Novo governo entre problemas de legitimidade e negociação

por Arsenio Reis

O governo do Presidente interino brasileiro, Michel Temer, que brotou da aprovação do pedido de destituição da Presidente Dilma Rousseff, inicia funções já encostado à parede entre problemas de legitimidade, a necessidade de desdobramentos em negociações e uma das maiores crises económicas e institucionais do país.

Aquele que chegou a lamentar-se de ser um vice-presidente “decorativo” assumiu interinamente o poder a 12 de maio, sendo acusado por apoiantes de Dilma Rousseff de estar por trás do pedido de ‘impeachment’ (impugnação) da Presidente.

Dilma Rousseff irá a julgamento no Senado por um período de até 180 dias, por suspeitas de irregularidades orçamentais, com despesas não autorizadas, e só será definitivamente afastada se ali for condenada. Porém, na base do seu afastamento está, na realidade, uma gestão desastrosa, com aumento das despesas públicas, quando a crise demandava o oposto. A Operação Lava Jato, o maior esquema de corrupção da história do país, que envolve várias suspeitas na sua base de apoio, o Partido dos Trabalhadores (PT), incluindo o ex-presidente Lula da Silva, também pesou.

O líder brasileiro em exercício chegou empenhado em melhorar a economia, depois de o Produto Interno Bruto (PIB) ter encolhido 3,8% em 2015, e o desemprego ter atingido mais de 11 milhões de pessoas. O Presidente interino anunciou que quer reduzir a despesa pública e apostar em parcerias público-privadas e falou ainda numa reforma trabalhista e previdenciária. Não foi descartado um aumento de impostos temporário e uma revisão nos subsídios (incentivos). Porém, programas sociais de apoio aos pobres são para manter, garantiu.

Michel Temer reduziu 32 ministérios para 23, mas não escolheu para ministros mulheres ou negros, duas questões bem caras no Brasil e que levaram, inclusive, a Amnistia Internacional a falar em riscos de retrocessos nos direitos humanos. “Não imagino que num curto espaço de tempo, o governo Temer consiga resultados positivos na economia”, comentou Thiago Silame, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, para quem a crise resultou da gestão da Presidente com mandato suspenso, mas também da crise mundial, que afetou “mercados importantes, como o chinês, grande importador de commodities [matérias-primas] brasileiras”.

O analista político brasileiro Marco Antônio Carvalho Teixeira considera que a alteração de executivo “pode ter um efeito positivo”. Agora, advertiu, o Brasil “tem um problema fiscal seríssimo”, e só será possível arrecadar dinheiro cortando – embora isso não tenha efeito imediato – ou criando tributo. Todavia, “o setor industrial não quer aumento de imposto”, daí que o também professor da Fundação Getúlio Vargas preveja dificuldades de negociação.

Por seu turno, Rudá Ricci, também analista política, cita economistas para dizer que Dilma Rousseff “gerou um ciclo recessivo” que “só vai terminar em 2018”, até porque há uma crise internacional” e “não existe investimento” no país, sendo que o “Não imagino que num curto espaço de tempo, o governo Temer consiga resultados positivos na economia”, comentou Thiago Silame, professor da Universidade Federal de Minas Gerais Michel Temer tem uma dívida com quem o apoiou no ‘impeachment’, em particular o “alto empresariado de São Paulo”, que “deve impor um pacote ultraliberal económico, que deve destruir o arcaboiço legal de proteção ao trabalho”, analisou. Rudá Ricci antevê “uma crise profunda do Governo Temer, principalmente em 2017” e “várias mobilizações no país contra o governo” durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, já em agosto.

A questão da legitimidade

Michel Temer terá “um grande apoio do Congresso”, podendo “aprovar medidas que Dilma não conseguiu aprovar”, destacou, por seu lado, Marco Antônio Carvalho Teixeira. Para Rudá Ricci, a compensação para os parlamentares que apoiaram o ‘impeachment’ pode sair bem cara: “Duzentos deles estão acusados, alguns deles são réus, e o acordo feito no Congresso diz respeito a uma salvaguarda para eles não serem sentenciados, o que é muito difícil, porque o judiciário é um poder independente”.

“Contudo, a maior dificuldade do governo Temer será de legitimidade. Assumir um governo em decorrência de um processo de ‘impeachment’ controverso é extremamente complicado”, observou o cientista político Thiago Silame. Uma pesquisa recente indicou que 92% dos brasileiros não queriam Michel Temer como Presidente. O político do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) foi recentemente condenado por crime eleitoral, devido a doações ilegais, e ficou inelegível por oito anos, e o seu nome é também citado na Operação Lava Jato.

Por outro lado, segundo Rudá Ricci, Michel Temer “conspirou abertamente contra o governo Dilma”, o que “é crime de responsabilidade”, e também foi responsável pelas irregularidades na base do ‘impeachment’, logo, também deveria ser afastado.

Já a professora da Universidade Estadual Paulista de Franca Rita de Cássia Biason, especialista em corrupção, quer ver uma “maior probidade, integridade e transparência” neste executivo e que haja realmente punição para a corrupção. Rita de Cássia Biason, que falava à Lusa antes da tomada de posse, defendeu ainda a manutenção da Controladoria Geral da União (CGU). Contudo, mal chegou ao poder, Michel Temer substituiu este organismo pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle. A alteração não agradou aos funcionários, que alegaram que a CGU perdeu autoridade para atuar como um órgão de controlo da corrupção de todo o executivo.

Thiago Silame encara “a situação como um todo como um enfraquecimento das instituições democráticas no Brasil”. O processo de ‘impeachment’ tem, aliás, suscitado críticas de vários governos da região. A Venezuela retirou, inclusive, o seu embaixador de Brasília.

“O Brasil pode vir a sofrer sanções de blocos económicos, como por exemplo, o Mercosul, mas isso não significa que irá sofrer” muito, porque é “o principal país do bloco”, referiu Thiago Silame. Enfurecida com o ‘impeachment’, a esquerda tem prosseguido com protestos. O novo ministro da Educação e Cultura, Mendonça Filho, foi recebido pelos seus funcionários com gritos, como “fora, golpista”.

Esta questão ocorre numa altura em que a polarização da sociedade assume contornos alarmantes. Conflitos sobre o ‘impeachment’ destaparam divisões há muito latentes, como o racismo e a separação de classes. A própria Presidente destituída referiu que, durante os seus mandatos “muitas pessoas nas elites estavam descontentes” com os programas sociais que lançou. Neste clima de divisão na sociedade e até de fragmentação política, o reconhecido jogo de cintura que levou Michel Temer ao poder poderá não ser suficiente para mantê-lo estável por lá.

Andreia Nogueira

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