“AJUDAR A INTERNACIONALIZAR O MELHOR QUE SE FAZ EM MACAU”

por Arsenio Reis

 

Pensar, debater e passar para vídeo o tema “Memória e arquivo” foi o desafio lançado pela organização cultural Babel na terceira edição do InFluxus, um programa artístico educacional apresentado esta semana nas instalações da Creative Macau. O projeto, que se dividiu em workshops, seminários e visitas a Macau, Hong Kong, Lisboa e Porto, contou este ano com a participação de 12 estudantes do interior da China, Macau e Portugal e de dois artistas – o fotógrafo Ieong Man Pan e a artista multimédia Peng Yun.  Para o ano, esta iniciativa poderá ser estendida ao Brasil, segundo explica  em entrevista ao Plataforma Macau a diretora artística da Babel, Margarida Saraiva.

 

PLATAFORMA MACAU – Que balanço faz desta terceira edição do InFluxus?

MARGARIDA SARAIVA – Esta edição durou o dobro do tempo das edições anteriores. Ao longo de vinte dias, tivemos um programa muito intensivo de conferências, seminários, workshops e visitas a museus. Os alunos concluíram os trabalhos durante esse período e os dois artistas convidados tiveram mais tempo.

 

P.M. – O que trouxe de novo esta edição?

M.S. – O InFluxus tem quatro objetivos principais: explorar as relações entre o vídeo, cinema e arte contemporânea; estimular o desenvolvimento de competências interculturais; debater temas da arte contemporânea e produzir novos trabalhos artísticos. Este ano escolhemos o tema “Memória e arquivo” e todas as apresentações, workshops, seminários e visitas foram subordinados ao tema com o objetivo de estimular os jovens a pensarem sobre isso e lhes dar a conhecer a forma como os artistas contemporâneos têm abordado este tema, sobretudo em trabalhos feitos com filme.

O filme num espaço de galeria é diferente do filme no cinema, em que os espetadores entram a uma determinada hora, sentam-se e ficam à frente de uma tela onde passa uma narrativa que é relativamente linear. O filme no espaço de um museu ou de uma galeria é muito diferente e os artistas contemporâneos usam-no de uma forma muito mais experimental. Começa pelo facto de não haver apenas uma tela, mas as quatro paredes da galeria que servem de espaço de projeção. Por outro lado, não há nenhum controlo do momento em que o espetador começa a ver o filme e o momento em que acaba, por isso coloca-se a questão do loop. O filme tem de ter uma possibilidade de leitura diferente, em que permite que o espetador entre e saia a qualquer momento. Há uma grande diversidade de leituras.

Os trabalhos que os alunos apresentam refletem um pouco isso. Em relação aos anos anteriores, acho que os trabalhos estão com maior qualidade e isso é resultado do programa ter tido o dobro tempo. Quando chegámos à fase de criação, os participantes já se conheciam melhor, já tinham tido mais informação sobre o tema e havia uma dinâmica de trabalho em equipa e colaboração, que nos outros anos teve maior dificuldade a arrancar.

 

P.M. – Mencionou o tema “Memória e Arquivo”. O desenvolvimento e a realidade de Macau obrigam a pensar nisso?

M.S. – Não está apenas associado à realidade de Macau. O mundo contemporâneo acelerou as transformações da cidade, as transformações demográficas, geográficas, paisagísticas e isso tudo fez com que os artistas se virassem para o passado no sentido de o preservar, de recuperar algumas técnicas analógicas – no caso do cinema, por exemplo, de algumas técnicas antigas – e de alguma recusa da utilização só daquilo que é digital.

Isto permitiu uma nova tendência dentro da arte contemporânea e isso é muito forte.

A questão do arquivo tem também a ver com o poder e por isso torna-se numa questão política. Aquilo que se preserva ou não, o que se guarda para mais tarde escrever na história ou que não se guarda, é determinado pelas instituições governamentais oficiais. Portanto, eu posso deixar de lado qualquer narrativa alternativa que não me seja conveniente se eu for essa entidade que exerce o poder.

O artista tem aqui um papel de contar a história de uma forma subjetiva e pessoal que permita criar narrativas alternativas, que vão aumentar a nossa visão da realidade e diversificar a maneira como olhamos o mundo contemporâneo.

 

P.M. – E como tem sido o entendimento entre os estudantes destas diferentes áreas geográficas?

M.S. – Os trabalhos são feitos em grupo. Para a sua constituição, escolhemos um aluno da Academia de Cinema de Pequim, da Escola das Artes do Porto e da Universidade de São José em Macau. O que acontece é que eles não vão trabalhar dentro das equipas em que estão habituados. É nesse sentido que achamos que este programa estimula e ajuda a desenvolver as competências interculturais que são tão necessárias tanto na vida profissional como no desenvolvimento de qualquer trabalho artístico.

Estamos agora a trabalhar e a fazer contactos no sentido de introduzir ou alargar a participação a outros países. Gostávamos muito de introduzir o Brasil no próximo ano.

 

P.M. – De que forma se posicionam qualitativamente os alunos de Macau em relação aos alunos de Pequim ou do Porto?

M.S. – Penso que tem sido uma descoberta para os alunos de Macau, quer ao nível da arte contemporânea, do equipamento que acabam por conhecer, em particular através do Centro de Criatividade Digital da Universidade Católica do Porto, e do convívio com os alunos de Pequim. Isto tem feito com que os alunos de Macau desejem continuar a estudar, o que para nós é um indicador de sucesso.

 

P.M. – Como é feita a seleção dos estudantes?

M.S. – São as próprias universidades que o fazem. Escolhem, em princípio, os melhores alunos. A Babel escolhe os artistas e os curadores, que vêm apresentar o tema. Neste caso participaram 12 estudantes, dois artistas e curadores da Fundação Calouste Gulbenkian e do Museu Coleção Berardo.

Professores da Universidade de São José, da Universidade Católica, a equipa da Babel e os curadores convidados acompanham o trabalho dos alunos ao longo desse percurso, que é uma viagem no espaço e que começa em Macau com visitas a Hong Kong, Lisboa e Porto. É uma viagem geográfica mas eu também diria que é uma viagem de descoberta no âmbito da arte contemporânea.

 

P.M. – E o apoio financeiro é suficiente?

M.S. –  O nosso principal apoio é do Instituto Cultural. Este ano tivemos ainda apoio da Fundação Macau, do Gabinete de Apoio ao Ensino Superior e da Fundação Oriente, que facilita a estadia aos alunos que vêm de Pequim e Portugal. O Museu de Arte também nos apoiou com a cedência de espaço.

Apesar de serem apoios maravilhosos e que nos permitem arrancar com os projetos, são manifestamente insuficientes. Nós fazemos um esforço muito grande para conseguir levar as coisas a bom termo.

 

P.M. – Reflete uma falta de visão local para a necessidade de apoiar o trabalho ou a formação de artistas locais?

M.S. – Há cada vez mais apoio, mas não basta apoiar. Às vezes é preciso fazer a distinção das coisas. Qualquer pessoa que coloque algo na parede pode dizer que fez uma exposição, mas isso não quer dizer que esta exposição esteja realmente a estimular a criação artística local. Não há essa distinção, é tudo nivelado da mesma forma, o que faz com que artistas mais conceituados acabem por não expor em Macau como seria desejável.

 

P.M. – A Babel deu voz agora a dois artistas, Peng Yun e Ieong Man Pan.

M.S. – São dois artistas que nos oferecem toda a confiança. Em relação a Ieong Man Pan, a Babel fez a sua primeira exposição individual `Mapa Indobrável´ na Casa Garden no contexto de um programa que lançámos em parceria com a Casa de Portugal – New Visions – e que tem como objetivo descobrir novos artistas. Nós damos oportunidade a jovens que nunca fizeram uma grande exposição de a realizar e escrevemos sobre o trabalho deles de uma forma relativamente académica.

Os trabalhos são depois publicados na Revista de Cultura ou em revistas internacionais porque temos esta intenção muito deliberada de ajudar a internacionalizar o melhor que se faz em Macau. E isso não se faz apenas com exposições, mas é necessário produzir discurso crítico sobre a obra de arte contemporânea.

 

P.M. – Neste universo do Influxus essa internacionalização tem-se materializado? 

M.S. – No grupo de estudantes houve três pessoas que deram continuidade aos seus estudos – dois alunos na Universidade Católica do Porto e uma aluna em Pequim. Quanto aos artistas, conseguimos estimular o interesse de Ruth Rosengarten, uma das curadoras que participou no programa, em particular pelo trabalho da Peng Yun. São pessoas que não têm oportunidade de se cruzar, de se conhecer, e este programa oferece um pouco isso. Ruth Rosengarten é israelita, está baseada em Londres, trabalha para o Museu Berardo como curadora convidada, e faz exposições desde Londres a Nova Iorque. Se fizer uma exposição dentro de um tema no qual a Peng Yun também trabalhe, é possível que esse encontro possa existir.

 

Catarina Domingues 

 

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