Os atrasos no progresso do ensino superior

por Arsenio Reis

 Um ano de funcionamento do campus da Universidade de Macau

Com a lei que regula o ensino superior a datar de 1991, o setor está à espera de um  diploma mais conforme à realidade. Atualmente em discussão na especialidade, na Assembleia Legislativa, a proposta só deverá estar concluída em 2017.

Em 2005, o Governo começou a recolher opiniões para preparar uma nova proposta de lei do ensino superior. Desde então, 11 anos se passaram e as instituições continuam à espera, regulando as suas atividades por uma legislação que data de 1991. Para a Universidade de Macau — instituição de ensino superior que goza de maior autonomia no território —, a sua inexistência não provoca danos, mas para os restantes estabelecimentos, não é bem assim. 

Na semana passada, o presidente da segunda Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, Chan Chak Mo, depois de uma reunião de duas horas, indicou “não haver data prevista” para o fim dos trabalhos, garantindo apenas que “até 2017 estará concluída”.  “Depende de muita coisa (…) não sabemos quais as propostas que nos vão entregar (…) não sabemos o trabalho que vamos ter”, disse.

Aprovada na generalidade no primeiro trimestre do ano passado, a proposta de Lei do Ensino Superior está desde então em análise na especialidade. Chan Chak Mo realçou também que faltam “apenas” quatro meses para o fim da sessão legislativa.

Para a diretora do Centro de Pesquisa Educacional da Universidade de Macau, Teresa Vong, este atraso na aprovação da lei do ensino superior bloqueia os avanços do setor “numa perspetiva mais holística”.

Na proposta em discussão na Assembleia Legislativa, há pontos que se adequam mais “às tendências internacionais” — por exemplo, a académica refere-se a “novos cursos que ao invés de serem considerados bacharelato passam a ser designados de ‘associate degree’, o que é mais atual”.

Além disso, a maior parte das instituições de ensino superior do território espera que esta lei lhes venha a garantir maior autonomia. “A Universidade de Macau tem já muita autonomia, mas, por exemplo, o Instituto Politécnico [IPM] ou o Instituto de Formação Turística [IFT] têm menos”, diz.

No geral, a académica acredita que este novo diploma vem permitir que o setor de ensino superior do território possa competir em termos internacionais. “Agora já se adiou para 2017 a sua aprovação e não tenho bem a certeza dos motivos. Será para que coincida com a adoção do exame conjunto para entrada nas universidades [Exame Unificado de Acesso das quatro instituições do ensino superior]?”, especula.

Além disso, a académica questiona se os deputados não estão a “complicar” o debate, “confundindo” conceitos. “Pergunta-se se a universidade deveria ser considerada uma pessoa coletiva ou individual — talvez isto não seja muito prático, estão a entrar muito nos detalhes da lei”, realça.

Teresa Vong

Independentemente dos motivos por detrás destes atrasos, Teresa Vong afirma que tem de se prestar atenção ao desenvolvimento do setor do ensino superior, sobretudo a partir deste ano. “Nos próximos seis ou sete anos, haverá um declínio no número de estudantes locais — de acordo com as previsões de queda de população dos Censos”, diz.

Em declarações ao PLATAFORMA, o vice-reitor da Universidade de Macau, Rui Martins, afirma ser necessário um novo diploma para regular o setor, dado que a lei atualmente em vigor “estava adequada à estrutura do ensino superior da altura”. “Neste momento, 25 anos depois, com a proliferação de instituições públicas e privadas, é importante que a lei seja publicada para regular um setor muito mais vasto, com requisitos completamente diferentes”, diz.

Do ponto de vista da Universidade de Macau (UM), espera-se sobretudo que “haja uma maior flexibilidade em termos normativos”, sobretudo no que toca a pontos ligados a mestrados e doutoramentos. “Por exemplo, neste momento, os doutoramentos têm de ser presididos pelo reitor que, de acordo com a lei, pode apenas delegar no vice-reitor. Isso fazia sentido há 20 anos, quando os doutoramentos estavam apenas a começar, mas, neste momento, há muitas defesas de tese por ano”, diz, esclarecendo que “há uma sobrecarga nos vice-reitores”.

Depois, aponta “falta de flexibilidade” para oferecer mestrados mais profissionais, “que podem implicar apenas um projecto mais simples, que são os mestrados de natureza profissional na área de gestão, alguns na área de engenharia”.

Estes solavancos podem “atrasar um pouco o processo [de expansão]”, mas, admite o vice-reitor, no caso específico da Universidade de Macau, não vem trazer “problemas de fundo”. Em questões como a regulamentação da acreditação internacional, Rui Martins afirma que a Universidade de Macau já tem bastante autonomia. “Tivemos os cursos reconhecidos em Portugal; agora estamos à procura de reconhecimento na área da gestão nos Estados Unidos; na área do Direito, temos acreditação de Portugal, temos aqui mecanismos”, esclarece. Claro que se houver alguma nova imposição na lei, a UM terá de seguir a regulamentação, mas “não tem impedido o desenvolvimento normal”.

Realçando que a Universidade de Macau goza da sua própria lei e que esta lhe garante já “bastante autonomia”, esta instituição do ensino superior não tem vindo a sofrer grandes atrasos, devido à demora de aprovação deste novo diploma.

Os “defeitos”

No início de 2015, Vincent Yang, pró-reitor da Universidade de São José, escrevia no PLATAFORMA que a lei de 1991 está desatualizada. “(…) Dando um exemplo, o artigo 4º estipula a possibilidade de revogação por parte do Governador dos poderes das instituições de ensino superior. Na situação presente de Macau, 15 anos após a transferência de soberania, esta lei está claramente descontextualizada.”

Vincent Yang identificava vários problemas no diploma em vigor. “Um dos defeitos do decreto-lei nº 11/91/M consiste no facto de alguns artigos serem demasiado vagos. Alguns contêm apenas princípios gerais, sem estabelecer padrões claros”, referia, especificando: “Por exemplo, o decreto-lei na sua introdução menciona que o seu conteúdo inclui “o financiamento e a avaliação das instituições [de ensino superior]”. No entanto, o decreto-lei “possui apenas um artigo que estipula que o Governo ‘poderá’ recorrer a especialistas para a ‘elaboração de parecer’ sobre a abertura de cursos em instituições de ensino superior privado, e simplesmente carece de sistemas de acreditação institucional e curricular.”

Assim a nova Lei do Ensino Superior virá “fornecer uma base jurídica para a criação do primeiro sistema de avaliação do ensino superior em Macau”, promovendo a “criação ou reforço de um sistema de garantia de qualidade nas instituições de ensino superior de Macau, melhorando assim os padrões de ensino, investigação e administração.”

Além disso, continuava Vincent Yang no seu texto, outro “defeito” do diploma de 1991 diz respeito ao facto de os padrões académicos estabelecidos serem demasiado baixos. “Por exemplo, no artigo 6º está estipulado que o órgão científico-pedagógico de uma universidade deverá ser ‘composto por um mínimo de cinco docentes habilitados com o grau de doutor, dos quais, pelo menos, três, em tempo integral’.

Finalmente, o docente criticava a “falta de clareza das regras quanto aos direitos e deveres das universidades em relação ao governo”, referindo, a título de exemplo, “o artigo 8º que estipula que as instituições de ensino universitário possuem autonomia científica e pedagógica e podem ‘por si, definir, planear e executar a investigação e demais actividades científicas e culturais’, assim como elaborar os seus planos de estudo e programas das disciplinas”, ao passo que  os artigos 9º e 10º do decreto-lei “ditam algumas cláusulas restritivas quanto a este tipo de autonomia, estabelecendo que as instituições de ensino superior devem ‘ter em conta as grandes linhas da política do Território” e “os interesses da comunidade do Território’”.

Por seu turno, numa entrevista publicada no mês passado no PLATAFORMA, a vice-presidente do Instituto de Formação Turística, Florence Ian, dizia: “O IFT tem-se desenvolvido horizontalmente, no nível da licenciatura. Mas, no que toca aos nossos programas, estamos à espera da aprovação da lei do ensino superior; se esta lei sair, podemos oferecer cursos ao nível da pós-licenciatura. Já fizemos o planeamento e temos, por exemplo, um programa do mestrado em gestão hospitaleira. Claro que agora já está ultrapassado, mas continuamos à espera [da lei].”

Numa nota enviada ao PLATAFORMA, o Gabinete de Apoio ao Ensino Superior (GAES) garante estar a acompanhar de perto as discussões na especialidade, encontrando-se atualmente “a preparar as regulamentações suplementares necessárias”. Com este novo diploma, a nota refere que espera-se “um reforço da autonomia” das instituições. “A direção e objetivos da revisão vêm de forma a garantir a melhorar continuadamente a qualidade da educação, reformar a capacidade de auto-gestão das instituições, aumentar a autonomia e flexibilidade no desenvolvimento académico e do currículo.”

Sobre os motivos por detrás do atraso da aprovação e o impacto que este poderá ter no desenvolvimento do setor, a nota do GAES nada indica.

Contactados pelo PLATAFORMA para comentar o atraso, até à hora de fecho da edição, não houve resposta do Instituto Politécnico de Macau, do Instituto de Formação Turística,  da Universidade de Ciência e Tecnologia, nem da Universidade de São José.

 

Luciana Leitão

 

 

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