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Paulo Rego – UM EXEMPLO QUE VEM DE LONGE

A morte de Lee Kuan Yew merece uma reflexão muito além do simples adeus a um líder carismático. Ícone da afirmação internacional dos tigres asiáticos, na transição do milénio, foi o visionário que transformou uma pequena cidade portuária, rocha perdida no Índico, numa sociedade moderna de serviços, numa plataforma logística global e num centro financeiro com credibilidade mundial. Mas foi ainda mais longe: criou novos modelos de governação, por uns contestados pelo excesso de engenharia social e músculo político, por outros admirados como solução para boa parte das lideranças asiáticas, incluindo a chinesa.
Não é por acaso que os altos quadros da administração de Macau passaram os últimos 15 anos em cursos de formação em Singapura, com óbvio beneplácito do poder central. Sem grandes resultados, diga-se, porque a História nunca se repete, sendo naturalmente marcada pelo seu tempo e pelo seu espaço. Mas também não é por isso que seis décadas de sucesso de Lee Kuan Yew, – que deixa o filho no cargo de primeiro-ministro – perde mérito ou valor como caso de estudo.
A estratégia de Lee Kuan Yew assenta em três grandes pilares: primeiro o político, inspirado em Norbert Elias, sociólogo alemão – origem judaica – que escreveu “A Quadratura do Círculo”, ensaio no qual contraria o sonho europeu depois da Grande Guerra, defendendo a impossibilidade da conquista simultânea de direitos económicos, sociais e políticos. Monarquias, ditaduras e democracias musculadas asiáticas sentiram conforto nessa tese de que os direitos sociais e políticos deviam ser adiados. Mas Lee Kuan Yew inovou aplicando a lógica “eliana” a uma espécie de estado-empresa, onde o “patrão” persegue a riqueza, para depois pagar os outros. No campo da engenharia social, atraiu altos quadros malaios, chineses e indianos, projetando uma sociedade de serviços internacionalmente reconhecida. Por fim, aplicou a tese dos triângulos de crescimento: produzir nos países vizinhos, onde há espaço; fornecer a quem possa comprar; garantindo as operações a partir de Singapura.
As escolas de gestão renderam-se, os políticos asiáticos também, a massa crítica mundial idem aspas. Macau ensaia quiçá copiar. Aliás, o desenho que a China faz não está longe do modelo singapuriano: governar com rédea curta, dar saltos na qualidade nos serviços e montar triângulos de crescimento entre o Delta do Rio das Pérolas aos países de língua portuguesa. Agora, com vantagens competitivas enormes: cofres cheios e um sistema financeiro sofisticado, não só nos bastidores do jogo mas também na própria banca. Estamos, contudo, muito longe de executar essa visão. Porque a geração que herdou a RAEM primeiro concentrou-se em explorar, até à exaustão, os casinos e a especulação imobiliária.
Não é tarde, é só mais lento que seria desejável. E a vantagem competitiva em relação ao arranque de Singapura continua a ser descomunal. Porque os cofres de Macau estão cheios e o mundo hoje olha para todas as portas de entrada na China como nunca olhou para aquela rocha que se separava da Malásia. Afinal, cresceu como plataforma de interesses regionais e de ligações intercontinentais, como Hong Kong já era e como Taiwan também veio a ser.
Deng Xiaoping não inventou a roda com as regiões administrativas especiais; nem seria o gestor genial que foi Lee Kuan Yew. Mas não lhe fica atrás como visonário, sabendo que geria uma nau incomensuravelmente maior, com uma História milenar, uma massa humana ímpar e a força bruta dos dragões antes adormecidos que estavam a acordar. O caminho que desenhou garante a energia mais do que necessária para que as rodas possam rolar. Outros souberam trilhar, em condições bem mais difíceis.

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