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João Cordeiro * – O DEVER DA CIRCUNSTÂNCIA

 

“Tudo começa com um Bom Professor” podia ler-se nas ruas da capital portuguesa, em Novembro do passado ano, a pretexto da luta sindical contra as condições de ensino naquele país. Reivindicações políticas à parte, a frase deixou-me a pensar e encaminhou-me, durante o prolongado e solitário almoço na Taberna das Flores, por uma viagem no tempo onde revisitei alguns dos muitos professores que tive ao longo dos 26 anos em que, ininterruptamente, estive matriculado em instituições de ensino. A viagem, ao contrário dos sabores mediterrâneos do almoço, foi agridoce.

Não me sai da ideia que um professor é como um livro. Há aqueles que lemos e não deixam marca, nem boa nem má. Ficam-se pela espuma dos dias e quando esta passa nem do título nos lembramos. Depois há aqueles que lemos por persistência ou obrigação, pois interesse nunca nos motivaram. Outros há, ainda, a quem reconhecemos valor mas não paixão, e por fim aqueles que identificamos no quotidiano dos nossos actos. Os que relemos, os que enformam o nosso ser, que enxertam uma nova espécie num ramo da nossa árvore.

Mas tal como nos livros, tentar delimitar o arquétipo do Bom Professor é uma tarefa que parece fácil mas que falha consistentemente na sua concretização. Na área da informática musical havia esta ideia antiga, qual alquimista, de que analisando os diferentes êxitos musicais de cada época se conseguiria extrair um conjunto de regras que permitiriam ao computador não só identificar se uma música iria ou não ser um êxito comercial, como também permitir-lhe gerar automaticamente um tema-sucesso seguindo essas mesma regras. (In?)Felizmente, a realidade (e em particular no que às coisas da emoção diz respeito) é infinitamente complexa e, até agora, impossível de prever segundo um qualquer algoritmo informático ou regra matemática. Do mesmo modo, em meu entender, o Bom Professor não é produto de uma qualquer cartilha mas sim o resultado holístico da combinação circunstancial de princípios fundamentais como: carácter, técnica, conhecimento e paixão. E de todos estes elementos que concorrem para o seu todo, talvez a ideia de circunstância seja mesmo a mais importante, pois funciona como a variável que é exterior ao próprio pedagogo.

A circunstância, entenda-se, é o espaço-tempo em que o professor é professor, ou seja, o país, a instituição, o curso e por fim a turma a quem lecciona. É este elemento, variável em cada semestre, que vai determinar o nível de adaptabilidade e constância de um docente.

O Bom Professor, para o ser, terá que ter a plasticidade necessária para se adaptar aos contextos em que lecciona, os quais são mutáveis e estão em constante evolução. Para tal, o diagnóstico dos educandos, quer individualmente quer na dinâmica de grupo, é fundamental, assim como um bom entendimento do contexto sociocultural em que se inserem.

E é exatamente neste ponto que o contexto de Macau, em oposição a, por exemplo, Portugal, onde leccionei nos últimos anos, vem “baralhar o jogo”. Numa turma em que a circunstância é de tal forma plural e heterogénea, quer ao nível do conhecimento científico quer da cultura em sentido lato (língua, religião, gastronomia, hábitos sociais, códigos de conduta, etc.), o que existe não é Uma Turma mas muitas turmas dentro de uma turma. São grupos mais ou menos bem definidos, por vezes antagónicos entre si, que exigem abordagens diferentes para que possam evoluir. O Bom Professor, perante tal circunstância, terá que ser duplamente maleável na aplicação dos princípios estruturais acima descritos, em particular a paixão, que é como quem diz, a disponibilidade para o fazer.

 

*Professor Assistente na Faculdade das Industrias Criativas, USJ

Colaboração da Universidade de S. José

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