“Pesadelo” um ano depois das detenções

por Arsenio Reis

Um ano depois das detenções dos ativistas angolanos, que se reuniam em Luanda para discutir política e que foram condenados até oito anos e meio de prisão por rebelião e associação de malfeitores, as famílias dos 17 jovens privados de liberdade dizem que ainda não têm respostas para o que aconteceu.

As detenções começaram a 20 de junho, o julgamento, por entre greves de fome e mais de seis meses de prisão de preventiva, arrancou em novembro e ao fim de sucessivos atrasos a condenação chegou a 28 de março e nem os três diferentes recursos interpostos pelos advogados de defesa, aceites pelo tribunal, impediram os jovens de seguir para a cadeia para começarem a cumprir pena.

“O que é que eles fizeram”, questiona, em declarações à Lusa, Júlia de Oliveira, mulher do ativista José Gomes Hata, condenado a quatro anos e seis meses de prisão efetiva, por atos preparatórios para uma rebelião e associação de malfeitores. Desempregada e com três filhos, de 3, 5 e 11 anos, conta que está a passar por dificuldades, sobretudo financeiras, mas falta igualmente o apoio moral.

“Está a ser difícil a ausência do pai para os meus filhos. Para mim é chocante quando perguntam pelo pai, o maior responde sempre que o pai está no tribunal. Por decisão da família nunca o foram visitar”, contou Júlia Oliveira.

Hoje, praticamente um ano depois de o “pesadelo” ter começado, admite que o dia da condenação foi o mais difícil: “Foi como se o mundo tivesse acabado”, desabafou.

A defesa recorreu das condenações, logo após, para o Tribunal Supremo e para o Tribunal Constitucional, processos preparados pelas três equipas de advogados dos 17 jovens. Foi ainda interposto um pedido de ‘habeas corpus’ para o Supremo, pedindo o regresso à condição carcerária anterior (prisão domiciliária para a generalidade) enquanto os recursos não são decididos.

Mais de dois meses depois, os tribunais nada responderem ainda, mas a surpresa dos advogados é com a ausência de uma decisão sobre o ‘habeas corpus’. “Este não é um recurso verdadeiramente, é um expediente que deve ser célere, em qualquer parte do mundo é despachado em 48 horas, para garantir os direitos das pessoas. Nós estamos há quase dois meses a aguardar, com os jovens a cumprir pena. É tudo muito estranho”, observou o advogado David Mendes, que integra uma das três equipas de defesa.

Famílias esperam libertação 

Alheia às questões processuais, Virgínia Micolo é mulher do ativista Nelson Dibango, condenado a quatro anos e três meses, mas diz-se convicta que o marido saia antes do fim da pena. Em conversa com a Lusa contou que tem passado por várias dificuldades, apesar de ter conseguido um emprego, em dezembro. Contudo, está há quatro meses sem receber os salários.

“Perguntam-me se não tenho medo, que possa estar a ser seguida, eu respondo que não, porque não fiz mal à ninguém e o Nelson está onde está, mas não fez mal nenhum”, atira. Virgínia Micolo recorda que há um ano, quando Nelson Dibango foi preso, tinha acabado de ser operada devido a uma cesariana mal feita, que quase a levou à morte.

“Esqueceram-se de uma compressa lá dentro, o Nelson fez uma confusão na maternidade que quando me disseram que ele tinha sido preso, pensei que tinha sido por isso. Depois, quando me disseram que era por um golpe de Estado, fiquei assustada”, recordou.

A viver em casa dos sogros com dois filhos, de 1 e 6 anos, os momentos de angústia são mais fortes quando as crianças adoecem e chamam pelo pai. “O mais velho pergunta pelo pai e quer saber quando vai regressar a casa, e eu fico sem resposta”, lamenta.

Por sua vez, Leonor João, mãe do ativista Afonso Matias ‘Mbanza Hanza’, considerou “crítico ver um filho nessa situação”. Garante que a Justiça será feita quando o seu filho for posto em liberdade: “Eu quero que ele saia, os que mataram estão livres, por que é que eles não saem”, questiona-se.

Segundo de quatro filhos, Mbanza Hanza era professor até à altura da sua detenção, e com o seu salário ajudava a mãe, igualmente professora do ensino primário.

“Agora tudo depende de mim e dos irmãos, o sustento da sua família – dois filhos e a mulher que não trabalha – falta tudo, dinheiro, alimentação”, explicou.

Leonor João referiu que foi cortado, desde janeiro, o salário de Mbanza Hanza, sem qualquer justificação, acrescentando que também não vê apoio familiar por medo de represálias.

“No meu serviço vão lá sempre os ‘sinfos’ (Serviços de Inteligência e Segurança do Estado), mas nunca vieram falar comigo. As pessoas é que me contam que vão lá perguntar coisas sobre mim, à procura de qualquer irregularidade para me despedirem, eu sei”, lamentou.

Neste processo, 15 dos ativistas estiveram em prisão preventiva entre junho e 18 de dezembro, quando foi revista a medida de coação pelo tribunal, passando então a prisão domiciliária.

As duas jovens também julgadas e condenadas nunca chegaram a ser detidas e aguardaram o desfecho do julgamento, que decorreu entre 16 de novembro e 28 de março, em liberdade.

O julgamento decorreu entre 16 de novembro e 28 de março na 14.ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda, tendo o ‘rapper’ luso-angolano Luaty Beirão sido condenado a uma pena total de cinco anos e meio de cadeia, enquanto o professor universitário Domingos da Cruz, autor do livro que o grupo utilizava nas suas reuniões semanais para discutir política, viu o tribunal aplicar-lhe uma condenação de oito anos e meio, por também ser o suposto líder da associação de malfeitores.

Na última sessão do julgamento, o Ministério Público deixou cair a acusação de atos preparatórios para um atentado ao Presidente e outros governantes, apresentando uma nova, de associação de malfeitores, sobre a qual os ativistas não chegaram a apresentar defesa, um dos argumentos dos recursos.

O tribunal deu como provado que os acusados formaram uma associação de malfeitores, pelas reuniões que realizaram em Luanda entre maio e junho de 2015 (quando foram detidos). Num “plano” desenvolvido em coautoria, pretendiam – concluiu o tribunal – destituir os órgãos de soberania legitimamente eleitos, através de ações de “Raiva, Revolta e Revolução”, colocando no poder elementos da sua “conveniência” e que integravam a lista para um “governo de salvação nacional”.

Os ativistas garantiram em tribunal que defendiam ações pacíficas e que faziam uso dos direitos constitucionais de reunião e de associação.

Nisa Mendes e Paulo Julião

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