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CELEBRAÇÃO DO 80.ºANIVERSÁRIO DE JOSÉ LUANDINO VIEIRA

A 4 de Maio deste ano, celebra-se o 80.º aniversário de José Luandino Vieira, indubitavelmente um dos maiores escritores da língua portuguesa de todos os tempos. Nascido na Aldeia do Furadouro, Portugal, a 4.5.1935, foi ainda criança para Angola. Cidadão angolano pela sua participação no movimento de libertação nacional e contribuição no nascimento da República Popular de Angola. Preso pela P1DE em 1959 (Processo dos 50). De novo preso (1961) e condenado a 14 anos de prisão e medidas de segurança. Transferido, em 1964, para o Campo de Concentração do Tarrafal, onde passou 8 anos, foi libertado em 1972, em regime de residência vigiada em Lisboa. Iniciou então a publicação da sua obra, na grande maioria escrita nas diversas prisões por onde passou. Membro fundador da União dos Escritores Angolanos, exerceu a função de secretário-geral desde a sua fundação −10-12-1975 − e em vários mandatos até 1992.
Publicou: «A Cidade e a Infância», 1960; «Luuanda», 1964 (Prémio Mota Veiga, em Angla, e Prémio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores, em 1965, tendo este prémio dado azo ao encerramento, pelo regime salazarista, da entidade que o concedeu e a sua proibição); «Velhas Estórias», «No Antigamente, na Vida» e «A Vida Verdadeira de Domingos Xavier», 1974; «Nós, os do Makulusu» e «Vidas Novas», 1975; «Macandumba», 1978; «João Vêncio: Os Seus Amores», 1979; «Lourentinho, Dona Antónia de Sousa Neto & Eu», 1981; «Nosso Musseque», 2003; «De Rios Velhos e Guerrilheiros: I. O Livro dos Rios», 2006; «O Livro dos Guerrilheiros. De Rios Velhos e Guerrilheiros II», 2009. Este ano está prevista a publicação, em dois volumes, dos seus «Diários da Cadeia», o que será um verdadeiro acontecimento editorial.
Em 2006 recusou, «por razões íntimas e pessoais», o Prémio Camões, tendo, no ano seguinte, sido galardoado com o mais alto prémio cultural angolano, o Prémio Nacional de Cultura e Artes.
De Luandino, publicamos hoje a tradução (quase esquecida!) do poema « No Sítio que Acaba o Arco-íris», do poeta sul-africano Richard Rive (Cidade do Cabo, 1931-1998), primeiramente publicada no Boletim Mensagem, da Casa dos Estudantes do Império, em Julho de 1964, e um texto inédito em livro, «Mulôji A Kolombolo Mata».

LUANDINO VIEIRA: MANTENHAS PARA O MAIS-VELHO

Vai fazer oitenta anos. E agora, José? A pergunta não é para Luandino Vieira, angolano, Prémio Camões 2006, declinado pelo autor de «A Cidade e a Infância». A pergunta é para os seus leitores.
Ele faz oitenta anos. É biográfico, a insistência e a teimosia de durar. Mantenhas para o Mais-Velho! Não é coisa pouca pôr uma cidade no nome, agora ortónimo, dele e dela.
Numa carta, escrita em 1966, no Campo de Concentração do Tarrafal, e dirigida a Carlos Everdosa, Luandino exprime-se deste modo:

«(…) Meu caro Carlos: só não compreendo como insistes em alcunhas ainda que sinceras como a do “maior ficcionista angolano”. Isto para te falar no estares desiludido de ti próprio, como dizes, e de muitos outros. Isso era inevitável, é um constante suceder e é preciso compreendermos que não há outros homens para com eles construir o mundo. É com esses mesmos que se fará − ou nunca se fará. E portanto me regozijo que digas que ainda vai havendo sementeiras para o futuro. Nós somos responsáveis, pouco ou muito não importa, ou o que importa é que o sejamos na medida em que nos foi permitido ou o soubemos ser, por essas sementes. Portanto não se justifica essa desilusão de nós próprios, mas é necessário não cairmos nas mistificações da sementeira que parimos. É só isso que fará a nossa justificação: lucidez. Mas para que não penses que o teu primo é um super-homem e para que se dissolvam ainda mais as ideias feitas, sempre te digo, meu caro irmão, que há dias em que os seguintes versos são possíveis: “é necessário o ódio/ só ele impele/ o vermelho estrebuchar do sangue/ quieto insone/ sob o medo…// só ele sacode/ o cansado sono do pensamento/ puro fraterno/ sob o amor// é necessário o ódio/ só ele liberta/ só ele não cansa!”
Deixo-te com toda a amizade, hoje: o poema é de ontem.»

A ficção, a obra de Luandino, é o futuro. Ontem e hoje. Da infância no Braga, Makulusu, Kinaxixe – bairros de Luanda −, da Porta Treze, Associação de Poesia, em Vila Nova de Cerveira, da colecção de Poesia que vem editando, a Nóssomos. Das estórias infantis, dos desenhos. E o rio Kwanza, sempre, mesmo quando atravessa o Minho para ir à Galiza. Porque a ficção, para citar José Augusto Mourão, produz sobretudo a fidúcia ontológica. Seria estulto destacar o seu lugar no desenvolvimento
do romance angolano e na afirmação da angolanidade. O desvio morfo-sintáctico e lexical é em Luandino uma profanação, no sentido que lhe dá Giorgio Agamben.
Na triologia “De Rios Velhos e Guerrilheiros” está a súmula de uma obra escrita quase toda na cadeia, como preso político, à excepção desta, que citamos.
Foi no navio Kwanza – ironia desmedida – que Luandino seguiu para o Tarrafal, nos idos da década de 60. É o Kwanza, o rio, a grande metaforização que percorre parte da sua obra e onde se inscreve o fluxo do tempo, a interrogação, a dialogia, de «A Vida Verdadeira de Domingos Xavier» a «O Livro dos Rios» e «O Livro dos Guerrilheiros», primeiros títulos da trilogia já referida.
Um dos grandes prosadores da Língua Portuguesa faz oitenta anos. Maio espera-o com ele nas margens todas do rio, de montante a jusante, o Kwanza e a declinação de todos os seus nomes.
MANTENHAS: Saudação, em crioulo de Cabo Verde.

Luís Carlos Patraquim

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