Falta empreendedorismo na cultura

por Arsenio Reis

Em Macau não falta criatividade, mas sim uma cultura de empreendedorismo, defende o académico Álvaro Barbosa. Por seu turno, há quem critique o próprio conceito de indústria associado à cultura, referindo que não é assim que se assiste ao desenvolvimento do setor no território.

As indústrias criativas levam o seu tempo a crescer e Macau não é exceção. Para que se desenvolvam, é preciso que as universidades intervenham, transmitindo aos alunos uma cultura de empreendedorismo. Por seu turno, há quem critique a expressão indústria, associada a algo que tem por base a criatividade.

O diretor da Faculdade das Indústrias Criativas da Universidade de São José começa por dizer que existe um grande “mal-entendido” no que diz respeito ao conceito de indústrias culturais e criativas no território. Assim, se as indústrias culturais visam satisfazer as necessidades do cidadão, as indústrias criativas estão ligadas ao indivíduo enquanto consumidor. “Pode haver sobreposição”, diz, referindo-se, por exemplo, à arquitetura, que mexe com a arte e com a vertente do consumo. “As indústrias culturais cabem às instituições públicas, enquanto as indústrias criativas inserem-se numa lógica de mercado”, realça.

Associadas a estas, ainda há o conceito de classe criativa, referindo-se àqueles que trabalham em áreas que não são tradicionalmente consideradas criativas. “Por exemplo, os setores da banca e da restauração incluem membros da classe criativa.” Do cruzamento destes três conceitos, nasce a economia criativa. 

No território, “usam-se designações erradas nos departamentos do Governo”. Assim, por exemplo, o chamado Fundo das Indústrias Culturais existe para “financiar as indústrias criativas”, ou seja, está “direcionado para apoiar empresas com viabilidade de negócio”.

Por outro lado, no Governo, existe o Departamento de Promoção das Indústrias Culturais e Criativas, em que se misturam ambos os conceitos, defende Álvaro Barbosa. Em termos práticos, a própria “confusão” de conceitos poderá ter repercussões. “Há dificuldades das pessoas em saber a quem se dirigir para pedir apoios”, diz, a título de exemplo. 

Porém, o académico admite que, na prática, “tudo está organizado do ponto de vista operacional”, não havendo obstáculos por usos incorretos de conceitos. E “não há confusão” na orientação do Governo, que, na opinião do docente, visa a promoção das indústrias criativas, ainda que lhes chame culturais. 

Os atrasos

Em 2008, o antigo Chefe do Executivo,

Edmund Ho, após a participação na cerimónia de encerramento da primeira sessão da 11ª Assembleia Popular Nacional (APN) assumia “pretender coordenar da melhor forma possível a indústria do jogo com as indústrias culturais e criativas, contribuindo, deste modo, para o desenvolvimento sustentável de Macau.” Em 2010 nascia o Departamento de Promoção das Indústrias Culturais e Criativas, sob tutela do Instituto Cultural, e, posteriormente, o Conselho para as Indústrias Culturais e Criativas.

Três anos depois, o Conselho Executivo de Macau dava luz verde à criação de um Fundo das Indústrias Culturais (FIC), para apoiar projectos que contribuíssem para o desenvolvimento do sector. Entretanto, a funcionar há dois anos, o organismo apenas deu luz verde a 70 projectos, o que corresponde a menos de um quarto dos pedidos de apoio recebidos. 

No início de 2016, os responsáveis do Fundo comunicaram à imprensa que “o Governo flexibilizou as modalidades de apoio”, assegurando também agora a inexistência formal de uma prazo para a apresentação formal de candidaturas, ao contrário do que sucedia no passado. “Quando começamos a aceitar candidaturas fomos inundados com projectos, muitos dos quais ou não estavam bem fundamentados ou não cumpriam com os requisitos do FIC em termos de documentação. Agora é possível apresentar candidaturas em qualquer altura.”

Na opinião de Álvaro Barbosa, as demoras nos avanços do setor prendem-se “com uma falha na cultura de empreendedorismo sistemático”, e essa terá de ser resolvida com parcerias com as instituições de ensino superior. As ideias existem, mas há falta de sustentabilidade empresarial. “Não existem projetos de incubação empresarial; o Fundo recebeu propostas não devidamente formuladas; como negócio, não são sustentadas”, diz. 

Ainda assim, o académico acredita que o processo não está a ser particularmente moroso, já que, no geral, o desenvolvimento das indústrias criativas é algo que “leva o seu tempo”. “Em Portugal, levaram 20 anos. Não se pense que em Macau o sector pode crescer como os casinos, vai demorar muito mais tempo”, salienta. 

Os “poucos” desenvolvimentos

O antigo responsável pela política cultural do município de Macau, na década de 1990, António Conceição Júnior, dizia em 2014, ao PLATAFORMA, que existe “uma certa confusão quanto ao que, em Macau, se vai entendendo por indústrias criativas”, constatando a existência de um “conjunto mais ou menos alargado de equívocos”. 

O artista lamentava que a face “mais visível” das chamadas indústrias criativas de Macau esteja limitada a “souvenirs e coisas do género”. Para que possam vingar, “há que ultrapassar os equívocos” antes de mais, e os privados precisam de estar “suficientemente elucidados e possuir alguma cultura que lhes permita compreender o que é isso das indústrias criativas”.

Em declarações ao PLATAFORMA, o artista e curador José Drummond afirma que a área das indústrias culturais e criativas “pouco ou nada” se desenvolveu. “O investimento privilegiou essencialmente a área do design. Erro enorme pensar-se que a cultura faz-se por design”, diz, acrescentando: “A cultura é um produto que não tem forçosamente um número de série e que se obriga à condição de múltiplo.” Além disso, tal investimento “nunca pode ser reembolsável num prazo de cinco anos”. 

Referindo-se ao conceito usado pelo Governo, José Drummond afirma que “a confusão começa no próprio nome”. E pergunta: “Como fazer uma indústria de uma coisa [cultura] na qual os fazedores são poucos e foram alheados do processo. É difícil fazer uma indústria de uma coisa que não se tem.”

Aliás, o artista critica a adoção de tal conceito, no que se refere à área da cultura, além de admitir que o modelo parece não estar a funcionar em Macau. “Os Estados Unidos e outros países desenvolvidos do ocidente em parte abandonaram esse processo porque se provou que os únicos que beneficiam são as grandes instituições. Os pequenos não conseguem competir”, diz, esclarecendo que “o foco de apoio tem que ser no criador e não na indústria ou na capacidade de produção”.

Atualmente, o artista continua a ver em Macau um setor cultural “profundamente umbilical e extremamente tradicional”, com uma pequena percentagem de pessoas do território realmente interessadas nele. “É também sabido que a cultura só existe se tiver asas para voar. Tem que ser mais experimental. Tem que haver condições para os criadores poderem competir com o exterior”, afirma.

Assim, ao adotar-se o conceito de indústrias culturais e criativas, o artista afirma que se põe em destaque um “problema” maior. “Os artistas/criadores para sobreviver veem-se obrigados a ser comerciais. E assim se mata a cultura”, diz. 

Aliás, o artista afirma que “a cultura em Macau tem um espaço e uma identidade que não tem qualquer relação com o seu hipotético comércio fácil em produto industrial”. E defende que se deveria apostar nesse “caráter único”, assegurando a criação de estruturas que, “numa lógica contemporânea”, consigam produzir e mostrar mais trabalhos.  

 

 

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