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A verdade na pele

EDITORIAL
Paulo Rego

Sábado; 13h00; Clube de Golfe de Cantão: a brisa fresca e o manto verde do Parque das Cinco Cabras emprestam ao local um charme e uma paz que se sobrepõem ao luxo. Há calor, mas não torra a alma nem os miolos. A memória viva de Macau é a selva de cimento e o contraste é violento; impressiona. Mas há outro dado importante: em pleno fim-de-semana de Agosto, um dos restaurantes mais famosos da capital política do Delta funciona a meio-gás. “Nota-se, dia-a-dia, a campanha anticorrupção”, comenta o anfitrião. “Há dois anos, tinha de marcar com antecedência, porque isto estava cheio de oficiais do governo, que traziam família e amigos”. Ainda há dois anos, outro restaurante em Cantão, onde se bebia vinho a sério, “chegava a faturar 10 milhões ao dia”, diz quem o ajudou a conceber. Outros tempos, outras farras.
Fim da tarde; num atelier de design, sente-se o sucesso das últimas décadas. Não há só dinheiro, também há energia, sonho e atitude. Há sobretudo um mundo que antes não se via. Arquitetos, designers e promotores trocam impressões sobre arte, ética e negócio. Partilham, pensam, projetam em três línguas. Está presente um agente imobiliário: a economia “vai continuar a arrefecer”, sentencia. Em Pequim, Cantão, ou Macau, “nada volta a ser o que era”.
Salta à memória um artigo de 2008: London Folling, escrito premonitório no The Guardian, que antecipa a crise a ocidente. Nos restaurantes de luxo da capital britânica, agentes da alta finança escondem os cartões de empresa. O ouro e a platina de plástico, antes ostentado em festins e almoços de negócio, deixou de ter ego e supercrédito. A crise tinha chegado. Quase ninguém foi preso; mas muitos deviam ter sido.
O futuro, na China, far-se-á melhor com menos venalidade e esbanjamento. Temos pena do promotor imobiliário, do dono do clube, do chefe do restaurante… Era mais fácil quando as notas caiam do céu; mas a moral é bem-vinda. Em teoria, traz justiça social e sanidade mental; na prática, obriga o mundo a girar, nascem alternativas.

14 DE AGOSTO 2015

 
Domingo, regresso a Macau. Esta gente queixa-se, mas ainda não vê bem. Vão ter que sentir na pele.

 

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