

R.M.C. – Seria uma forma de encontrar aspetos de solidariedade comuns, ao nível social e cultural. Exemplo disso é a Festa da Lusofonia, a propósito da qual as diversas comunidades interagem numa agenda comum. Parece-me para já importante aproveitar as estruturas existentes, quer ao nível do Fórum Macau – no campo económico e comercial – quer no contexto da Festa da Lusofonia. Temos de melhorar e catalisar o que existe antes de dispersarmos atenções.

– O Fórum Macau é sempre um tema sensível para os diplomatas. Por um lado, fixa o conceito de Macau enquanto plataforma; por outro, encaixa muitas críticas por força de resultados pouco palpáveis. Esperava mais desta estrutura?

R.M.C. – É uma uma organização que vai fazer 13 anos; é ainda muito jovem para cumprir o objetivo de tornar Macau uma plataforma entre a China e os países de língua portuguesa. Contudo, ao nível bilateral essa cooperação existe e está a fluir.

– O Fórum Macau facilita as relações bilaterais? 

R.M.C. – O que se pretende, ao nível empresarial, é aglutinar interesses de empresários chineses e de língua portuguesa. Acho que esse papel de facilitador está paulatinamente a ser atingido.

– Pode ainda crescer?

R.M.C. – Pode. E tem pernas para andar.

– Essa vontade é comum a todos os países representados no Fórum Macau?

R.M.C. – Penso que o sentimento é comum. Contudo, o Fórum tem de ser mais ousado; tem de se deslocar e estar mais presente nos países de língua portuguesa, uma vez que o seu o tecido-alvo é o empresariado. As pequenas e médias empresas, em Moçambique, Angola ou Portugal, têm pouca capacidade de se deslocarem à China e pouca informação sobre essa ligação. Vontade há; todos os nossos países querem exportar ou encontrar parceiros na China. Mas o Fórum tem de jogar um papel mais agressivo. A vontade política está lá e a capacidade institucional está consolidada; agora é preciso encontrar pontes entre os empresários de língua portuguesa, chineses e macaenses.

– Macau tem poucos empresários…

R.M.C. – Há empresários em Macau… Moçambique até se pode dar por contente porque já tem uma empresa de Macau a operar em Moçambique – a Charlestrong. Mas são precisas muitas mais.

– O perfil do investimento chinês estará a mudar… das linhas de crédito estatais para empréstimos comerciais às empresas. Por um lado, contornando os tetos de endividamento; por outro, envolvendo consórcios sino-lusófonos para parcerias público-privadas. Concorda com essa nova estratégia? 

R.M.C. – Em Moçambique, a tendência é dar cada vez maior importância ao envolvimento das

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Desenvolvimento ainda insipiente

Já lá vão 41 anos de independência, mas os confrontos militares com a Renamo voltaram e a crise económica, não sendo um exclusivo de Moçambique, retrai o investimento externo. Como é que a China reage a este contexto?

R.M.C. – Moçambique não é uma ilha, ressente se da situação global e é verdade que a situação a que se refere tem provocado alguma retração do investimento interno e externo. Contudo, no caso especifico da China , nos últimos cinco anos foram aprovados quase uma centena de projectos de investimento directo chinês na ordem dos 823 milhões de dólares. Só no primeiro trimestre deste ano foram aprovados dez projectos na ordem dos 148.733.333 milhões de dólares americanos susceptíveis de criar 4.317 postos de trabalho.

– Em que sectores?

R.M.C. – Energia, recursos minerais e hídricos, infraestruturas, agricultura… Durante a visita do Presidente Nyusi à China foram alcançados alguns entendimentos, que passam pela criação de um parque industrial e o estabelecimento de zonas económicas especiais. Foi também assinada uma parceria entre a empresa moçambicana de hidrocarbonetos e a empresa de petróleos da China para acelerar a prospecção de gás na Bacia de Rovuma – uma das maiores jazidas do mundo. Houve ainda compromissos no sentido de mobilizar empresários chineses a investirem e, em resultado disso, 150 empresários chineses já visitaram Moçambique. Está previsto que em Julho outros 80 devem ter encontros com empresários moçambicanos e as autoridades governamentais. 

– São indicadores…

R.M.C. – Bons indicadores que mostram, apesar da crise, que a cooperação é elevada. Moçambique precisa de reforçar a produção e já há um protocolo com a China no sentido de se reforçar o investimento em áreas estratégicas como a da construção civil e do turismo… Só isso nos pode tirar do marasmo. O endividamento de Moçambique resulta sobretudo de um défice muito grande entre importações e exportações.

-Não conseguiram diversificar a economia?

R.M.C. – Ainda não. Mesmo em áreas prioritárias o desenvolvimento é ainda insipiente. Precisamos de muito mais gás, investimento, novas tecnologias, transferência de know-how… 

– A crise na Europa deixa Moçambique mais dependente da China?

R.M.C. – Moçambique pauta-se pela sua grande abertura em termos de cooperação. Não estamos dependentes da China, como não estamos amarrados a qualquer outro país. O mercado está aberto a Portugal, África do Sul, Espanha, Itália… A tendência é que decresça o volume de investimento, mas estamos abertos a gente.

– Está na agenda moçambicana transformar o país numa plataforma para o investimento chinês em África?

R.M.C. – Uma das estratégias para o desenvolvimento da África Austral passa pela criação de corredores de transportes e de comunicações. Maputo foi a primeira capital no sector das comunicações – ao nível da SADEC – precisamente por causa da sua localização geográfica, com ligação a países do interland como o Zimbabué, Malawi e Zâmbia. O que as empresas chinesas produzirem em Moçambique terá depois mercado regional e continental. Há ainda as linhas de caminho de ferro que ligam o interland.

– Do  ponto de vista geoestratégico, o mar é hoje tão importante como era há 50 anos?

R.M.C. – Tem cada vez mais importância, porque a maior parte do transporte é marítimo. Nesse aspeto, Moçambique tem uma herança natural privilegiada. 

– A China demonstra interesse específico nos portos e na orla marítima moçambicana?

R.M.C. – A orla marítima vai-se tornando mais relevante à medida que o desenvolvimento se instala, sobretudo quando falamos de importação e exportação. A China consome uma série de produtos que poderá um dia produzir em Moçambique e colocar em qualquer canto da China, por via marítima. Essa é a nossa grande aposta. 

– Defende a deslocalização de alguma indústria chinesa para Moçambique?

R.M.C. – Sim. Não só para consumo em Moçambique, mas a nível regional e continental; mas também na própria China. No passado as fábricas da Alemanha foram transferidas para a China. Porque não pode acontecer o mesmo em África. A china está a reestruturar a sua economia pode transferir know-how, empresas e tecnologias para, a partir de Moçambique, alimentar o mercado chinês. É uma ideia que pode ser brilhante. 

Paulo Rego 

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