MONTRA GLOBAL DA MEDICINA TRADICIONAL CHINESA

por Arsenio Reis

 

Há cerca de três anos, a terra tinha dono, mas o ar de ser terra de ninguém. Aliás, era um extenso lençol de água, que viria a ser terraplanado. Após intensas negociações, Macau assumiu o investimento, criando em parceria com as entidades de Guangdong uma empresa privada de capitais públicos. Hoje em dia há uma equipa a trabalhar em pleno no primeiro edifício construído no local, sede provisória com vista para meio quilómetro quadrado de terreno – metade do espaço da Universidade de Macau – onde se funda um parque industrial, científico e tecnológico, dividido em dois setores: investigação e certificação, à esquerda do canal central de água; áreas de negócio e de exposição, à direita. “Queremos ser um centro internacional de investigação, uma incubadora de negócios e uma montra global da Medicina Tradicional Chinesa e da cultura asiática”, explica Echo Chan. Nomeada por Macau para liderar o projeto, acredita nos países lusófonos como parceiros privilegiados para a projeção global da MTC. “O nosso alvo é o mundo todo”, sintetiza o seu adjunto, Li Young Jun, representante de Guangdong.

 

Com os olhos postos no horizonte, Li Young Jun recorda o início do milagre da criação: “Começámos junto do Governo de Zhuhai a tratar de papeis, das autorizações para a obra; era também preciso acelerar o projeto financeiro e as burocracias bancárias. Nessa altura, nem sequer sabíamos como se iriam processar as transferências monetárias. Havia tanta coisa para fazer que, às vezes, sentia-me sozinho, apenas com o apoio de um advogado e de uma ou duas pessoas que então começaram a colaborar connosco. Foram tempos muito difíceis”. Não era só o verbo, mas havia pouco mais. Echo Chan, presidente do Parque Científico e Industrial de Medicina Tradicional Chinesa para a Cooperação Macau-Guangdong, elogia o envolvimento das autoridades de Hengqin no princípio da aventura: “Quando pela primeira vez cá vieram os convidados de Macau para o lançamento do projeto, a viagem de autocarro durou mais que uma hora. Não havia sequer esta estrada que hoje nos permite cá em 10 minutos” – atravessando o posto fronteiriço Flor de Lotus, na Taipa. Agora “temos as infraestruturas prontas e podermos atrair empresas e investidores para desenvolvermos o projeto”, conclui.

Em novembro do ano passado, já com o aterro concluído, nasceu o primeiro edifício – sede provisória, onde há um pequeno museu com ícones da Medicina Tradicional Chinesa, uma incubadora de empresas, auditório, salas de reuniões e uma sala multimédia onde está uma gigantesca maquete do Parque e onde é projetado um vídeo 3D com a apresentação do projeto. A prioridade passa agora pela construção dos edifícios, cuja volumetria e disposição estão definidas pelo plano geral de enquadramento. O desenho final das áreas verdes e dos dois principais edifícios de escritórios serão definidos por concursos internacionais que estão a atrair “alguns dos ateliers mais famosos do mundo”, exulta Echo Chan. A flexibilidade maior está prevista para o interior dos outros edifícios, adaptáveis aos projetos apresentados por empresas e investidores privados. Dos primeiros 33 contactos que mostram interesse na ocupação do espaço, 19 avançaram para fases negociais mais firmes, apurando regras, critérios e montantes necessários para contratualizarem a sua presença. “A prioridade agora é definir os parceiros que querem cooperar no desenvolvimento deste projeto”, explica Li Youn Jun. “Podemos arrendar ou mesmo vender alguns edifícios; em última análise, poderíamos até vender a terra e eles desenvolveriam aqui os seus projetos. Já houve quem tenha proposto esse modelo, mas estamos concentrados na primeira hipótese. O terreno pertence ao Governo e Macau não quer vender; prefere manter a propriedade, construir os edifícios e arrendá-los”, conclui.

 

PAPEL ESPECIAL DE MACAU

A maior parte das empresas interessadas são de Macau. Aliás, há um modelo que privilegia essas empresas, porque a prioridade é dada, por exemplo, a quem tenha Bilhete de Residente de Macau ou empresa cá instalada há pelo menos dois anos. Há exceções previstas para empresas chinesas, alemãs, ou de qualquer outra origem que tenham uma dimensão estratégica ou uma história de sucesso. Há até interesse em atrair investidores que desenvolvam a medicina tradicional não chinesa, tenha ela origem na Índia, em África ou na América Latina. Mas o facto é que, “nesta fase, as empresas de Macau conhecem melhor o projeto e estão mais próximas dos modelos que estamos a implantar”, esclarece Li Young Jun.

“O nosso objetivo central foi sempre a construção de um parque industrial e de negócios de alta qualidade. Por isso optámos por concursos internacionais para o plano diretor e para os edifícios de apoio. Adotámos também os padrões mais exigentes e modernos de proteção ambiental e vamos ter também um concurso internacional para as áreas verdes”, explica Echo Chan. Mas há outros objetivos a cumprir: “Por um lado, é uma experiência de sucesso no trabalho de equipa entre os governos de Macau e de Guangdong; por outro, quisémos também garantir às empresas de Macau a oportunidade de desenvolverem aqui os seus negócios e conquistarem novos mercados; por fim, queremos mostrar ao mundo o que é a Medicina Tradicional Chinesa, com padrões de certificação, garantia de qualidade e troca de conhecimentos entre diferentes pontos de vista”.

Referindo-se ao Parque como uma “experiência única no mundo e na China, pelo menos na forma como estamos a tentar fazê-lo”, Echo Chan adianta ainda os motivos que justificam a sua localização, bem como o papel especial reservado a Macau. “O nosso conhecimento é muito particular, porque em Macau fomos os primeiros legalizar os médicos de Medicina Tradicional Chinesa, em 1940. É um caso de estudo mundial porque, como sabe, ainda são muito poucos os países a fazê-lo. O facto é que a sociedade de Macau já aceitou a Medicina Tradicional Chinesa, que está bem desenvolvida e convive lado a lado com a medicina ocidental. Trabalham muitas vezes juntas e têm enquadramento legal. Por isso, um dos objetivos é o de fazer emergir essa experiência e criar esta plataforma para introduzir a Medicina Tradicional Chinesa no resto do mundo.

 

POTENCIAL LUSÓFONO

Li Young Jun frisa que a ambição do projeto é a da sua afirmação “em todo o mundo”. Echo Chan, bilingue perfeita e habituada à tonalidade lusófona de Macau, ressalva que “a posição especial da RAEM junto dos países lusófonos transforma-os no mercado tradicional de Macau. Até por haver uma série de projetos de cooperação entre a China e os Países de Língua Portuguesa, essa é uma uma direção óbvia no que toca a mercados potenciais, quer para o desenvolvimento da indústria, quer para exportação, para a troca de conhecimentos e a cooperação”.

Echo Chan entende por isso que os países lusófonos podem ser parceiros privilegiados que sirvam depois de ponte para a projeção global. Nesse contexto, lembra ainda que, mesmo para as empresas e instituições lusófonas, “é sempre mais fácil aderirem a este projeto através de parcerias locais, por exemplo com a Universidade de Macau ou com a de Ciência e Tecnologia, onde já há escolas, laboratórios certificados, recursos humanos qualificados e acesso aos contactos com a China Continental”. Ou seja, “temos aqui o espaço e a plataforma já está criada”.

 

Paulo Rego

 

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