“A COMUNIDADE CHINESA EM MOÇAMBIQUE JÁ SE GLOBALIZOU”

por Arsenio Reis

 

Formada por volta de 1890, ainda no governo colonial português, em Lourenço Marques, atual Maputo, a Associação da Comunidade Chinesa em Moçambique (ACCM) conta atualmente com mais de 120 sócios e cerca de 600 cidadãos de origem chinesa ligados oficialmente à agremiação.

 

Após a independência de Moçambique, em 1975, o Governo moçambicano, na esteira da política comunista, nacionalizou todas as instituições, inclusive as instalações da ACCM situadas na capital moçambicana. Somente 30 anos depois, e com ajuda da Embaixada da China em Moçambique, a ACCM conseguiu recuperar as instalações, já em estado de avançada degradação.

Em entrevista ao Plataforma Macau, em Maputo, o presidente da ACCM, Luís Wong, fez um balanço positivo das atividades realizadas pela agremiação para a promoção da língua e cultura chinesas no país, destacando o “crescimento e a rentabilidade” do mercado moçambicano para investimento estrangeiro.     

 

PLATAFORMA MACAU: Qual é o atual estágio da ACCM?  

LUÍS WONG: Como sabe, as instalações da associação tinham sido nacionalizados, ficámos quase 30 anos a batalhar para recuperar as instalações. Oficialmente, os primeiros documentos a pedir a devolução foram há quase 19 anos. Finalmente conseguimos e agora temos as instalações, embora ainda não estejam nas condições que gostaríamos que estivessem.

Estamos em reabilitações e, também, andamos algumas limitações de fundos. Neste aspeto a comunidade está muita satisfeita em ter o seu próprio local. Apesar destes contra-tempos, podemos dizer que a comunidade está num bom estágio.

 

PM: Quais são as atividades realizadas pela ACCM?

L.W: Temos várias atividades com objetivo de promover a união da comunidade chinesa em Moçambique. Tentamos atrair tanto a comunidade antiga como a nova que vem. Por exemplo, anualmente a ACCM organiza a Festa da Primavera, um evento que serve para unir a comunidade. Normalmente, chegamos a unir mais de 700 pessoas, entre os cidadãos chineses e amigos da ACCM. Nós temos a nova comunidade chinesa existente, que conhece a realidade no país, e também temos a comunidade recém-chegada da China, que traz experiência da cultura atual. Então, existe uma pequena diferença aqui, digamos, na maneira de pensar, por exemplo. Portanto, o que nós procuramos fazer é unir esses novos valores aos velhos.

 

PM: Quantos sócios a ACCM tem atualmente? 

L.W: Nós temos cerca de 120 sócios oficiais, envolvendo as famílias inteiras. Estamos a falar de uma comunidade de cerca de 600 pessoas oficialmente ligadas à comunidade.

 

PM: Há perceção de que o número de chineses em Moçambique tende, gradualmente, a aumentar. Qual é a causa desta fluxo emigratório para África, com especialmente atenção para Moçambique?   

L.W: Como sabe, a China agora está muito mais livre. Mesmo nas épocas mais difíceis tentava-se sair para África. Agora há mais uma razão, no caso especifico de Moçambique, a potencialidade do país. Há também o facto de que na China a concorrência é muito grande, ao passo que em Moçambique, de certa forma, ainda há um mercado e muitas oportunidades. Mas é preciso percebermos que há uma abertura total para que os moçambicanos também invistam na China. Observe que há cidadãos moçambicanos com empresas na China. Investidores que já estão bem instalados lá.

 

PM: Numa estimativa, quantos cidadãos chineses estão atualmente em território moçambicano?

L.W: Nós não temos o número exato, aliás, até a própria embaixada não tem um número concreto. Mas estamos a estimar que cerca de 8 a 10 mil cidadãos chineses estejam a viver em Moçambique. O problema nestes dados é que, por vezes, nem todos cidadãos chineses passam pela embaixada ou pela emigração.

 

FALTA APOIO AOS EMPRESÁRIOS

PM: Qual é a análise que faz da rentabilidade de mercado moçambicano? 

L.W: O atual estágio de desenvolvimento de Moçambique é muito atrativo para comunidade chinesa. É um mercado emergente, ainda há muitos campos por explorar e, por isso, rentável. Por pensarem que seja rentável, surge um maior fluxo de investimentos chinês em Moçambique, tanto em termos individuais como em termos de empresas. Aliás, é notável a vinda de grandes empresas chinesas ao país. Mas isto está muito relacionado com a estabilidade económica e, principalmente, política que o país apresenta.

 

PM: Moçambique recentemente viveu, durante quase dois anos, a pior crise político-militar desde a guerra civil que terminou em 1992. Teria esta crise afastado, de alguma forma, os empresários chineses interessados em investir em Moçambique?

L.W: Esta crise teve um impacto forte porque algumas empresas chinesas tiveram seus trabalhadores feridos ao tentarem cruzar aquela zona de “perigo”( o troço que liga  o norte ao sul, no centro do país, na altura bloqueado devido aos confortos militares). Muitos dos empresários ficaram receosos em continuar a investir em Moçambique. Felizmente, as partes envolvidas chegaram a um acordo. Embora não tenhamos dados concretos, sabemos que muitos empresários até já estavam preparados para voltar para China e outros reduziram o nível de investimentos em Moçambique devido à crise político-militar.

 

PM: Alguns empresários, principalmente das Pequenas e Médias Empresas (PME) que exportam e importam da China, têm reclamado de algumas “barreiras” nos serviços aduaneiros moçambicanos. O que se pode fazer para evitar este fenómeno que condiciona a dinâmica do processo de exportação e importação entre os dois Estados? 

L.M: Realmente este problema existe. Quem faz importação e exportação deve seguir as regras do país.  Às vezes, a mercadoria que vem da China é penalizada, simplesmente porque as autoridades aduaneiras começam a duvidar dos preços. O preço da China é mais barato, então, chegando aqui, as autoridades duvidam da legalidade da mercadoria. Entretanto, cada empresário tem tentado resolver da sua maneira, não existe ainda uma plataforma oficial para facilitar este processo.

 

PM: Qual seria a solução para este problema?

L.M: Se existisse, por exemplo, uma câmara de comércio que tratasse disso seria muito bom. Pelo menos os empresários e importadores seriam assessorados, o que facilitaria todo o processo. Muitas vezes a queixa está relacionada com a ginástica que tem de ser feita para importar os produtos. Portanto, uma câmara de comércio ou algum organismo que seja intermediário neste processo resolveria, até certo ponto, o problema.

 

ELEIÇÕES “REVELARAM ESTABILIDADE”

PM: Moçambique acaba de registar mudanças a nível político, com a eleição de um novo Presidente e novos deputados para Assembleia da República. Quais são as expectativas da ACCM?

L.M: Como todos moçambicanos, nós ficamos preocupados com a situação da nação. A nova comunidade também ficou atenta para saber quais são as posições que devem ser tomadas sobre os investimentos, se devem ou não continuar a investir. Portanto, houve um período de muita expetativa.

 

PM: Os resultados demonstram estabilidade para investimento? 

L.M: Acho que sim, os resultados das eleições demonstram uma estabilidade, pelo menos em termos políticos. Se houvesse uma mudança radical, sem dúvida, muitos empresários teriam receio de uma eventual mudança. O resultado das eleições é motivo para os empresários chineses continuarem a investir em Moçambique.

 

PM: Perspetivas para o futuro, o que a ACCM espera a médio e a longo prazo?

L.M: Nós, atualmente, estamos a dar o curso de chinês. Queremos melhorar mais as condições de expansão da língua chinesa em Moçambique. Acabamos de discutir com a embaixada para, em conjunto, montarmos uma biblioteca com livros chineses, como forma de expandir também a cultura chinesa no país. Isto ainda vai acontecer este ano. Queremos ter mais atividades culturais. Como sabe, nós somos uma associação sem fins lucrativos. O nosso objetivo principal é divulgar a cultura chinesa e tentar unir a comunidade. Queremos, também, dar assistência à nova comunidade chinesa que está a chegar ao território moçambicano.

Muitas vezes fala-se da comunidade chinesa em Moçambique como um círculo fechado, não, isso não é verdade. A ACCM é um círculo aberto. A comunidade chinesa em Moçambique é uma miscigenação. Nossos filhos, por exemplo, estão casados com muçulmanas, europeias e, principalmente, com moçambicanas. Nós já passámos de conceito de uma cultura homogénea, transcendemos para uma outra dimensão, já globalizámos.

 

Estêvão Azarias Chavisso, Maputo 

 

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