A SITUAÇÃO DO MACAENSE “É PREOCUPANTE”

por Arsenio Reis

 

Eleito para novo mandato como presidente da Associação dos Macaenses (ADM), Miguel de Senna Fernandes vê na escolha de línguas terceiras pelas novas gerações um dos sinais “da erosão da comunidade”.

 

Eleito no último sábado para mais um mandato na presidência da ADM, Senna Fernandes não usa de rodeios para afirmar que a situação da comunidade o preocupa. O advogado reconhece não ter uma solução para travar o problema, mas não lhe escapa a ironia de estar a descrever uma situação habitualmente associada aos macaenses expatriados mas que agora atinge a terra onde tudo começou.

“Vejo uma grande dispersão da nossa comunidade e é impressionante como essa dispersão se faz mesmo em Macau”, disse ao Plataforma Macau, falando na segunda-feira, no seu escritório, na Praia Grande. “Cada vez mais, vemos nuances de macaenses que fogem um pouco aquele paradigma do macaense que todos nós comummente conhecemos”, acrescentou.

Em causa, diz, estão as profundas mudanças que a cidade sofreu, a introdução de novas práticas sociais e uma crescente aproximação dos macaenses ao universo chinês, em detrimento da cultura portuguesa, que funcionou como uma das marcas da diferença. “Hoje em dia, por exemplo, há uma falta de consenso no uso da língua veicular, o que é um fator determinante para essa dispersão”, nota Miguel de Senna Fernandes.

“O meu avô, o pai do meu pai, e o seu irmão, tiveram sempre uma educação no modelo britânico, falavam muito bem o inglês. Ora, mas falavam sempre muito bem o português. Nessa altura, o governo [de Macau] era português, o que era muito importante do ponto de vista das referências. Hoje em dia, isto já não é assim, porque as pessoas escolhem outro tipo de educação”, considera.

 

“SUFOCO SOCIAL”

O líder da ADM aceita que “cada um é que sabe que educação que dá aos seus” mas refere que esta opção por outras línguas veiculares, nomeadamente o chinês, “tem o seu peso” no futuro da identidade do macaense.

“Temos que voltar a olhar para o ensino do português de outra forma, para que as pessoas possam pensar de maneira diferente”, propõe Senna Fernandes, mas admite que o processo não é fácil. “Ando a interrogar-me todos o dias: ‘como é que se chega lá?’ Ainda não sei”, diz, esperançado que a pressão social sobre a comunidade posse ajudar a dar volta à situação.

“Estamos a tocar coisas muito profundas, existenciais, que não são minimamente palpáveis, as pessoas não têm muita pachorra para pensarem nessas coisas. Mas, a partir do momento em começam a sentir a necessidade, porque o sufoco social é grande, precisam de um espaço, porque sabem que têm um background historicamente diferente”, defende o presidente da ADM.

Miguel de Senna Fernandes afirma-se “desalentado por remar contra uma maré” e diz que lamenta, “embora compreenda”, que membros da comunidade estejam a abandoná-la, “ou, pelo menos a não garantirem esse sentido de pertença” em relação às novas gerações. “Continuo a dizer: não estou contra as pessoas que põem os seus filhos a falarem chinês. Falar chinês é muito bom, porque as pessoas dominam a principal língua de Macau, só que isto tem um custo. Porque se esta geração já não fala português, muito provavelmente a próxima geração já não vai falar absolutamente nada”, prevê.

“Mais tarde, não me espanta nada que um indivíduo ostente um nome portuguesíssimo – Ramiro Oliveira, ou Silva  – e a as pessoas perguntem o que o diferencia de um chinês. Se a comunidade macaense quer arrogar-se como comunidade, tem que tomar uma atitude”.

E dá um exemplo: “Nós falamos muito bem o português e os nossos filhos não falam? Isto é muito complicado, mas continuo a bater na mesma tecla: respeito a decisão das pessoas”.

 

RETRATOS COM FALTA DE VERBA

Há dois anos, quando foi eleito para o quarto mandato, Miguel de Senna Fernandes anunciou que a ADM iria privilegiar a produção do “Álbum da Malta”, um arquivo fotográfico sobre a comunidade, para memória futura. No entanto, dois anos passaram e o álbum não saiu, “por falta de verba”, o que parece ser também uma nova realidade para a organização.

“A ADM não tem dinheiro nenhum”, garante Senna Fernandes, que justifica a situação com as novas regras de financiamento da Fundação Macau (FM). “Antigamente, a FM dava um subsídio e cada destinatário geria o montante, sempre contra apresentação do orçamento. Mas não havia aquela rigidez de dotar certa atividade com aquele montante. Agora é assim, se uma pessoa não conseguir utilizar todo o dinheiro vai ter que o devolver, não pode ser aproveitado para outras coisas”.

Em consequência, diz o advogado, a ADM, “uma grande organização em termos de sócios” é pequena em receitas. “Se a FM deixar de nos apoiar, nós fechamos as portas, não temos dinheiro”, garante Miguel de Senna Fernandes.

Por isso, a iniciativa do álbum fotográfico passou para o próximo mandato, numa produção já diferente da conceção incial – apenas uma coleção de retratos – para algo de mais global sobre a presença da comunidade. “Vamos retratar vivências da comunidade e, de facto, temos muito o que retratar, porque os macaenses estiveram em todos os aspetos da vida social de Macau. Só isto tem um valor histórico, para os próprios chineses saberem onde nós estávamos”, diz o presidente da ADM.

Deverão ser igualmente publicados os textos referentes a dois colóquios realizados há dois anos, sobre a identidade dos macaenses, que se encontram já em fase de revisão de provas.

 

Luis Andrade de Sá 

 

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