Início Entrevista “Há demasiados compromissos políticos que têm de ser honrados”

“Há demasiados compromissos políticos que têm de ser honrados”

Carlos Oya, economista espanhol perito em políticas de apoio ao desenvolvimento e investigador na School of Oriental and African Studies (SOAS), em Londres, antecipa a transferência de manufatura e competências da China para os países africanos com maior capacidade energética – e mão de obra barata. O académico acredita que Pequim não deixará de cumprir nos próximos anos todos os compromissos que assumiu com o continente.

– Entende que o atual ambiente de abrandamento chinês pode beneficiar alguns dos países africanos. Que países poderão estar em vantagem, sendo certo que haverá penalização para alguns países com exportações para a China?

Carlos Oya – Será benéfico sobretudo para os países com condições para desenvolver a manufatura. A oportunidade surge, primeiro, no quadro de algumas indústrias da China terem de deixar o país. Em parte, devido ao abrandamento, mas também porque as prioridades estão agora em sectores estratégicos de alta tecnologia e nos serviços. O reequilibrar da economia chinesa introduz mudanças estruturais. A questão está em saber o que acontecerá com estes outros sectores: de baixa tecnologia e mão de obra intensiva. Uma das razões pelas quais têm de deixar o país tem que ver com o aumento rápido dos custos do trabalho na China ao longo dos últimos 20 anos. São sectores que deixaram de ser competitivos na produção de bens básicos de consumo. Tal traz oportunidades potenciais para países que consigam desenvolver as condições para atrair investimento para estes sectores de mão de obra intensiva e baixo nível tecnológico. Porquê a opção estaria nos países africanos? Porque há mão de obra barata ainda que a produtividade seja baixa. Mas, com formação e desenvolvimento de competências, estas empresas podem alcançar os níveis de referência de produtividade num prazo relativamente curto. A grande questão é que isto apenas pode acontecer havendo algumas condições básicas. Neste tipo de manufactura uma das coisas que são necessárias é abastecimento energético fiável. É aí que países como a Etiópia apresentam vantagens, por terem desenvolvido em termos básicos esta oferta de energia para atraírem investidores. Há muitos países africanos que enfrentam problemas graves de abastecimento. Portanto, estas oportunidades não se apresentarão a todos. Esta é também uma das razões pelas quais o desenvolvimento de infraestruturas é crítico: capacidade de geração de energia, estradas e infraestruturas económicas básicas. Sem estas, as empresas chinesas optarão pela América Latina ou outros países asiáticos que ainda apresentam vantagens do ponto de vista do custo do trabalho.

– Trabalhou alguns anos em Moçambique. Refere que a Etiópia será uma base favorável para a transferência da manufatura chinesa. Moçambique poderá também ser uma opção?

C.O. – Moçambique tem potencial por ter uma capacidade de geração de energia substancial, com Cahora Bassa. E, de facto, o país exporta eletricidade para os países vizinhos. Mas tem uma rede muito fraca. Porém, há o precedente de uma fábrica de produtos de alumínio, que exige bastante eletricidade, junto a Maputo. É possível que Moçambique crie a capacidade para pelo menos estabelecer alguns parques industriais junto a Maputo. Há potencial aqui, mas não em outras zonas do país. Os custos com energia e mão de obra são baixos. Talvez haja um défice ao nível das competências da mão de obra nestes sectores, por comparação com a Etiópia. Mas a capacidade pode ser criada de forma relativamente rápida neste tipo de sectores conquanto haja uma estratégia para tal. O problema de Moçambique é que o Governo não tem a ambição e orientação estratégica que o Governo da Etiópia tem demonstrado. O Governo moçambicano tem, até aqui, estado sobretudo empenhado em atrair investimento estrangeiro para megaprojectos ou extracção de recursos naturais. Com a descoberta de reservas de gás natural foram criadas de certa forma as condições para não se perseguir um caminho de industrialização – o que são notícias menos boas para o país. Potencialmente, haverá rendas substanciais que podem ser reinvestidas no país, mas estamos perante um grande se…

– Houve bastantes expectativas relativamente à cooperação chinesa na agricultura em Moçambique. Quais os resultados?

C.O. – Foram escassos. E esse é um dos problemas com alguma da literatura sobre as relações China-África. Moçambique foi um desses casos onde havia histórias sobre compra de terrenos agrícolas que basicamente não se confirmaram. Vale a pena ler o novo livro de Deborah Brautigam, “Will Africa Feed China?”, porque demonstra que grande parte destas histórias são mitos. O investigador Sérgio Chichava, em Moçambique, é a pessoa que trabalha nestas questões e o que podemos ver é que os resultados são relativamente limitados. Houve algumas experiências de irrigação em Gaza, mas pouco. E muito disto é um misto de assistência técnica – ou seja, programas de ajuda ao desenvolvimento – para promover a irrigação e novas técnicas de produção de arroz. Também há algum investimento privado, mas de escala bastante pequena. Se formos comparar com o investimento em açúcar ou com o investimento das multinacionais no sector do tabaco, é extremamente pequeno.

– Que papel têm tido as instâncias multilaterais, tais como o Fórum de Macau, nesta relação?

C.O. – Houve vários compromissos assumidos, como a criação de fundos de garantias de crédito para financiar projetos em África – mil milhões de dólares norte-americanos, no caso do fundo associado a Macau desde 2010. Mas grande parte desse investimento não foi realizado. Falamos de projetos políticos falhados? C.O. – Algumas destas plataformas são problemáticas porque no fundo são lugares de diplomacia e de grandes anúncios que é pouco provável que sejam cumpridos. Naturalmente, quando se prometem dois mil milhões, talvez se realizem mil milhões – que é o que tem acontecido. Ao olharmos para os fóruns anteriores – não o lusófono, mas os mais abrangentes – percebemos que há uma relação entre algumas dessas promessas e um aumento substancial no financiamento de infraestruturas e coisas do género. Portanto, as coisas acontecem. Estou pouco certo do contributo que estas plataformas adicionais podem ter. Sinto que provavelmente são redundantes. Qual a necessidade de ter uma plataforma específica para os países lusófonos quando os grandes intervenientes nos restantes fóruns são de facto países como Angola, sendo Moçambique também um participante de peso? Não sei porque isto acontece, mas também não acompanho tanto. Não acredito muito em grandes anúncios e sigo mais o que se passa no terreno. Mas parece-me que a China precisa apenas de um grande fórum, aquele que tem lugar anualmente e que agora vai ocorrer na África do Sul, em Dezembro. O que quer que seja anunciado neste fórum pode ser levado a sério, mas haverá sempre alguma diferença entre as promessas e a realidade. O anterior primeiro-ministro chinês [Wen Jiabao] referiu há uns anos 20 mil milhões de dólares para ajuda ao desenvolvimento, infraestruturas, não sendo claro que parte dizia respeito a financiamento oficial ou ajuda. É imenso dinheiro. Algum dele chegará ao destino, mas não sabemos quanto. Não é claro.

– O facto de ser muito difícil ter acesso a dados oficiais sobre o que é ajuda e o que é financiamento de outro tipo de projetos tem prejudicado o trabalho das agências?

C.O. – As pessoas perguntam-se porque há tanto segredo e é tão difícil perceber os números. Há muita especulação. Há quem entenda que há uma tentativa deliberada de não dar a conhecer toda a informação, uma vez que mostrar o jogo todo poderá prejudicar os interesses chineses. Julgo que está em causa também aprender fazendo, no sentido em que a China não tem uma agência votada à ajuda ao desenvolvimento. Tudo está concentrado no Ministério do Comércio e Finanças, que controla o orçamento para ajuda. Deste modo, a arquitetura das transações torna-se muito complicada. Há fontes diferentes, como os bancos, o ministério, os governos provinciais, e por aí fora. Parte do problema está em haver todo este tipo de fontes numa arquitetura relativamente complicada. À medida que o orçamento aumenta, tal como os intermediários e as promessas, assistiremos provavelmente à emergência de uma instituição mais dedicada a centralizar estas informações. A questão está em centralizar estes acordos. Por outro lado, estes bancos – o EXIM e o Banco de Desenvolvimento da China – estão de tal modo empenhados no desenvolvimento de infraestruturas, ao contrário de outros bancos internacionais de natureza comercial, que por vezes parece confuso ter o financiamento de infraestruturas a canalizar a ajuda a África. Mas, de facto, estes bancos estão a fazer aquilo que o Citibank e outros grandes bancos internacionais poderiam estar a fazer. Estes não o fazem porque os riscos são elevados e porque a relação entre o sector financeiro norte-americano e o seu Governo é muito diferente da relação entre os bancos estatais e o Governo chinês. Neste sentido, é mais fácil os bancos chineses comprometerem-se com projetos de aparência arriscada, uma vez que fazem parte do aparato do Estado. Portanto, o problema é haver todos estes atores diferentes que criam confusão facilmente. Seria melhor haver uma gestão centralizada da informação para não haver tanta especulação. Por outro lado, a palavra ‘desenvolvimento’ também se presta a confusões: do ponto de vista da China, construir uma estrada é desenvolvimento.

– As agências na área da ajuda ao desenvolvimento têm facilidade em cooperar com a China?

C.O. – As autoridades chinesas não têm qualquer intenção ou vontade de trabalhar conjuntamente, para além do que os bancos estão a fazer. São essas as instituições com maior probabilidade de terem algum tipo de parceria. Mas são bancos com grande poder financeiro. Não há parcerias com agências, especialmente as pequenas. E não conheço qualquer exemplo de parceria com o Ministério das Finanças e Comércio chinês.

– Após a crise financeira, assistiuse a alguma retirada dos países desenvolvidos de África. E agora, com o abrandamento chinês, poderá haver outra retirada. O continente tem construído expectativas sobre os projetos que pode ter. Quais os riscos destas alterações no cenário internacional?

C.O. – Sim. Mas, se olharmos para os números, a retirada das agências tradicionais dos países da OCDE não se verifica. Houve estagnação após um período de crescimento na ajuda, mas apenas no período mais severo de 2008 e 2009. Agora está a haver novo aumento nos orçamentos. Há algumas saídas, mas de doadores muito pequenos, como Espanha, Itália, etc., que cortaram os orçamentos. Mas os grandes doadores não o fizeram. O Reino Unido aumentou de facto o apoio nos últimos anos. A França e a Alemanha não reduziram significativamente os orçamentos. Foi uma surpresa não termos assistido a um afundamento da ajuda. No que diz respeito à China, ainda não assistimos a nada. Aquilo que vemos é uma descida de 85 por cento em relação a 2014, mas apenas porque esse ano foi de grande incremento. Estas flutuações acontecem quando as bases de crescimento são relativamente pequenas. Temos de esperar para ver o que acontece nos próximos cinco anos. Creio é que não crescerá tão rapidamente quanto até aqui, mas não esperaria uma grande quebra. Há demasiados compromissos políticos que têm de ser honrados. Duvido que o regime chinês recue.

– Irá agora trabalhar em Angola noutro projeto relacionado com questões de trabalho e com a China. Qual?

C.O. – Vou estar na Faculdade de Economia da Universidade Agostinho Neto. O projeto consiste em analisar os compromissos que foram feitos no passado, uma vez que não há qualquer investigação sistemática em questões como criação de postos de trabalho e a contribuição de parceiros externos para o mercado de trabalho local. Trata-se de perceber como é que a dinâmica do mercado de trabalho é afectada por este envolvimento. Vamos olhar para dados reais em termos comparados. Não estaremos apenas concentrados nas empresas chinesas, mas olharemos para todas as empresas estrangeiras nos sectores de trabalho intensivo, incluindo a construção. Teremos em conta também as empresas nacionais. No fundo vamos tentar perceber como os diferentes investidores operam no mercado de mãode-obra, analisando não apenas a criação de emprego e condições de trabalho, mas também o desenvolvimento de competências. O investimento em alguns destes sectores – sobretudo, a manufactura – é normalmente acompanhado de uma substancial transferência de competências nas fases iniciais, sobretudo. Vamos tentar perceber como ocorre a formação no posto de trabalho e também nos centros de formação que foram criados através de parcerias entre o Governo angolano, outros governos e empresas. Por exemplo, o grupo chinês Citic criou um grande centro de formação na área da construção. Vamos analisar a situação de Angola e também da Etiópia.

– Houve um aumento das capacidades internas dos países, efetivamente?

C.O. – Vemos um aumento da oferta de mão-de-obra nestes sectores, que era praticamente inexistente antes. Mas não tem que ver com a ajuda, está relacionado com o trabalho das empresas. As indústrias de têxteis e de produtos em couro treinam trabalhadores em muito poucas competências – mas isso tem que ver com os processos serem pouco exigentes. A questão é que os centros de formação existentes nestes países têm sido bastante ineficazes. Será interessante perceber se, havendo empresas a investir, o impacto será muito maior do que em duas décadas de formação profissional. As competências são normalmente muito melhor apreendidas no posto de trabalho do que na sala de aula.

“Qual a necessidade de ter uma plataforma específica para os países lusófonos quando os grandes intervenientes nos restantes fóruns são de facto países como Angola, sendo Moçambique também um participante de peso?”

 

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