Início Opinião Paulo Rego – E TUDO A VIOLÊNCIA LEVOU

Paulo Rego – E TUDO A VIOLÊNCIA LEVOU

 

As ruas do centro de Hong Kong deviam há muito ter sido desocupadas. A capacidade de organização e a resistência prolongada prova a vontade, a convicção e a coragem dos estudantes que defendem a democracia plena. Mas a recusa em aliviar a tensão, pelo menos permitindo a normalização dos fluxos urbanos, demonstra também a sua imaturidade, a ausência de flexibilidade política e, até, total desrespeito pelo Estado de Direito. Sobretudo a partir do momento em que os tribunais decretaram o imperativo do desimpedimento das vias públicas e o livre acesso à propriedade privada, em muitos casos bloqueado.

A democracia não é a panaceia para todos os males, nem sequer é a única forma de garantir desenvolvimento, direitos, liberdades e garantias. Aliás, Pequim tem dado boas provas disso nas regiões administrativas especiais de Hong Kong e de Macau. Infelizmente, o mesmo já não se pode dizer dos péssimos exemplos dados por algumas “democraturas” africanas, latino-americanas, ou na Europa de Leste. O que dizer do “assalto” às conquistas teóricas da democracia que, na prática, são trancadas na gaveta da crise internacional pela “ditadura” do capitalismo financeiro, que fecha à chave leis constitucionais e decreta regimes provisórios que se tornam definitivos? Por fim, nada é suficiente para classificar catástrofes como a do recente massacre de 43 estudantes mexicanos que exigiam a demissão da liderança política do Estado de Guerrero. A imprensa internacional mostra consternação, mas ninguém se lembra de pôr em causa os regimes políticos desses países.

Nesta altura, e nestes termos, Pequim recusa negociar mais do que o sufrágio universal condicionado em Hong Kong. Compreende-se a decepção do campo pró-democrata, mas ainda assim haveria ganhos de causa a negociar: na extensão e nos critérios do veto a este ou àquele candidato, na evolução do sistema político no curto e no médio prazo, na composição do colégio eleitoral, na eleição dos deputados, etc… Mas o processo seguiu outra via.

Apesar do protesto de rua, quiçá inesperado, dada a sua dimensão e durabilidade, Pequim demonstrou bom senso, tolerância e paciência, deixando que o tempo jogasse a seu favor. Nenhuma democracia ocidental, mesmo as mais evoluídas, permitiriam que um protesto bloqueasse um centro urbano durante quase dois meses. Precisamente em nome do Estado de Direito, da livre circulação das pessoas e do direito de acesso aos espaços públicos e privados, a autoridade policial tem legitimidade – e mesmo obrigação – de agir proporcionalmente para repor a lei e a ordem.

Mais grave ainda é o erro do recurso à violência por parte de um grupo de estudantes mais radicais. Ameaças de invasão do parlamento e violência física, com tijolos ou qualquer outro objeto de arremesso, retiram definitivamente qualquer legitimidade e força dos argumentos em causa. As autoridades de Hong Kong atuaram com toda a legitimidade legal, incluindo ordens do tribunal, avisando atempadamente os estudantes de que reagiriam perante qualquer ato de resistência física.

Neste contexto, as recentes conquistas de Xi Jinping nos bastidores da APEC, bem como na visita à Oceania, onde se deu ao luxo até de explicar ao parlamento australiano a sua visão sobre a evolução do sistema político na China, percebe-se que a comunidade internacional não tem interesse, nem argumentos, para contestar a atuação do Governo de Hong Kong na forma como lidou com o “Ocupy Central”.

É evidente que a nova ordem mundial não se constrói sem um papel central da China, seja no contexto dos tratados comerciais, seja em questões sensíveis como a a paz, a segurança, ou a proteção ambiental. A recetividade internacional ao discurso pacifista de Pequim, que projeta a sua disponibilidade para negociar com todo o mundo, cada vez com menos tabus, prova que os acontecimentos em Hong Kong não estáo a produzir para a imagem externa da China os efeitos negativos que alguns esperariam. Aliás, os ataques estão hoje concentrados em Putin, tornando a Rússia o parceiro indesejado, precisamente ao contrário do que se passa com a China. Os estudantes de Hong Kong surpreenderam o mundo com a sua energia da convicção, tendo ganho o primeiro assalto. Mas a sua obstinação, falta de flexibilidade política e, finalmente, o erro crasso do recurso à violência, fez-lhes perder a primeira batalha.

 

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