O RBI da Suíça e os cheques pecuniários de Macau

por Arsenio Reis

No dia 5 de junho, foi realizado na Suíça o referendo sobre o Rendimento Base Incondicional (RBI), e os resultados estiveram de acordo com as sondagens efetuadas aos cidadãos, nas quais uma grande maioria de 72% se opôs à iniciativa. Segundo esta proposta, todos os suíços, incluindo estrangeiros a residir legalmente na Suíça há mais de 5 anos, poderiam receber 2500 francos suíços por mês (cerca de 20.000 patacas) sem precisarem de trabalhar. Este número é aproximadamente metade do montante total dos oito anos do Plano de Comparticipação Pecuniária do governo da RAEM, que teve início em 2008, sendo que em 2016 o valor será de 9000 patacas. Contudo, após ter sido anunciado no ano passado pelo Chefe do Executivo, Fernando Chui, durante o Relatório das LAG na Assembleia Legislativa que este ano o valor do cheque pecuniário permaneceria nas 9000 patacas, será preciso esperar o momento de emissão dos cheques para saber.

A Suíça e Macau são dois locais fisicamente distantes e com circunstâncias totalmente diferentes. Os cidadãos suíços rejeitaram o “salário sem trabalho”, enquanto os macaenses aguardam ansiosamente os seus cheques. Acredito que seja uma questão de diferença de valores. Os suíços não querem comer o maná que cai dos céus, e acreditam sobretudo que o Rendimento Base Incondicional (RBI) não passa de algo utópico, com todas as consequências que isso acarreta: é um sistema impossível de concretizar, irá fazer muitas pessoas deixarem de trabalhar e reduzir a produção, vitalidade e receitas fiscais, prejudicando toda a economia. Por outro lado, os cidadãos macaenses desfrutam há oito anos da distribuição de bónus monetários, e já veem o programa de comparticipação pecuniária como um benefício ao qual têm todo o direito, principalmente no que diz respeito às famílias de baixo rendimento para as quais os cheques têm uma importância ainda maior na sua subsistência.

Olhando para a questão de outra perspetiva, a Suíça é um país que valoriza o trabalho árduo. Antes do referendo, quase todos os partidos do governo apelaram aos cidadãos para votarem contra a proposta, e os suíços olharam para a questão do RBI de forma bastante pragmática, sendo difícil para um cidadão comum aceitar a noção do salário sem trabalho.

Os macaenses, porém, já se habituaram nestes oito anos às regalias do Plano de Comparticipação Pecuniária. Para além disso, o valor passou gradualmente das 5000 patacas iniciais para 9000, fazendo deste um “hábito” cada vez maior e mais forte que será difícil de alterar. Contudo, difícil não significa impossível. Quando em 2008 o governo da RAEM apresentou o Plano de Comparticipação Pecuniária, não foi como algo permanente, mas apenas temporário. Ele era, para além disso, uma proposta com base na situação próspera das receitas financeiras. Desde 2013, as receitas fiscais da indústria do jogo, a principal fonte de receitas de Macau, têm estado em constante declínio, sendo necessário reavaliar a existência do Plano de Comparticipação Pecuniária assim como outras questões.

Como diz o ditado, “depois de montado o tigre, é difícil desmontar”. Para sair desta situação e efetuar uma reavaliação do programa, o governo da RAEM tem necessariamente de fazer uma consulta extensiva da opinião pública em Macau. Com base nas datas anteriores de envio dos cheques, estes deverão começar a ser distribuídos no próximo mês a todos os cidadãos qualificados, sendo esta a melhor altura para tal avaliação, já que as opiniões recolhidas poderão ser usadas como referência ou base para o orçamento ou o Relatório das LAG de 2017.

A tarefa de avaliação presta-se a uma abordagem abrangente. Para além de várias consultas públicas, o assunto poderá ser lançado para debate a organizações, instituições, grupos académicos e de discussão política, assim como comentadores profissionais. Fazer deste assunto a ordem do dia em toda a cidade terá como objetivo fazer um levantamento de opiniões sobre o Plano de Comparticipação Pecuniária.

Abrindo uma “discussão” sobre este assunto em toda a cidade, poderemos evitar o termo sensível de “referendo”, semelhante ao da Suíça, e construir uma base forte para o futuro do Plano de Comparticipação Pecuniária. Tal como disse Daniel Haeni, defensor do RBI e dono de um café em Basileia, na Suíça: “Desde o início que o assunto provocou um debate aceso sobre os seus prós e contras”. Andreas Ladner, professor de ciência política da Universidade de Lausanne, disse: “A proposta destinava-se apenas a dar início a uma discussão”. Outro defensor da iniciativa, Ralph Kundig, comentou: “O simples facto de termos um amplo debate público sobre o assunto já é uma vitória”. 

DAVID CHAN

 

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