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Paulo Rego – UM ACASO MUITO BEM PREPARADO

A ativista, não por acaso alemã, nas bocas do mundo por ter posto o pé no palco de Mario Draghi, não estava ali por acaso. Só entra ali quem está credenciado e vigiado; ou quem representa interesses capazes de montar o cenário. A cena puxa pela memória de outra quando, há uns anos, José Sócrates, então presidente da União Europeia, condena em Pequim as manifestações independentistas em Taiwan. Moeda de troca: um negócio com a China que, afinal, nem sequer consumou.
Quando a delegação europeia desembarca em Pequim, a Agência Lusa, a partir de Macau, publica um apelo de Taipé pedindo a Sócrates e a Barroso – presidente da Comissão Europeia – que não cometam esse erro. Está em discussão uma balança comercial mais favorável ao Velho Continente e, em troca, o império a oriente exige a condenação da Ilha nacionalista. O apela é replicado nas agências internacionais e, enviado pela Lusa na comitiva oficial, procuro a reação do governo chinês. Parece fácil: basta ir à conferência semanal do porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros e fazer a pergunta. Mas não entra ali quem quer, mas quem pode. E Pequim só deixa entrar correspondentes estrangeiros credenciados na capital chinesa.
Lançada a questão, surge um jornalista russo a oferecer o acesso. Com um dístico no carro, que lhe permite entrar pela garagem, leva-me abaixado no banco de trás e entrega-me a um “amigo”, que me conduz por corredores obscuros até à conferência de imprensa. Assim que me sento, uma jovem japonesa senta-se ao meu lado: “É o Sr. que vai fazer a pergunta sobre Taiwan?”. Há problema?, pergunto. Ela sorri: “O seu microfone está desligado, sugiro que use o meu”. Levanta-se e sai da sala. Lá ergui o braço, à espera da oportunidade, que me é dada. Pego no aparelho na cadeira ao lado, quando reparo que o porta-voz chinês também sorri, à minha espera… Leio a notícia da Lusa e peço o comentário. Resposta: “Bem-vindo Sr. Paulo! Como sabe, não pode estar aqui, mas faço questão de lhe responder. O seu primeiro-ministro – e presidente da União Europeia – sabe muito bem que tem de condenar as manifestações em Taiwan”. Bruá na sala: luzes, câmaras, ação… Afinal, havia outro: não era só o russo, nem a japonesa; o MNE chinês também queria a pergunta. É a minha vez de sorrir… Por isso estava ali; porque esse conjunto de vontades o permitiu. E nada como um jornalista português, vindo na comitiva de Lisboa, para cumprir o papel. Sócrates lá condenou Taiwan; a China respondeu com um grupo de estudo para pensar na balança comercial. Presumo que ainda estejam a estudar o assunto…
Por detrás do circo da ativista alemã há um conjunto de vontades que o montou, permitiu e vai explorá-lo. Não há drama moral nisso; é da vida política e mediática. A ativista terá a sua convicção e sua ética, como a Lusa cumpriu a obrigação de ouvir todas as partes daquela estória com relevo mundial. Os outros agentes manobram sempre a sua agenda de interesses. Nestes contextos, ingénuo é acreditar no acaso. O que se passou na conferência do Banco Central Europeu revela que há muita gente, que pode mais do que se pensa, que hoje centra em Draghi o tiro ao alvo mediático. E nada como uma conterrânea de Merkel para cumprir o papel.

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