Uma cidade em para arranca

por Arsenio Reis

Macau tem 249 mil veículos em circulação, mais 3% que em 2015, e o Governo, no plano quinquenal até 2020, admite uma subida anual de 3,5 a 3,8%. Especialistas alertam para o impacto na qualidade do ar e no ordenamento da cidade e falam de falta de vontade de resolver o problema.
Para Chan Shek Kiu, do Instituto de Ciência e Ambiente da Universidade de São José, não há qualquer dúvida: carros e motas são a principal fonte de poluição atmosférica em Macau. Outros elementos, como os ventos que sopram da China continental, ou a produção de eletricidade, dão um contributo minoritário.
“Em Hong Kong, a fonte [da poluição] são os carros e os navios. Em Macau, é um pouco da CEM, mas 90% da nossa eletricidade vem da China, só produzimos 10%, isso não é nada quando comparamos com quase 250 mil veículos. Quanto da poluição atmosférica de Macau vem dos veículos? Não tenho um valor, mas posso dizer que é a maioria”, afirma.
A informação disponibilizada pelos Serviços Meteorológicos e Geofísicos apenas permite olhar para a zona da Taipa Grande – que não será a mais poluída da cidade – em termos de concentração média das partículas PM 2,5, as mais lesivas à saúde, no espaço de 24 horas. No dia 18 de maio, por exemplo, eram 30 microgramas por metro cúbico, acima dos 25 recomendados pela Organização Mundial de Saúde. Em relação às partículas inaláveis, PM 10 a concentração, no mesmo dia e local, era de 54 microgramas por metro cúbico, também acima dos 50 recomendados.
“Se tivermos mais carros, temos mais PM 2,5 e mais doenças cardiovasculares, mais cancros do pulmão e outros cancros”, alerta o especialista.
Um estudo publicado no início do mês, realizado por investigadores da Universidade de Birmingham e de Hong Kong, concluiu que cada 10 microgramas por metro cúbico de exposição acrescida às partículas finas PM2,5 faz aumentar a taxa de mortalidade por cancro dos idosos de Hong Kong em 22%.
Sublinhando que a “poluição está a aumentar” em Macau, onde é frequente ver-se pessoas de máscara nas ruas ou a cobrirem o rosto ao atravessar estradas mais movimentadas, Chan admite que, nas zonas de maior densidade, o cenário é mais negro na região vizinha. Por outro lado, “ao menos conhecem o problema e estão a tentar fazer alguma coisa”, o que não se passa em Macau, na opinião do também membro do Conselho Consultivo do Ambiente.
“A mentalidade dos governantes de Macau é que se não fizerem nada, não cometem erros. O chefe do Executivo não quer fazer nada”, desabafa.
Chan não avança com um número concreto, mas defende que o aumento de veículos anual permitido não devia exceder os 3%. “Não mais que isso”, frisa.
Além disso, a qualidade do ar não se atinge apenas controlando o número de carros e motas: “Há outras coisas que se podem fazer. Porque não ter carros elétricos? Os primeiros deviam ser do Governo, depois os autocarros e os táxis. Os casinos têm dinheiro, porque é que o Governo não lhes pede para terem ‘shuttle bus’ elétricos? Há mais ‘shuttle bus’ que autocarros, reduzia-se muito a poluição ambiental”.
O início da sessão legislativa, em outubro do ano passado, foi marcado por um debate sobre parques de estacionamento, já que o número de lugares não responde às necessidades dos residentes e, consequentemente, a sua escassez resulta num aumento acentuado dos preços.
Apesar desta preocupação, Chan acredita que parte da culpa é também da população, e em particular dos jovens, “que compram carros porque não têm dinheiro para comprar apartamentos”.
Jonathan Wong, presidente da Associação dos Arquitetos, desvaloriza esta avaliação e acredita que grande parte do tráfego na cidade é fruto de necessidade.
“As pessoas não têm escolha, não podem ficar dependentes dos transportes, têm de encontrar uma solução por elas”, defende.
Essa solução vai depender da distância. Se o destino for próximo, a opção pode ser ir a pé, “mas isso levanta a questão da qualidade oferecida aos peões”, lembra. “É assim tão boa? Como é o ar? Há abrigo suficiente quando chove? Em Macau raramente vemos isso, a qualidade não é boa por isso as pessoas não gostam muito de andar, não há muitas vias automáticas ou escadas rolantes como em Hong Kong”, sublinha.
Se a distância for maior “tentam apanhar um táxi”, o que nem sempre é fácil. “A opção 3 é guiar”, afirma. O autocarro será o último recurso: “Se se tentar apanhar um autocarro às 17:30 ou 18:00, nem pensar, não se vai conseguir apanhar nem o primeiro, nem o segundo, talvez no terceiro seja possível mas as pessoas vão estar a empurrar. Não é uma boa experiência”.
Para Wong, a opção de aumentar o imposto sobre os veículos, anunciada no ano passado, passou ao lado do problema, bem como o foco nos carros de luxo, já que são os automóveis familiares e económicos que, na sua opinião, enchem as estradas.
“Trata-se de um problema das massas, que as pessoas normais enfrentam. Perante isso, o que se tem de fazer é realmente melhorar a rede de transportes públicos. As pessoas não têm opção, têm de conduzir”, defende o presidente da Associação dos Arquitetos, que admite ter três carros mas diz não guiar diariamente.
Para Wong, o Governo deveria “fazer os transportes públicos realmente funcionar para as pessoas de Macau”, o que não está a acontecer. A forma como a rede está desenhada “não corresponde às necessidades ou hábitos das pessoas que enfrentam problemas diários”.
Mesmo o Metro Ligeiro, cuja conclusão da linha da Taipa está a ser apontada para 2019, poderá ajudar a reduzir o trânsito, mas não o suficiente, na opinião do arquiteto. “As paragens são em zonas muito remotas. Por exemplo, na Taipa [vamos ter paragens] junto aos casinos, do terminal dos ferries, no aeroporto. Mas só há uma paragem, junto ao Jockey Club, que fica próxima da população”, lamenta.
Já a ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, em construção, traz mais dúvidas do que respostas no que toca ao tráfego: “[Acho] que vão controlar os veículos que entram em Macau, nem todas as pessoas podem entrar, a cidade não aguentava, neste momento já está saturada”.
Wong avança ideias para mitigar o problema do trânsito e estacionamento, que podem levar a população a afastar-se de certas zonas da cidade, como aumentar novamente o preço dos parquímetros ou implementar um sistema que obrigue ao pagamento de uma taxa de cada vez que se entra em determinadas ruas mais movimentadas, como a Avenida Almeida Ribeiro.
Mas todas as medidas têm de ser “pensadas como um plano integrado”. “Se não se permitir que as pessoas atravessem determinada rua, isso vai entupir outra área. É preciso pensar na questão como um todo”, sublinha.

Inês Santinhos Gonçalves

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