Força bilingue

por user.admin

Macau estuda formas de juntar a herança portuguesa, a integração na China, a experiência académica e a capacidade financeira para multiplicar a formação de “talentos bilingues”. Atraindo alunos, mas também apoiando mais de 30 universidades que já ensinam português no Continente. No seminário coorganizado pelo Fórum Macau e pelo Instituto Politécnico, empresários e docentes de Macau, China e Lusofonia deixaram pistas para um mundo novo criado pelas relações económicas e comerciais sino-lusófonas.

Alexis Tam assume a “necessidade” 

O Português é uma língua com impacto à escala global. Falado nos cinco continentes, língua oficial em 9 países, de grandes potências económicas emergentes e em mais de duas dezenas de organismos multilaterais ou regionais é uma opção normal quando falamos em bilinguismo. Todavia, para Macau não se trata apenas de uma opção nem de uma oportunidade, mas sim de uma necessidade.

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(Alexis Tam, Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura )

O investimento na sua formação é determinante para desenvolvermos com sucesso a missão estratégica que nos foi confiada pelo Governo Central, de servirmos como plataforma entre a República Popular da China e os países de língua portuguesa. Contudo, a língua portuguesa não tem apenas significado pela sua dimensão económica; tem igualmente uma vertente social e cultural da língua que podem potenciar, decisivamente, a afirmação regional de Macau. É esta diversidade cultural e característica que nos torna tão singulares no contexto regional em que estamos inseridos. Por isso, considero verdadeiramente estratégico o investimento que fazemos no ensino do português.

O governo encontra-se atualmente a fazer uma análise das nossas valências, das necessidades mas também das dificuldades encontradas no seu ensino que se desenvolve com características especiais em total submersão na língua materna. Se contabilizarmos todos os organismos públicos e privados envolvidos no ensino da língua constatamos que dispomos de recursos humanos altamente qualificados e inigualáveis no sudoeste asiático. Aliás, tenho defendido publicamente que podemos beneficiar da cooperação com centros de ensino de países de língua portuguesa; e não me refiro exclusivamente à científica. Por outro lado, o aproveitamento dos meios tecnológicos já se revelou indispensável sendo a língua portuguesa a oitava mais usada na Internet.

Estou profundamente convicto de que ao aglutinarmos esforços, ao concertarmos estratégias, estamos a contribuir decisivamente para aproveitarmos a missão que nos foi concedida e a afirmarmo-nos regionalmente como centro de excelência da língua portuguesa. 

Macau no epicentro do bilinguismo 

Podemos assumir que a procura de talentos bilingue vai aumentar”, disparou o secretário-geral do Fórum Macau, Chang Hexi, na abertura do Seminário sobre Ensino e Formação de Bilingues entre a China e os Países de Língua Portuguesa. E “esperamos que se possa aproveitar a plataforma Macau para a formação” desses quadros, rematou Chang Hexi, largando a deixa que o presidente do Instituto Politécnico (IPM) não mais deixaria cair. “Este é o caminho e deixo aqui a promessa de que continuaremos a apostar no português como desígnio estratégico prioritário”, declarou Lei Heong Iok, referindo-se ao incremento das relações económicas e comerciais entre a China e a Lusofonia para frisar “o papel que o IPM reivindica para si; por razões históricas, mas também por estratégica assumida”, não só no ensino em Macau como também no apoio ao ensino na China continental, nomeadamente “através da formação de professores e da produção de materiais didáticos”. Dessa forma, rematou, o Politécnico – herdeiro da Escola de Traduções, há mais de 100 anos – mantém-se “fiel à sua História e à sua identidade”.

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(Chang Hexi, secretário-geral do Fórum Macau )

O segredo é comunicar 

A inovação deste seminário, coorganizado pelo Fórum Macau e pelo IPM, foi juntar docentes e empresários oriundos das geografias sínica e lusófonas, que entre segunda e quarta-feira trocaram informações e experiências com o objetivo de pensarem em eventuais alterações de processos, métodos, ou até estruturas curriculares, no sentido de adaptar o ensino às atuais necessidades dos agentes económicos, no contexto do projeto lusófono chinês; campo de oportunidades com duas vias rápidas: português como língua estrangeira para alunos chineses; e chinês como segunda língua para falantes do português – ler entrevista com Carlos André, nas páginas seguintes.

O Pró-Reitor para a Graduação e Cursos Profissionalizantes da Universidade de Cabo Verde foi um dos que melhor sintetizou a importância do debate que decorreu nas instalações do IPM: “Não só pelos seus conteúdos, mas também pelo tempo em que decorre, que é de grande intensidade nas trocas comerciais” entre a China e os países de língua portuguesa, realçou João Cardoso, enfatizando a dimensão da “troca de valores culturais” que o bilinguismo permite e que ultrapassa a questão instrumental das línguas ou a funcionalidade da troca de bens e serviços. “A alma do negócio já não é o segredo, mas sim a capacidade de comunicar; e de fazê-lo com eficácia”, concluiu, elevando o bilinguismo à função criadora de “redes de relações” e de representação da cultura como “elo possível entre parceiros de negócio”.

O pragmatismo da economia entra a grande velocidade pelo debate académico. “Durante décadas, a língua foi sobretudo um instrumento de cultura, mas hoje há esta nova realidade, que é entendê-la como instrumento fundamental para a economia”, rematou o presidente do Politécnico, confessando que, ainda há cinco anos atrás ainda achava possível haver 30 universidades na China a ministrarem o português como segunda língua: outra realidade que ultrapassa as expectativas e abre, também para Macau, novos horizontes no desígnio político de ser plataforma.

Mário José Filipe da Silva, que veio em representação do Instituto Camões e do Ministério português dos Negócios Estrangeiros, destacou igualmente o papel de Macau na promoção do bilinguismo, porque “tem saber, vontade, a vantagem da experiência e a dinâmica da ação”, vislumbrando largos horizontes para “duas línguas com importância crescente”. Descrevendo a aposta de Portugal na internacionalização da sua língua – mais de 60.000 alunos em 82 países – destacou o papel que o Instituto Português do Oriente, a partir de Macau, pode desempenhar enquanto instituição qualificada e com mais de 25 anos de experiência no ensino do português como língua estrangeira.

Flexibilidade mas não só

Associações de empresários e homens de negócio pedem “talentos bilingues” feitos “à medida” das empresas que, a partir de Macau ou do Continente, partem para os países lusófonos com necessidades específicas nas áreas da construção civil, trading, comércio, ou outras. As universidades estão abertas a esse diálogo, mas com limites intelectuais e académicos

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“Uma licenciatura é uma licenciatura”, ressalva o coordenador da Escola Superior de Línguas e Tradução do Instituto Politécnico de Macau (IPM), Luciano de Almeida. O que não quer dizer que não haja vontade e capacidade para se adaptarem os currículos à demanda do mercado por “talentos bilingues”, ideia transversal em todo o seminário e muito vincada por Carlos André, organizador do evento e coordenador do Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa – ver entrevista neste suplemento. A flexibilidade curricular responderá a algumas questões, mas serão sobretudo necessárias “novas licenciaturas e “licenciaturas inovadoras”, para além de “cursos feitos à medida” das empresas e das instituições, sem ambição de grau académico, sintetiza Luciano de Almeida.

Afinal, que talentos são esses e de que mercado estamos a falar? “Poderia falar na formação ministrada nos cursos de Chinês/Inglês-Inglês/Chinês”, mas no contexto deste seminário a questão põe-se “especificamente, na estruturação do ensino de Chinês/Português-Português/Chinês”, atendendo à finalidade de satisfação das necessidades do mercado. Porque, em Macau, no atual contexto geopolítico, o mercado “evidente” é o das “relações comerciais China – Países de Língua Portuguesa”, conclui Luciano de Almeida.

A nova licenciatura este ano lançada pelo IPM, que combina dois anos de aprendizagem da língua portuguesa para estudantes de língua materna chinesa, com um conjunto de disciplinas que nos anos seguintes combinam competências apontadas à gestão e ao comércio comerciais, foi destacado por Luciano de Almeida como exemplo a seguir, não só para responder às necessidades do mercado, mas também para aproveitar as vantagens económicas, histórias e culturais de Macau para afirmar a região como centro de formação de quadros bilingues.

Na definição de bilinguismo, Luciano de Almeida lembra que é preciso ter em conta uma dupla perspetiva: “Aprendizagem da língua portuguesa por alunos chineses e aprendizagem da língua chinesa por alunos dos países de língua portuguesa”. Já no que toca à adaptação curricular, sugere ainda cursos de especialização, de curta duração, também eles com dupla valência: por um lado, cursos destinados a candidatos que já são bilingues, proporcionando-lhes uma nova formação específica numa determinada área, como comércio; informática; direito; gestão, etc. Por outro, cursos destinados a candidatos não bilingues já licenciados numa determinada área do conhecimento, destinados à aquisição de conhecimentos e competências na área da língua e da cultura não maternas”.

A generalidade dos docentes de Macau presentes no seminário referiu a oportunidade de Macau se afirmar como grande centro da formação de quadros chineses e lusófonos bilingues. Por ter condições históricas, académicas, sociais, económicas e políticas. Luciano de Almeida deixou várias sugestões concretas: abertura de novas licenciaturas, cursos de dupla formação, apoio à formação de professores, produção de material didático, reforço das parcerias internacionais ou cursos à medida, por exemplo para diplomatas.

Coimbra e o seu encanto

A complementaridade entre a aprendizagem da língua e outras áreas do conhecimento foi também defendida pelo diretor da Faculdade de Letras de Coimbra, José Pedro Paiva. Para além dos cursos feitos à medida e dos programas sem graduação, tais como os cursos de verão, explicou a estratégia de captação do estudante internacional através de um programa intensivo de aulas de português, durante um ano, com acesso posterior a todos os outros cursos da Universidade, exceção feita ao de Medicina.

No ano em que comemora 725 anos de existência, a Universidade de Coimbra aposta na sua internacionalização querendo afirmar-se como uma das melhores universidades do mundo em língua portuguesa e veio a Macau dizer que “pode” e “quer” atrair este mercado de alunos chineses em busca do português. José Pedro Paiva faz gala não só das qualidades académicas e das instalações coimbrãs – Património Mundial da Unesco – mas também do ambiente social de “uma cidade que vive da Universidade; e para a Universidade”, mas também do convívio entre os alunos das mais diversas origens lusófonas, do Brasil a África, que vão para Coimbra estudar e conviver. Um exemplo centenário, que pode também dar pistas à oportunidade que se abre a Macau.

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 11 DE SETEMBRO 2015

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