Jogo desigual nos salários

por Arsenio Reis

Entre os funcionários importados em cargos de direção e chefia na indústria do jogo,
os homens auferem, por mês, 98.990 patacas, equivalendo a mais 38.200 patacas do que as mulheres, na mesma posição

Os números oficiais dão conta de diferenças salariais entre os residentes e os não residentes e entre as mulheres e os homens, particularmente em cargos de chefia da indústria do jogo. Segundo a Direção dos Serviços de Estatísticas e Censos (DSEC), em Dezembro do ano passado, excluindo as participações nos lucros e os prémios, a remuneração média na indústria do jogo foi de 21.630 patacas, o que equivale a um aumento de 4,6 por cento, em termos anuais. Os residentes auferiam, em média, 21.690 patacas, enquanto os não residentes recebiam 20.580 patacas.

Porém, analisando especificamente os cargos cimeiros da indústria do jogo, notam-se grandes discrepâncias salariais. A trabalhar na indústria do jogo, havia 2245 diretores e quadros dirigentes de empresas do jogo, 946 dos quais eram do sexo feminino. Em média, em Dezembro do ano passado, um diretor auferia 56.870 patacas, enquanto uma mulher no mesmo cargo recebia menos 11.470 patacas.

Ainda nos quadros dirigentes, notam-se grandes diferenças entre os não residentes e residentes, com estes últimos a auferir uma média mensal de 48.470 patacas, o que corresponde a menos 34.410 patacas do que os trabalhadores importados.

Os números oficiais dão conta ainda de diferenças salariais entre as mulheres e os homens, no interior do grupo de residentes e de não residentes. Assim, se no caso dos locais, as mulheres auferem 43.640 patacas, o que corresponde a menos 8.380 do que os homens, as diferenças são particularmente notórias no seio dos não residentes. Entre os trabalhadores importados em cargos de direção e chefia, os homens auferem, por mês, 98.990 patacas, equivalendo a mais 38.200 patacas do que as mulheres, na mesma posição.

No que toca aos especialistas de profissões intelectuais da indústria do jogo, a categoria imediatamente abaixo, os números da DSEC dão conta de uma diferença também significativa entre os níveis salariais dos homens e das mulheres — os primeiros auferem um vencimento na ordem das 50.400 patacas, enquanto as congéneres do sexo feminino recebem menos 5.351 patacas. Há também discrepâncias no que toca aos residentes e não residentes, já que os primeiros auferem uma média mensal de 38.970 patacas, enquanto os segundos recebem menos 23.560 patacas.

Nas restantes categorias da indústria do jogo, sejam técnicos ou administrativos, nota-se uma diferenciação salarial pela negativa das mulheres em relação aos homens ainda que essa se torne positiva, quando os números se referem a posições médias ou inferiores, na escala hierárquica. Por exemplo, no caso de funcionários de serviços e vendas, as mulheres não residentes auferem 15.090 patacas, o que corresponde a mais 4.630 do que os homens. Também no caso dos seguranças, as mulheres recebem, em média, por mês, um total de 20.610 patacas — mais 9.720 do que os homens.

Já no que toca à distinção salarial entre os trabalhadores importados e locais, nas categorias cimeiras de direção, profissionais ou técnicos, as diferenças são grandes, a favor dos importados. Conforme se desce na escala hierárquica, nota-se uma inversão de papéis e valores, com os trabalhadores residentes a auferirem mais — é o caso dos funcionários da caixa e administrativos, com os locais a receberem, em média, 25.320 patacas por mês, o que equivale a mais 9.650 patacas do que os não residentes.

Sem diferenças
Em declarações ao PLATAFORMA, o secretário-geral da Cáritas, Paul Pun, diz que, segundo a sua própria experiência profissional, “não existe diferenciação” nos salários de homens e mulheres.

Aliás, o dirigente afirma que tem notado uma mudança de mentalidade no território, de forma a atenuar potenciais discriminações. “Em Macau, as pessoas costumavam preferir ter um filho ao invés de uma filha, mas hoje em dia há cada vez mais pessoas a preferirem uma menina ao invés de um rapaz”, diz, acrescentando: “Macau já mudou.” Por isso, se as mentalidades mudaram e as diferenciações salariais também “são inaceitáveis”.

Confrontado com a diferença de vencimentos mensais entre residentes e não residentes, sobretudo em cargos cimeiros da indústria do jogo, Paul Pun afirma que não é aceitável. “Todos devem receber o mesmo”, diz, acrescentando, porém, que no caso dos importados entende a diferenciação como uma compensação pela deslocação. “Vêm de fora e as crianças não têm direito a educação gratuita no território. Quando se contrata alguém de fora, pode dar-se-lhes alguma coisa adicional para garantir o sustento das crianças”, afirma. Ainda assim, considera que o governo deveria garantir o acesso à educação gratuita a todos, não apenas aos residentes, inviabilizando tais diferenciações salariais. “Independentemente do escalão salarial dos trabalhadores migrantes, todas as crianças deviam ter direito a educação gratuita”, remata.

Trabalhando com quatro das seis operadoras existentes, a diretora da empresa de recursos humanos Evolution HR, Jennifer Liao, diz que nunca notou diferenças salariais entre homens e mulheres, em posições de topo nos casinos. “Há até bastantes executivas a ganhar mais do que os homens”, diz, acrescentando: “Tenha em conta que muitas mulheres têm bebés e desaparecem do mercado de trabalho durante algum tempo, perdendo algumas vantagens.”

Porém, no geral, a especialista em recursos humanos acredita que é até um mercado bastante “justo”, referindo que existe uma espécie de tabela salarial, seguida pelas operadoras, onde a cada posição corresponde um determinado nível. “É uma forma de garantir que não há diferenciação.”

Porém, admite que há discrepâncias entre locais e trabalhadores importados, mas aponta vários motivos. “Quando se recruta alguém no estrangeiro, em comparação com os executivos da mesma categoria de Macau, normalmente têm muito mais experiência”, diz. 

Além disso, para atrair estes executivos estrangeiros, a indústria do jogo acaba por lhes garantir um vencimento superior, uma vez que a vinda para o território implica uma mudança grande de vida.

Acresce a isso que nos Estados Unidos e Austrália — donde vêm a maior parte destes executivos — continua a pagar-se impostos elevados. “Ao vir para Macau, continuam a ter de pagar impostos nos seus países e em Macau. Muitas vezes, quando as empresas recrutam estes executivos, têm isso em conta”, diz, contrapondo, porém, que ainda que, em bruto, o valor pareça “elevado”, feitas as deduções, não há uma diferença assim tão grande.

Por ocasião da celebração do Dia Internacional da Mulher, a 8 de março, em declarações ao Hoje Macau, a dirigente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública, Rita Santos, afirmou ainda existir “uma discriminação muito grande” entre homens e mulheres. “Veja-se na Assembleia Legislativa, quantas mulheres há? E nos principais cargos, quantas mulheres há? Na Função Pública quantos diretores são mulheres? E no setor privado a maioria são homens que lideram os cargos de chefia. E se forem mulheres, questionam-se as relações de proximidade que possam ter”, referiu.

O PLATAFORMA contactou as seis operadoras de jogo mas, até ao fecho desta edição, não conseguiu obter respostas.

Luciana Leitão

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