Início Entrevista A RECONCILIAÇÃO CONTINUA UM PROJETO POR REALIZAR

A RECONCILIAÇÃO CONTINUA UM PROJETO POR REALIZAR

Para o antropólogo moçambicano Victor Igreja, os estrangeiros são usados como bode expiatórios por largas camadas da população que vivem em grande miséria.

Plataforma Macau – Como é que uma sociedade que de libertou do apartheid envereda pelo mesmo caminho de hostilização do outro?
Victor Igreja – Os atos violentos praticados por uma minoria de cidadãos sul-africanos negros contra emigrantes é típico de sociedades enfrentado crises sociais, económicas e morais graves. Temos testemunhado violência xenófoba contra estrageiros no Bangladesh, Birmânia, Tibete, Chile e vários outros. Este tipo de violência é raras vezes canalizado contra as elites no poder. Ao contrário, os estrangeiros são usados como bodes expiatórios para chamar a atenção sobre problemas de pobreza e miséria que afligem certos segmentos da população.
No caso concreto da África do Sul, o fim do apartheid criou condições para uma maior visibilidade das diferenças socioeconómicas entre as elites do ANC e a maioria da população negra. É verdade que as negociações políticas que deram a luz ao novo regime político democrático não incluíram um programa profundo de reformas com vista à redistribuição da riqueza concentrada nas mãos de uma minoria branca. Mas também, as elites políticas negras, com exceção do falecido Nelson Mandela, têm sistematicamente delapidado os recursos económicos do Estado sul-africano em detrimento da maioria das populações pobres. Por várias vezes o arcebispo Desmond Tutu veio a público chamar a atenção e criticar as elites do ANC no sentido de mudarem o rumo da governação e desenvolverem políticas económicas que visem tirar o povo da miséria, mas pouco tem mudado. Contudo, será que a miséria justifica actos de xenofobia e violência física contra os emigrantes que também estão engajados na luta contra a pobreza? A resposta é clara, não.

P.M. – A violência continua entranhada na sociedade sul-africana. A seu ver, quais são as causas?
V.I. – Embora se diga em gíria popular que “não há raiva que dure dez anos nem cão que a ature,” na realidade transformações políticas profundas e mais abrangentes levam muito mais tempo a consolidarem-se. A violência hoje nos bairros e cidades sul-africanas são um eco de um passado ainda muito recente caraterizado pelo ódio racial e violência extrema contra as populações negras. É preciso recordar que a violência psicológica e física foi durante muito tempo o instrumento principal usado pelo apartheid para disciplinar of sul-africanos. Já o falecido músico, também vítima de violência criminal, Lucky Dube cantava que o apartheid construía com muita facilidade mais prisões do que escolas para educar as novas gerações na cultura do bem e do trabalho. A força da memória destes atos e experiências de violência não se neutralizam só por intermédio de bons discursos políticos que prometem uma nação à moda arco-íris. As elites políticas negras e brancas tentaram por via da Comissão de Verdade e Reconciliação uma forma de reduzir os ódios criados e deixados pelo regime segregacionista e racista do apartheid. Mas pelos vistos a reconciliação continua um projeto por realizar tal como em Moçambique, Angola, Timor-Leste, países estes também marcados por divisões e discórdias profundas com relação a um passado ainda recente.

P.M. – O fim de apartheid parece não ter encerrado o ciclo da violência. O que poderá ser feito?
V.I. – Cabe aos dirigentes sul-africanos desenvolverem e comunicarem políticas mais credíveis para resolverem os problemas de pobreza e miséria que afectam largos segmentos da população sul-africana. A corrupção entre a classe dirigente precisa ser combatida com atos concretos e que resultem na punição, de acordo com as leis, daqueles que delapidam o estado.

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