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Clima auspicioso em Paris

José Eduardo Martins, advogado português especialista em questões do ambiente, acredita num bom acordo na Conferência do Clima, que decorre em Paris. A China, diz, está rapidamente a migrar para a economia verde e Macau pode ter um duplo papel nesse movimento: importar know-how que beneficie o Continente e exportar capitais chineses que ajudem a mudança de paradigma nos países em vias de desenvolvimento. 

 

Plataforma- Há quem desvalorize estas cimeiras, porque esperam grandes soluções e compromissos e ficam depois dececionados com o resultaso final. o que podemos esperar desta conferência de Paris?

José Eduardo martins – As grandes cimeiras internacionais partilham os vícios e as virtudes de todos os processos de decisão política. À escala nacional a política é a arte do possível. À escala planetária, usando o consenso como método de decisão, a dificuldade de fazer convergir os interesses de quase 200 Estados soberanos em torno de um denominador comum aumenta exponencialmente. Admito que muitos possam sentir frustradas as suas expectativas.

As expectativas criadas com a COP21, em Paris, são suficientemente amplas para pressionar os chefes de Estado e de governo ao ponto de se obter um acordo; friso, em torno do compromisso possível. Sem optimismo excessivo, creio que o máximo denominador comum será suficientemente ambicioso para contribuir para um combate mais eficaz às alterações climáticas.

 

– Há acordos bilaterais e compromissos assumidos por mais de 150 países para a redução dos gases de estufa e o reforço das energias alternativas. Contudo, todos eles, ou a grande maioria, estão ainda longe de os cumprir…

J.E.m. – Os compromissos de redução de emissões de gases com efeito de estufa – “pledges” – são já um resultado notável e asseguram um aumento da temperatura global do planeta de apenas 2,7o centígrados, quando o objetivo final da COP21 é o de limitar o aumento a 2o centígrados. O método negocial escolhido, assente na publicitação dos compromissos, permite desencadear uma competição entre todos os Estados e não apenas entre os Estados desenvolvidos, como acontecia com o Protocolo de Quito, assinado em 1997.

Nada impede que no futuro os Estados tornem mais exigentes os seus compromissos. Um dos pontos ainda em negociação é o da revisibilidade dos compromissos e das metas, que a Chin defende que se faça a cada cinco anos. A proposta chinesa poderia ser acolhida se fosse estabelecida uma revisibilidade de sentido positivo; isto é, que na média de um período longo (digamos 30 anos) a redução no final do período fosse sempre maior do que no início, ainda que com ajustamentos provocados pelo ciclo económico ou por necessidades sociais. Os compromissos são assumidos para o futuro e são baseados em objetivos ambientais, mas com tradução económica. Diminuir as emissões de gases com efeitos de estufa é diminuir a intensidade energética dos processos industriais, o que torna a economia mais eficiente e competitiva. Poupar energia e combustíveis fósseis permite equilibrar a balança comercial, subir na escala tecnológica e disponibilizar recursos públicos e privados para necessidades coletivas. Se consultar os documentos de planeamento económico disponibilizados pelo governo chinês verá que há uma análise muito profunda destes fatores e já foi tomada a decisão política de tornar a economia chinesa mais competitiva por via da redução de emissões de gases com efeito de estufa.

 

– Estaremos ainda na fase de negar o problema? ou ele está assumido e resta a uma prática política consequente?

J.E.m. – A comunidade científica já disponibilizou provas mais do que suficientes da existência e das consequências das alterações climáticas. Não vale a pena discutir se há ou não alterações climáticas. O pior cego é aquele que não quer ver.

 

– Há quem defenda que temos apenas 17 anos, se pararmos já de emitir gases de carbono, para impedir uma subida de temperatura média de dois graus centígrados. são previsões alarmistas?

J.E.m. – Esses valores são os do cenário médio. Há cenários mais pessimistas e outros ligeiramente mais otimistas. A paragem que refere tem como referência um ano base e é em relação a esse ano que se aposta em reduzir as emissões em cerca de 40% até 2030. Não é correto referir a paragem total e imediata das emissões. Tal seria impossível e excessivo e valida o cenário médio mais provável. Dito isto, há sempre alguma especulação nos extremos do espectro da discussão. Encontrará sempre negacionistas que acham que não há alterações climáticas por mais evidentes que sejam os fenómenos meteorológicos extremos causados pelo homem. E encontrará sempre catastrofistas que acham que tudo está perdido e que não podemos fazer nada. Se me permite a ousadia de citar Confúcio: “Pensar sem aprender torna- nos caprichosos, e aprender sem pensar é um desastre.”

 

– O que é mesmo consensual entre os cientistas?

J.E.m. – A comunidade científica considera que qualquer aumento da temperatura média global superior a dois graus centígrados terá consequências dramáticas e tendencialmente irreversíveis. Este é o consenso científico. O que procuramos em Paris é obter um consenso político quanto à melhor forma de não ultrapassar esse limite.

 

– Faz sentido a tese da irreversibilidade?

J.E.m. – Se nada fizermos, o simples derreter das calotes glaciares fará subir de forma significativa o nível do mar. A vasta maioria da população do planeta vive no litoral. Deixe-me dar um exemplo simples: com a subida de um metro do nível do mar, metade da superfície do Bangladesh, aquela em que se encontra a maioria dos seus 160 milhões de habitantes, ficaria debaixo de água. O mesmo aconteceria em grande parte do litoral de Portugal e, lamento dizê-lo, também em Macau, que se situa na foz do rio das pérolas.

 

– Os grandes decisores mundiais estão convencidos disso?

J.E.m. – Os decisores políticos têm consciência da importância das alterações climáticas e da importância que os cidadãos atribuem. Gostaria de frisar a evolução do posicionamento da China, que será o principal actor na COP21, contribuindo para um bom acordo. Não só por razões económicas, mas também porque as consequências negativas do desenvolvimento económico – desde logo a poluição atmosférica – se tornaram um problema de política interna chinesa, que não pode ser ignorado.

 

– Qual é o consenso possível em Paris?

J.E.m. – O acordo será feito entre os que podem contribuir, pagando, para a redução das emissões de gases com efeito de estufa nos países em vias de desenvolvimento e os que pretendem manter uma fase transitória de emissões em que as regras não se lhes apliquem na totalidade. No primeiro grupo sempre tivémos a União Europeia. Com o Presidente Obama, passámos a ter os Estados Unidos e, mais recentemente, com Xi Jinping, também a China. No segundo grupo temos vários Estados ditos em vias de desenvolvimento, liderados pela Índia, que pretendem continuar a utilizar combustíveis fósseis, em particular o carvão, sem qualquer limitação. Julgo que o acordo será feito em torno do quanto se diminuem as emissões (os compromissos já estão muito próximos do objetivo final), do quanto se paga aos países em vias de desenvolvimento (a China assumiu já a liderança deste processo) e da arquitetura jurídico- institucional do acordo (dimensão vinculativa, fiscalização do cumprimento e revisibilidade das metas).

 

– A China e os Estados unidos parecem te baixado a guarda no discurso ecológico. E a Europa, que liderava a discussão, perdeu também algum gás. o que aconteceu?

J.E.m. – Não concordo com essa afirmação. A China, por razões de boa economia (aumentar a competitividade), por razões de política interna (combater a poluição atmosférica) e por óptimas razões de afirmação internacional (grande financiador dos países em vias de desenvolvimento) assumiu um grande protagonismo na negociação de um novo regime jurídico em matéria de alterações climáticas.

Os EUA têm sido muito ativos nessa negociação, mas a Administração Obama enfrenta duas câmaras do Congresso dominadas pelo Partido Republicano, tradicionalmente contra a mitigação das alterações climáticas e apoiante dos lobbies dos combustíveis fósseis. Por todas estas razões os EUA não querem que a COP21 se traduza num tratado que tenha de ser aprovado pelo Congresso; ou seja, chumbado pelos republicanos. Temos de encontrar uma fórmula que lhes permita “aderir” ao acordo de Paris sem terem de o ratificar como tratado, recorrendo a medidas de execução que envolvam apenas os poderes do Presidente.

A União Europeia é uma organização sui generis e, como tem um mecanismo de representação institucional muito complexo (Conselho Europeu, Comissão Europeia, Parlamento Europeu), por vezes surge com voz pouco audível no plano internacional. Mas é o maior mercado de direitos de emissão de gases com efeito de estufa e o mais avançado do ponto de vista das tecnologias ambientais; definine os standards internacionais em matéria ambiental, tem uma regulação eficaz e consenso político nestas matérias. Queremos fazer mais e partilhar a nossa experiência?

Claro que sim.

 

– Destes três blocos dominantes, qual será capaz de liderar a defesa do ecosistema?

J.E.m. – Os três devem agir em conjunto. A União Europeia continua a ter as tecnologias e o know-how necessários ao combate às alterações climáticas, em particular em matéria de tratamento de resíduos, de águas residuais, de poluição tmosférica, processos industriais, energias renováveis e transportes. A China tem de melhorar a eficácia da sua economia, reduzindo emissões e ajudando os países em vias de desenvolvimento a reduzi-las. Os EUA têm alguma tecnologia em matéria de economia verde e, sobretudo, muito capital que podem exportar. Infelizmente, não temos muitas certezas em relação à evolução política nos EUA em matéria de alterações climáticas. Mas mesmo que no futuro tenhamos apenas a União Europeia e a China a cooperarem activamente, a possibilidade de obter bons resultados e sinergias é muito grande.

 

– Mesmo que haja vontade política; realisticamente, quando tempo levará a China a mudar os seus paradigmas de produção e de consumo?

J.E.m. – A China tem a possibilidade de saltar várias etapas no processo de desenvolvimento económico e tecnológico. Já o fez no passado e poderá voltar a fazê-lo. Em Portugal, por exemplo, existem inúmeras empresas altamente especializadas no tratamento de águas residuais urbanas e de resíduos sólidos urbanos. Quer as águas residuais quer as lixeiras e aterros não controlados produzem enormes quantidades de metano, um dos gases com efeito de estufa. Um programa a dez anos permitiria à China resolver esses problemas de forma definitiva, contribuindo para a diminuição da poluição atmosférica e eliminando a contaminação dos cursos de água.

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A economia verde é uma realidade na china

– Acredita na economia verde como oportunidade de liderança de uma nova ordem? ou seja, na influência planetária de quem mais depressa fizer a viragem?

J.E.m. – Certamente. Parece-me que tal já foi compreendido na China e que a economia verde está a ser encarada como uma pedra importante na construção de uma nova ordem internacional, mais verde e mais amiga do planeta. A União Europeia deu os primeiros passos e, muitas vezes, fomos criticados. Mas não temos problemas em termos tido razão antes de tempo. No combate às alterações climáticas todo o tempo é pouco; não se negocia com a natureza. A economia verde é já uma realidade e será cada vez mais importante. A China é já o maior produtor mundial de painéis fotovoltaicos. E as indústrias verdes, pelo volume de negócios que geram, pela quantidade de pessoas que empregam, são tudo menos retóricas.

 

– A dependência global das energias fósseis é hoje superior a 80 por cento. não será já mera retórica pensar que invertemos isto em duas ou três décadas?

J.E.m. – Penso que vamos inverter a situação em menos tempo: até 2030. Deixe-me dar-lhe um exemplo: se substituirmos na iluminação pública as lâmpadas incandescentes por LED’s teremos poupanças fabulosas de consumo de electricidade gerada a partir de combustíveis fósseis. E os custos da substituição das lâmpadas é amortizado rapidamente. Por ouro lado, há países, como a Rússia, que cumprirão as novas metas pelo simples facto de a sua economia estar a desacelarar: menos atividade económica significa menos emissões de gases com efeitos de estufa.

 

– Portugal tem merecido elogios por parte de várias organizações internacionais, dada a redução dos seus níveis de emissão de poluentes e à aposta nas energias renováveis. Esse know-how pode ser uma oportunidade para a exportação?

J.E.m. – Já está a ser. As principais empresas portuguesas na área das energias renováveis já têm a maior parte do seu volume de negócios fora de Portugal e da União Europeia. Julgo que essa tendência se vai acelerar.

 

– Considerando o mercado chinês, qual seria a estratégia a adoptar por Portugal?

J.E.m. – Os investidores chineses estão muito atentos às oportunidades de negócio em Portugal e têm marcado presença no setor energético, em particular no das energias renováveis. Os investidores portugueses continuam a procurar joint-ventures com parceiros chineses que facilitem o acesso ao mercado chinês. Acredito que os canais diplomáticos, como o da AICEP, ou o da Embaixada da China em Lisboa, têm feito um bom trabalho. Mas podemos fazer melhor e, sobretudo, obter melhores resultados e parcerias.

O novo governo português anunciou a vontade de incluir na contabilidade pública os valores dos ativos e dos serviços ambientais. Quando tal acontecer abre-se a porta à concretização de instrumentos de financiamento baseados em ativos ambientais, o que pode despertar o interesse de um mercado exportador de capitais como é o mercado chinês.

 

– No contexto da ponte entre a China e a lusofonia, terá macau condições de desempenhar um papel de intermediação nestas áreas?

J.E.m. – Macau é a porta de entrada na China para os países da Lusofonia. Mas deve ser também a porta de saída do investimento chinês para os países em vias de desenvolvimento. Desde logo, o investimento dirigido à redução de emissões de gases com efeito de estufa e à adaptação daqueles países às consequências das alterações climáticas. Tal significa utilizar o know-how português, quer do setor público quer no privado, em matéria de soluções tecnológicas e financeiras e de mecanismos jurídico-institucionais que permitam fazer chegar aos países em vias de desenvolvimento os fluxos financeiros disponibilizados pelos diversos fundos para as alterações climáticas e que serão alimentados com os resultados da COP21.

Tenho participado em projetos muito gratificantes em que nós portugueses temos sabido encontrar soluções jurídico-institucionais para ligar o capital natural dos países em vias de desenvolvimento com o capital financeiro dos financiadores internacionais. Tudo isto numa lógica de diálogo e envolvimento dos parceiros, potenciando as sinergias de todos. E isto é aquilo que os nossos amigos chineses sabem, há mais de cinco séculos, ser a mais valia de ser português.

Captura de ecrã 2015-12-9, às 16.31.43

Macau é a porta de entrada na China para os países da lusofonia. Mas deve ser também a porta de saída do investimento chinês para os países em vias de desenvolvimento.

4 DE DEZEMBRO 2015 

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