4,5 milhões de escravos modernos

por Arsenio Reis

Pelo menos 45,8 milhões de pessoas estão sujeitas a uma qualquer forma de escravatura em todo o mundo, estima-se no Índice Global de Escravatura 2016, elaborado pela Fundação Walk Free, com sede na Austrália.

Segundo o resumo do índice da fundação, criada em 2012 pelo casal filantropo australiano Andrew e Nicola Forrest, e pela filha de ambos, Grace, o total de casos estimados aumentou significativamente desde 2012, quando as projeções indicavam que existiam cerca de 35 milhões e pessoas sujeitas à escravatura.

No resumo, que não avança os números de cada país, é indicado que a Coreia do Norte, Uzbequistão, Camboja e Índia são os Estados com maior índice de prevalência de “escravatura moderna”, em cujo “top 11” se incluem também a China, Paquistão, Bangladesh, Rússia, Nigéria, República Democrática do Congo (RDCongo) e Indonésia.

“Muitos destes países produzem com o mais baixo custo bens de consumo para abastecer os mercados da Europa Ocidental, Japão, América do Norte e Austrália”, lê-se no documento, que salienta, porém, que vários países ocidentais já começaram a legislar para combater o abuso em indústrias chave, entre eles Portugal.

Além do Reino Unido, pioneiro na legislação de combate à “escravatura moderna”, e de Portugal, estão também na primeira linha a Holanda, Estados Unidos, Suécia, Austrália, Croácia, Espanha, Bélgica e Noruega.

A nova legislação, que criou critérios mais precisos na definição e nas políticas de combate a quaisquer formas de escravatura moderna, obriga os governos a identificar os sobreviventes e criar mecanismos de justiça criminal e de coordenação.

Obriga também a aplicar medidas para viabilizar a melhoria de comportamentos e dos sistemas e instituições sociais, bem como garantias de que as grandes empresas e governos evitem comprar mercadorias de países que contam com qualquer forma de escravatura moderna.

Do lado oposto, segundo o índice, os países que menos fazem para alterar a lei estão a Coreia do Norte, Irão, Eritreia, Guiné Equatorial, Hong Kong, República Centro-Africana, Papua Nova Guiné, Guiné-Conacri, RDCongo e Sudão do Sul.

No índice da Fundação Walk Free refere-se, por outro lado, que, mesmo quando o país tem um Produto Interno Bruto (PIB) elevado, casos de Hong Kong, Qatar, Singapura, Kuwait, Japão e Coreia do Sul, a riqueza adquirida não significa que haja um combate efetivo ao fenómeno, pelo que lhes recomenda maior empenhamento na luta.

No extremo oposto, o índice realça que países como Brasil, Filipinas, Geórgia, Jamaica e Albânia estão a efetuar “grandes esforços” para combater o fenómeno, apesar de terem recursos relativamente menores dos que os países ricos.

Como regiões e países em que são estimadas menor prevalência de qualquer forma de escravatura moderna, explica-se no índice, figuram a Europa Ocidental, América do Norte, Austrália e Nova Zelândia, casos em que é crescente o combate ao fenómeno.

Os países lusófonos com menor percentagem de “escravos modernos”

Brasil e Portugal são, entre os nove países lusófonos, os Estados com menor percentagem estimada de “escravos modernos”, com uma estimativa de 0,078% (161.100 pessoas) e 0,123% (12.800) da população, indica hoje o relatório da fundação australiana Walk Free.

Intitulado Índice de Escravatura Global 2016, o relatório analisa 167 países do mundo, entre eles oito dos nove lusófonos – São Tomé e Príncipe não foi reportado -, em que Angola surge na tabela com a maior percentagem estimada de “escravos modernos”, com 0,638% da população (159.700 pessoas).

Neste item, Portugal está na lista de 10 países com a segunda melhor cotação, “BBB” – só a Holanda tem a cotação máxima “A” -, com o Brasil a ser cotado com “BB”, seguido por Moçambique (“B”), todos muito à frente dos restantes Estados lusófonos – Angola e Guiné-Bissau (ambos com “CC), Cabo Verde (“C”) e a Guiné Equatorial (“D” – igual aos piores da lista, como Eritreia, Irão e Coreia do Norte.

Sem classificação ficaram Afeganistão, Iémen, Iraque, Líbia, Somália e Síria.

As cotações variam entre o “AAA”, a melhor (nenhum país a alcançou), e o “D”, a pior, intermediadas, de forma decrescente, pelas “AA” (também não atribuída a qualquer país), “A”, “BBB”, “BB”, “B”, “CCC”, “CC”, “C” e “D”.

Para as calcular, a Fundação Walk Free baseou-se em cinco critérios da ação governamental – “apoio a sobreviventes”, “justiça criminal”, “coordenação e responsabilidade”, “risco de escravatura moderna” e “Governo e negócios”.

No Índice, entre os lusófonos, e depois de Angola, que ocupa a pior classificação em termos percentuais (43.º lugar), segue-se a Guiné-Bissau (46.º, com uma estimativa de 11.400 “escravos modernos”, o que representa 0,620% da população), Moçambique (66.º – 145.600 – 0,520%) e Cabo Verde (85.º – 2.400 – 0,453%).

A Guiné Equatorial surge depois na 127.ª posição (2.500 “escravos modernos” estimados, o que representa 0,295% da população), Timor-Leste (130.ª – 3.500 – 0,286%), Portugal (147.ª – 12.800 – 0,123%) e finalmente Brasil (151.ª – 161.100 – 0,078%).

Noutra tabela, a fundação australiana calcula também o risco de vulnerabilidade à “escravatura moderna”, baseada em quatro critérios – “proteções política e civil”, “direitos sociais, de saúde e económicos”, “segurança pessoal” e “refugiados e conflitos” – todos de zero (a melhor possível) a 100 (a pior) pontos.

Neste quadro, Portugal é o melhor classificado entre os lusófonos, com uma média pontual dos quatro critérios de 19,27 pontos, seguido pelo Brasil (33,77 pontos), Guiné Equatorial (31,16), Cabo Verde (36,34), Timor-Leste (39,13), Angola (44,21), Moçambique (44,65) e Guiné-Bissau (48,82), numa lista liderada pela Dinamarca (17,30 pontos) e fechada pela RDCongo (70,00).

No número absoluto de pessoas consideradas como integrantes da “escravatura moderna”, a Índia (18,3 milhões de indivíduos estimados), China (3,4 milhões) Paquistão (2,1 milhões) Bangladesh (1,5 milhões), Uzbequistão (1,2 milhões), Coreia do Norte (1,1 milhões) e Rússia (1,04 milhões) são os sete países acima do milhão de “escravos”, embora tal resulte do facto de serem dos países mais populosos do mundo.

No lado oposto, Luxemburgo (100 pessoas), Islândia (400), Barbados (600), Nova Zelândia (800), Irlanda (800) e Noruega (900) são os países com menor estimativa de casos de escravatura moderna. 

Guerras, desastres naturais e tráfico aumentam vulnerabilidade 

As guerras, desastres naturais e tráfico de pessoas registados nos últimos anos têm gerado números sem precedentes de deslocados, refugiados e migrantes, tornando-os “vulneráveis” a qualquer forma de escravatura moderna, refere a fundação australiana Walk Free.

“Os estudos regionais destacaram a interdependência entre a destruição ambiental, os desastres naturais e o tráfico de pessoas, o impacto de conflitos em casamentos forçados, a exploração comercial de sexo, crianças soldado, instrução limitada e oportunidades de emprego forçado” constituem as principais razões para o aumento da fragilidade e vulnerabilidade das pessoas, lê-se no documento.

“No Índice 2016, os números sem precedentes de deslocados, refugiados e migrantes registados a partir de 2015, oriundos sobretudo do Médio e Extremo Oriente, aumentou significativamente a vulnerabilidade das pessoas no contexto de escravatura moderna”, acrescenta-se no relatório da Fundação Walk Free.

O índice da fundação divide o mundo em seis regiões – Ásia, Europa, Rússia e Eurásia, África subsaariana, Médio Oriente e Norte de África e Américas.

Segundo as estimativas apresentadas no documento, a Ásia, a região mais populosa do mundo, representa quase dois terços do total de pessoas vítimas de escravatura moderna, uma vez que recruta maioritariamente mão-de-obra sem qualquer especialização para as cadeias de produção.

A África subsaariana, com cerca de 15%, é a segunda região mais afetada pelo fenómeno, com uma variedade de causas que vão desde a escalada de violência na Nigéria, à ação do grupo terrorista Boko Haram, que gerou uma crise humanitária nos países vizinhos, havendo ainda provas de trabalho forçado na indústria do sexo, na construção e nas cadeias de produção, sobretudo em fábricas.

À medida que aumenta a escalada de violência no Médio Oriente e no Norte de África, sobe exponencialmente o número de potenciais vítimas de qualquer forma de escravatura, lê-se no documento.

Na Eurásia e Rússia, a Fundação Walk Free afirma ter provas de casos de trabalhos forçados patrocinados por alguns governos da região, como no Uzbequistão e Turquemenistão, bem como do recrutamento de crianças para o conflito militar que opõe a Ucrânia à Rússia,

Apesar de deter a prevalência mais baixa de qualquer forma de escravatura moderna, a Europa continua a ser a principal fonte e destino para o trabalho forçado e para a exploração comercial de sexo.

“Enquanto se aguarda pelo impacto do enorme fluxo de migrantes e refugiados acolhidos na Europa desde 2015, já é, porém, claro que este grupo é altamente vulnerável a explorações e abusos”, alerta a fundação australiana.

Nas Américas, os novos dados permitiram descobrir novos países em que a escravatura moderna é prática comum, com a Fundação Walk Free a destacar os casos da Guatemala, México, Chile, República Dominicana ou Bolívia.

Os resultados das investigações da fundação indiciam que a “grande prevalência” de trabalho forçado na produção de bens e serviços em setores como a construção, produção e manufaturação, bem como no trabalho doméstico.

“Não se pode continuar a encarar o combate à escravatura moderna de forma isolada. Em tempos de conflito e de refugiados em massa, o elevado risco de abusos como a escravatura tem de ser alinhado com as respostas de emergência internacionais”, alerta a fundação australiana, que apela ao envolvimento e à responsabilidade dos governos, setor privado, sociedade civil e consumidores.

No relatório, a instituição australiana frisa que nos países recetores de trabalhadores migrantes, os governos e as empresas devem focar-se na garantia de lhes atribuir direitos e assegurar-lhes que a eles possam ter também acesso.

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