As empresas têm criado pouco valor na Europa

por Arsenio Reis

A opinião é de Phillipe Le Corre, um dos autores de “China’s Offensive in Europe”, livro com edição em inglês que está agora a ser lançado. Le Corre, especialista em diplomacia associado ao think-tank americano Brookings Institution, é um pessimista frente ao quadro de investimentos de Pequim na Europa.

– Numa entrevista de apresentação do seu livro publicada pela Brookings Institution refere-se a Durão Barroso como tendo sido de alguma maneira intermediário da atual onda de aquisições chinesas na Europa. O anterior presidente da Comissão Europeia foi de algum modo decisivo nesta tendência?  

Phillipe Le Corre – Segundo o que o próprio me disse, Barroso foi antes apanhado de surpresa. Não acredito que a China fosse o seu campo de especialidade, nem o de Catherine Ashton – ao tempo, a alta representante da União Europeia para a política externa. Nenhum dos dirigentes da União Europeia foi responsável pelo início das aquisições chinesas. Trata-se sobretudo de uma decisão do Governo chinês que data de 1999, a política de ‘zhou chu qu’ (走出去戰略), de sair para fora das fronteiras do país, destinada às empresas chinesas, tanto estatais como privadas. Mas em 2008, o anterior primeiro-ministro Wen Jiabao ligou a Durão Barroso oferecendo-se para comprar eurobonds [neste caso, obrigações de dívida pública comum da zona euro] e para encorajar agentes chineses como bancos, fundos soberanos e empresas estatais a investirem em países europeus com altos níveis de endividamento público.

– Como caracteriza a posição da atual direção da Comissão Europeia face à China?

P.L.C. – As pessoas têm agora sentimentos ambíguos em relação à China. Alguns investimentos não correram bem. Há duas semanas, o Parlamento Europeu votou contra o reconhecimento do estatuto de economia de mercado à China, contra uma recomendação inicial da Comissão Europeia. A atitude da China relativamente ao reconhecimento deste estatuto [no âmbito da Organização Mundial do Comércio] tornou-se um pouco agressiva, com um comportamento condescendente relativamente à Europa. Ao mesmo tempo, tem desenvolvido uma forte atividade de lobbying em Bruxelas e noutros locais, estando a investir fortemente por todo o continente europeu.

– O livro que escreve em coautoria com Alan Sepulchre fala de um crescendo de competição entre os países da União Europeia para cativarem investimento chinês. Esta situação é prejudicial às negociações para um tratado de investimento bilateral entre a União e a China?

P.L.C. – O verdadeiro problema é que a China tem sido muito boa na aplicação da máxima “dividir para reinar”, e os europeus permitiram que isso acontecesse. Estes países tomam decisões económicas numa óptica apenas nacional e não na base comum da União Europeia. O tratado de investimento é uma necessidade porque o mercado chinês tornou-se de muito difícil acesso numa série de setores – ao contrário do mercado da União Europeia, que está de porta aberta e no qual praticamente não há restrições aos produtos e empresas chineses.

– A China é atualmente membro do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento (BERD) e o Banco Europeu de Investimento (BEI) tem já escritórios na China, ao mesmo tempo que um grupo de países europeus entrou com capital no Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas (BAII). No contexto de fortes necessidades de investimento também na Europa, o que é que estas aproximações significam?

P.L.C. –  O BAII dirige-se principalmente à Ásia, e o BERD acolheu a China como membro por causa das atividades do país em áreas da sua influência, como a Ucrânia, a Geórgia, o Cáucaso. O BERD precisa de continuar a crescer e decidiu associar-se à China em zonas que estranhamente não fazem parte do seu mandato original. De certa forma, os países europeus que em 2015 entraram para o BAII como membros fundadores estavam com receio de serem deixados de fora pela China e pelos parceiros desta. A realidade é bastante diferente: ao aderirem ao BAII ajudaram imenso a China, uma vez que Pequim pode declarar ter obtido o apoio de mais de 60 membros e fazer notar a ausência dos Estados Unidos e do Japão.

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– A China está a aumentar o investimento na União Europeia e, ao mesmo tempo, a manter um mecanismo especial para negociar investimentos na Europa Central e de Leste, o chamado Fórum 16+1, estando alguns destes países fora da União. Trata-se de uma tentativa de estender influência? E, nesse caso, como está Bruxelas a reagir?

P.L.C. – Infelizmente, foi algo que sucedeu há cinco anos sem que a UE lhe prestasse muita atenção inicialmente. Mas, ao fim de algum tempo, Bruxelas – e Berlim – tomaram consciência de que havia o risco de a UE ficar separada, com uma velha e uma nova Europa, novamente, parafraseando a expressão de Donald Rumsfeld [antigo secretário da Defesa dos Estados Unidos]. Agora, a Comissão Europeia tem um assento no mecanismo 16+1, mas tem vindo a permitir que a China se envolva com os países europeus – alguns dentro da UE, outros fora – sem que lhe seja necessário passar primeiro pelas instituições europeias. Entendo que se trata de uma decisão infeliz por parte da China, e dos 16 membros, que reflete divisões dentro da União Europeia. Ao mesmo tempo, claro, a China faz também a corte a vários outros países, do Reino Unido à Alemanha, passando por França, Itália, Portugal, Grécia ou Suécia. Nenhum país é deixado de fora. Isto é aquilo a que chamo de uma estratégia sem nome.

– Nos países do Leste e Centro da Europa, a maior parte do capital está a ser dirigido para os setores dos transportes e da energia, também com grandes investimentos em centrais termoeléctricas a carvão. Poderá colocar-se um problema à luz de novos compromissos ambientais e regras ambientais europeias?

P.L.C. – A China está sobretudo interessada em desenvolver a iniciativa Uma Faixa, Uma Rota, e em empregar o seu excesso de capacidade em carvão, aço, etc. Há o risco claro de que bens chineses baratos entrem na Europa desestabilizando o mercado nalguns deste setores. Daí o debate sobre o reconhecimento do estatuto de economia de mercado.

– É do entendimento que a União Europeia está a falhar em salvaguardar ativos que podem ser considerados de interesse nacional nos respetivos países? É relevante pensar nestes termos hoje em dia?

P.L.C. – Pelo contrário. Parece-me que a UE está a acordar e muitos governos da Europa Ocidental estão a fazer pressão para que haja uma posição mais forte da UE em matérias como o investimento em infraestruturas, o tratado de investimento bilateral, o reconhecimento do estatuto de economia de mercado, e até em questões de segurança como a do Mar do Sul da China e do respeito pela Lei Marítima Internacional – claramente reafirmada pela UE. A exceção será o Reino Unido, mas a posição deste é de algum modo irrelevante até 23 de Junho [sobre a permanência na União Europeia]. Caso os britânicos escolham deixar a UE, acredito que também perderão a sua política de relações com a China.

– Olhando para Portugal, um dos maiores alvos em aquisições por parte da China, o que torna os seus ativos interessantes para Pequim?

P.L.C. – Há um relacionamento importante entre Portugal e os restantes países de língua portuguesa como Brasil, Moçambique e Angola. A China tem vindo a usar Portugal como plataforma há muito tempo. Conhece também bem a cultura portuguesa através de Macau, que reouve em 1999. Portugal é desde há muito tempo alvo de investimentos em imobiliário, talvez há vinte anos – primeiro, através de Hong Kong e Macau. Agora, os investimentos na área da energia e no setor segurador são interessantes porque não suscitaram qualquer debate em Portugal – ao contrário do que aconteceu na Grécia. Os portugueses parecem bastante abertos ao investimento chinês como alternativa a outras opções. Veremos a longo prazo se Portugal e os seus cidadãos beneficiam efetivamente de uma maior presença chinesa.

– O seu livro afirma que menos de 40.000 postos de trabalho foram criados com o investimento chinês na Europa. No seu entender, por que é que isto acontece?

P.L.C. – Trata-se para mim de um problema fundamental. As empresas chinesas têm investido enormemente nos últimos oito a nove anos, mas criado muito pouco valor. Não obstante tudo o que se diz, não posso afirmar que as empresas chinesas tenham um grande contributo e participação nas economias europeias, seja na criação de emprego ou em valor de longo termo. Para os chineses, há uma questão de confiança quando se trata de recrutar gestores não-chineses. Há até por vezes relutância em recrutar licenciados chineses com formação ocidental porque sentem que não conhecem os seus antecedentes. Sei que há agentes chineses a tentar arduamente mudar esta imagem, mas sem grande sucesso tanto quanto me é dado ver.  Há, com efeito, um choque civilizacional – ou, talvez, de culturas de gestão. Será necessário tempo para que a China se adapte à forma europeia de fazer negócios e há o risco de que alguns países europeus mais fracos tenham de abdicar dos seus princípios.

Maria Caetano

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