Muito mais que os mil milhões

por Arsenio Reis

A petição inicial interposta em Macau pela Asian American Entertainment Corp. (AAEC), em 2012, pedia três mil milhões de patacas por alegada quebra de contrato por parte da Sands, que nas vésperas do concurso para as concessões de jogo deu por findo o contrato com a empresa de Taiwan e uniu-se à Galaxy. Contudo, contas feitas pelo Wall Street Journal e pela Reuters, com base nos lucros acumulados em Macau pela Sands, apontam para valores astronómicos: 8 a 10 mil milhões de dólares. 

Os queixosos viram recentemente o tribunal reconhecer-lhes o direito a discutir a ação em Macau – entretanto prescrita no Nevada – embora aqui e ali sinalizem disponibilidade para um eventual acordo. Sheldon Adelson emite sinais contrários: vai à luta, mesmo sob a ameaça de ver revelados segredos pouco abonatórios do concurso.

Shi Sheng Hao, conhecido por Marshall Hao, representa a Asian American. Sem pergaminhos na indústria, com aparentes dificuldades financeiras, tem um perfil controverso para quem dá a face por um sindicato financeiro liderado pelo China Development Industrial Bank, com sede em Taipé. A proximidade deste banco ao Kuomitang – partido do arco da governação – é conhecida, mas nos bastidores do jogo, em Macau, há quem refira ligações mais perigosas: “Houve a suspeita de envolvimento da Bamboo Gang”, diz fonte que pede anonimato, referindo-se à maior das três seitas de Taiwan, que terá mais de 100 mil membros no ativo. Curiosamente, as alegadas ligações da Galaxy às tríades foram mais tarde também  o argumento para a Sands se separar da empresa gerida pela família Lui. Várias fontes reconhecem também pressões feitas sobre a Sands no sentido de deixar cair os parceiros da Ilha Nacionalista, sentindo-se na altura “a força e influência da Galaxy”, diz uma delas.

Venetian sempre

O know-how era da Venetian, com um modelo de receitas non gamming muito do agrado da Comissão de Jogo. Francis Tam, então secretário para a Economia e Finanças, chegou a afirmar publicamente que quem concorresse com a Venetian ganharia com isso. Logo, estaria sobretudo em causa escolher quem garantia o músculo financeiro. A tese da AAEC é a de que se a Galaxy ganhou a concessão, em parceria com a Sands, também eles a teriam ganho. Até porque, em ambos os casos, o modelo societário e o projeto eram idênticos: 70% para os investidores; 30% para a gestão a cargo da companhia de Sheldon Adelson.

Do outro lado sustenta-se que, por razões políticas, a empresa de Taiwan nunca ganharia uma das três concessões a concurso – as subconcessões surgem posteriormente (ver caixa).

Jorge Menezes, advogado da Asian American, entende que a decisão do tribunal “quer dizer que haverá julgamento”, explicando contudo estar coibido pelo tribunal de comentar o processo. Luís Cavaleiro Ferreira, advogado da Sands, recusa qualquer comentário. Contudo, o PLATAFORMA sabe que a defesa não estará ainda totalmente convencida de que haverá mesmo julgamento.

Primeiro na segunda, depois na última instância – em sede de recurso – a Sands viu ser reconhecida em Macau a sentença do tribunal norte-americano que negou à AAEC qualquer direito a indemnização, por estarem prescritos os prazos. Contudo, o juiz que avalia o pedido de indemnização não se considera vinculado por essas decisões; designadamente, porque os prazos

são diferentes. O facto é que o julgamento em Macau é agora mais que provável, a não ser que a Sands tire da cartola um coelho jurídico inesperado.

Para que haja efetiva indemnização, a AAEC terá de provar três coisas: que tinha contrato com a Sands, que ele era válido e que, se tivesse sido respeitado, implicaria os mesmos lucros que a Sands obteve desde que opera em Macau. A Sands reconhece a existência de dois contratos com a AAEC – o segundo estendeu os prazos do primeiro. Contudo, garantem os norte-americanos, estava caducado a 15 de janeiro de 2002, ainda antes do concurso. Por outro lado, alegam que a empresa de Taiwan nunca teria sequer ganho o concurso. Sobre o julgamento, que pode muito bem ser marcado já para o ano, a Sands “nada tem a dizer para além do que consta no relatório anual de 2015”, onde refere apenas o valor da petição inicial e sustenta a tese de que o pedido de indemnização não tem mérito nem pernas para andar.  Contudo, em relatórios enviados à Comissão de Segurança em Washington (SEC) já a Sands admite que não sabe se ganhará ou perderá a ação.

Fantasmas no baú dos julgamentos

Jorge Menezes, advogado da Asian American, tentou a meio do processo impugnar o próprio concurso de atribuição das licenças de jogo, com base na ilegalidade das subconcessões, que foram polémicas e alvo de muitas críticas. Primeiro, porque não estavam previstas; depois, porque foram vendidas pelos três concessionários, em vez de engordarem os cofres do Estado; finalmente, porque foram repescados concorrentes por fora das regras do concurso. Contudo, essa pretensão não colheu.

Entretanto, Menezes tentou também chamar o antigo chefe do Executivo, Edmund Ho, colocando-o sobre a pressão de ser testemunha, estratégia entretanto bloqueada pelo atual chefe do Executivo, Fernando Chui Sai On, em nome de interesses de Estado.

Juridicamente, o que está em causa é saber se há – ou não – direito a indemnização. Contudo, por detrás deste processo paira no ar a ideia de que ele pode provocar consternação pública sobre um capítulo de Macau que muita gente prefere ver de vez trancado no baú. Nos Estados Unidos, os processos movidos por Steven Jacobs (despedimento sem justa causa) e por Richard Suen (comisssões por lobby em Pequim) contra Sheldon Adelson acabaram por desvendar suspeitas de corrupção e tráfico de influências na atribuição das licenças de jogo em Macau. Também bombástica foi a revelação de um email enviado pelo então advogado da Venetian, Leonel Alves, através do qual deu conta à empresa de que alguém com influência em Pequim – Np Lap Seng, atualmente em prisão domiciliária nos Estados Unidos – se propunha tratar de calar Marshall Hao, resolvendo simultaneamente o licenciamento do Four Seasons, a troco de 300 milhões de dólares. 

Há quem defenda que este tipo de danos colaterais aconselhariam Adelson a fazer acordos em vez de enfrentar julgamentos. Contudo, o patrão da Venetian prefere a tese contrária: nunca ceder, sob pena de passar a vida a ser pressionado para pagar indemnizações. 

 

Paulo Rego 

 

 

 

 

 

 

 

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